Entrelinhas do Desporto: As cedências temporárias

As cedências temporárias e o seu circunstancialismo não são assunto tabu. Sendo tema recorrente nos mais variados meios de comunicação social, dúvidas surgem quanto ao verdadeiro propósito deste regime.

Durante bastante tempo, vários interlocutores vociferaram o seu descontentamento perante a possibilidade de um atleta cedido poder competir contra o clube cedente. A pressão mediática e, no final, a vontade dos clubes da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), fez com que aprovassem, em Assembleia Geral Extraordinária, a proibição de um atleta cedido jogar contra a equipa cedente.

Esta proibição não surgiu só, pois os clubes também aprovaram que nenhuma equipa poderia ceder temporariamente mais do que um atleta, na mesma época desportiva, a um clube que participe na mesma competição.

Um clube também não pode ceder mais do que seis atletas a outros, ao passo que os clubes cessionários não podem receber mais do que três atletas de outros, partindo do pressuposto que cedentes e cessionários participam na mesma divisão. Porém, estas limitações não são aplicáveis a clubes que tenham equipas B’s em relação a cedências a Clubes da Segunda Liga.

A razão de ser destas limitações são facilmente enquadradas no clima de desconfiança que se viveu e vive no futebol português, desde o topo ao último da hierarquia.

Vamos por fases:

A proibição sobre o facto de um atleta cedido poder jogar contra o Clube cedente, no plano teórico, trata-se de uma tentativa de proteger a integridade da verdade desportiva. Todavia, trata-se de uma falácia, na teoria e na prática. O princípio de que os atletas cedidos são propícios a comprometerem a equipa para a qual prestam a sua atividade, em benefício do Clube cedente. Isto confere ao atleta um atestado de falta de competência e de seriedade.

Na realidade, com este normativo plasmado no artigo 78.º n.º 1 e 2 do Regulamento das Competições da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) criaram-se duas categorias de atletas: os sérios (os que estão vinculados a título definitivo) e os desonestos (atletas cedidos).

As cedências temporárias foram objeto de acesos debates televisivos, em que na maior parte dos casos o atleta cedido não era selecionado ou não podia jogar por virtude de “lesão” contra o Clube cedente. Ao ser proibido jogar contra o Clube cedente, questiona-se: a verdade desportiva é prejudicada? Claro. O atleta ao não prestar os seus serviços frente ao Clube cedente compromete a mesma. É óbvio que um jogador não faz a equipa, mas o tempo de jogo que o atleta cedido tem, face ao seu suplente, pode comprometer a dinâmica do clube cessionário.

A meu ver, quanto às limitações respeitantes à quantidade de atletas que podem ser cedidos por determinado clube, participantes na mesma competição, poucas críticas podem ser endereçadas.

A exclusão destas limitações a Clubes que possuam equipas B face aos Clubes da Segunda Liga, confronta com o originário objetivo destas: a verdade desportiva. A razão de ser das cedências temporárias prende-se com a projeção e valorização de um atleta que não foi integrado na equipa principal da sua equipa, nem tão pouco na equipa B. Ou, se for o caso, no plantel sub-23. Embora as equipas B não possam subir da Segunda Liga para a Primeira, a descida de divisão para o Campeonato de Portugal é uma hipótese. Ou seja, caso um Clube que possua atletas cedidos defronte um Clube cedente com equipa B na iminência de descer de divisão, pergunta-se: não estará em causa a verdade desportiva?

Fonte: Dijon FCO

Ora, um outro problema grave do futebol profissional prende-se com a contratação a título definitivo de atletas que no mesmo período de inscrição são cedidos temporariamente a outros clubes. Em algumas situações, antes de serem encetadas negociações com o fim do atleta ser contratado a título definitivo, o Clube comprador não tem qualquer intenção de incluir o atleta no seu plantel principal. Por isso, e de modo a valorizá-lo, o atleta é cedido a outros emblemas de forma a que o seu valor de mercado suba e para que o Clube possa a vir receber quase a totalidade dos dividendos de uma futura transferência.

Se um Clube com poder financeiro contratar bastantes atletas com o intuito de cedê-los e depois receber os dividendos da promoção deles, tal impede os mais pequenos de poderem contratar e serem estes a receber os dividendos da promoção e valorização que o atleta a seu cargo obteve. Neste aspeto, basta tomar em consideração as declarações no final de época de Augusto Inácio, a propósito da quantidade de “emprestados” que contava no plantel do CD Aves.

O comité da FIFA irá analisar uma proposta de regulamentação de cedências temporárias em outubro, que visa a implementação de limitações quanto ao número de cedências temporárias internacionais. Pretende-se que os Clubes estejam limitados à cedência internacional de oito atletas, com idade igual ou superior a 22 anos, a partir da época 2020/2021.

Para além disso, a FIFA está a estudar a possibilidade de eliminar as cedências temporárias, sob a premissa de que os Clubes com maior poder financeiro aproveitem este instituto para promover e especular o valor dos atletas que não caibam no seu plantel profissional, para depois vendê-los. Os Clubes cessionários podem receber a sua quota-parte de uma transferência, através do mecanismo de solidariedade ou de treino, embora acabem por ser autênticas “barrigas de aluguer”.

A prioridade não deverá ser o estudo sobre a forma e as consequências que advirão da eliminação definitiva das cedências, mas sim a promulgação pela FIFA da proibição de um Clube ceder um atleta, tendo este sido contratado e cedido no mesmo período de transferências. No presente, apenas algumas federações nacionais, como a Inglesa, proíbem a contratação e a cedência de atletas no mesmo período de transferências, embora o âmbito de aplicação de tais regras circunscreve-se aos respetivos territórios.

É urgente tomar medidas contra os atos que usurpam o princípio base de uma cedência temporária. O instituto destes mecanismos foi totalmente usurpado, pelo que a FIFA e os diferentes stake holders devem pugnar pela reposição da verdade desportiva.

E você, leitor, acha que as cedências temporárias deverão ter o seu tempo contado?

Foto de Capa: Bola na Rede

Artigo revisto por Joana Mendes

 

 

 

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O Rodrigo tem 23 anos, é advogado e Pós-Graduado em Direito, Finanças e Justiça do Desporto pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.                                                                                                                                                 O Rodrigo escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

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