Entrelinhas do Desporto: O fair-play financeiro da UEFA

    A indústria do futebol não se mostrou indiferente ao desenvolvimento tecnológico das duas últimas décadas. Numa era em que a informação é difundida por diversas plataformas digitais, os atletas e os clubes são detentores de uma maior responsabilidade social e estão expostos a um mediatismo sem precedentes.

    Em correlação, o desporto-rei gera milhares de milhões de euros e é financeiramente atrativo a partir da perspetiva de diferentes investidores, de qualquer parte do mundo. Porém, apenas alguns clubes têm a atratividade e o estatuto a nível social e financeiro para lograr receitas, de forma consistente, que façam face às despesas, correntes ou extraordinárias e de, em conformidade, gerir as ambições desportivas.

    Face à discrepância, o comité executivo da UEFA aprovou o Club Licensing and Financial Fair Play Regulations (CLFFPR), em 2010, tendo sido estatuído um conjunto de obrigações financeiras e contabilísticas, estando os clubes europeus adstritos ao seu cumprimento. O financial fair play (FFP) visa o são estado financeiro dos clubes europeus que pretendam participar em competições organizadas pela UEFA, através de um processo de atribuição de licença, composto por requisitos desportivos, de infraestruturas, de pessoal, administrativo, legal e financeiro.

    Os clubes europeus, por forma a cumprir as obrigações de índole financeira e a participar nas competições organizadas pela UEFA, estão sujeitos ao escrutínio do Club Financial Control Body (CFCB), a partir de um requerimento a ser elaborado pelo clube interessado, que contém o resultado financeiro segundo as especificidades consagradas no anexo décimo do CLFFPR.

    Os resultados financeiros são avaliados segundo a regra do break-even: um ponto de equilíbrio entre receita e despesa, do clube interessado, no ano civil em que uma competição da UEFA tenha sido iniciada. Para efeitos de concessão da licença, a CFCB monitoriza um período de três anos, dos resultados financeiros de cada clube europeu.

    Ou seja, caso um clube europeu pretenda participar em competições organizadas pela UEFA, no ano de 2019, terá que apresentar os resultados financeiros, através do consagrado no anexo décimo, de 2018, 2017 e 2016. Em cada um destes períodos, o clube europeu não pode ter um prejuízo superior a €5.000.000,00.

    Ademais, os clubes europeus deverão demonstrar, por documento certificado, de que não possuem, até à data de 30 de junho do ano em que a competição da UEFA se iniciará, qualquer dívida a empregados, segurança social, administração tributária e a clubes (por força de transferências), em conformidade com o preceituado nos artigos 65º e 66º da CLFFPR.

    Fonte: sindeesmat

    Destarte, o clube europeu interessado, em participar em competições organizadas pela UEFA, não pode registar perdas superiores a €5.000.000,00, pese embora seja possível, através do dono ou de acionistas, injetar até €30.000.000,00, de modo a colmatar o défice.

    Ademais, se for aumentado o preço ou uma outra contribuição monetária proveniente de uma empresa, detida na totalidade ou em parte pelo dono do clube ou acionistas, por forma a perverter a execução do FFP, os órgãos competentes da UEFA investigarão e caso seja provada a tentativa de deturpação, será realizado o ajuste nos cálculos do resultado financeiro, relativamente às receitas provenientes de patrocinadores ou outros, para um valor adequado e proporcional aos preços de mercado.

    No cálculo do valor relevante para efeitos de break-even, o CLFFPR define, no artigo 58º nº1 e nº2 e no anexo décimo, o que pode ser considerado receita ou despesa:

    Receita – bilheteira, patrocínios e publicidade, direitos televisivos, atividades comerciais (catering, merchandising, entre outras), totalidade do preço recebido por transferência de direitos de registo sobre um ou mais atletas;

    Despesa – custo de vendas ou outros materiais, rendimentos de atletas, equipa técnica e diretores (salários, contribuições da segurança social, bónus, assistência médica, casas, carros ou outros bens e serviços), gastos com a compra de direitos de registo sobre um ou mais atletas, amortização de quantias devidas a título de prestações bancárias e respetivos juros, os lucros auferidos por sócios ou acionistas;

    Aquando da apreciação dos resultados financeiros, elaborado de acordo com o mencionado anexo décimo, não são valoradas as despesas de investimento nas camadas jovens, no desenvolvimento de atividades comunitárias e os custos de construções ou de melhorias de ativos tangíveis (estádio, centro de estágio, centro de treinos, sede social, entre outros). A razão de ser da isenção destes gastos reside na necessidade de promoção e de desenvolvimento duradouro e sustentável dos clubes europeus.

    Em caso de incumprimento com as regras do break-even, o investigador-chefe da CFCB apresenta um acordo, segundo o qual é facilitada a futura obediência àquelas regras, ou determina a aplicação de uma das seguintes sanções, ao abrigo do disposto no artigo 8º nº1 alínea a) do CLFFPR: aviso, repreensão, dedução de pontos em competições da UEFA, retenção de receitas provenientes de uma competição da UEFA, proibição de registo de novos atletas em competições da UEFA, a restrição de inscrições de jogadores em competições da UEFA e inclui um teto salarial para a equipa inscrita, desqualificação ou exclusão de competições da UEFA a decorrer ou a iniciar e por fim, a retirada de um título.

    Em conclusão, o FFP não tem por âmbito a resolução de um problema pré-existente, designadamente a redução da disparidade a nível competitivo e financeiro entre clubes europeus porquanto estes não têm nem produzem o mesmo valor social, financeiro e competitivo. O FFP pretende, sim, encorajar os clubes europeus a adotarem políticas financeiras de crescimento sustentável e de controlo de endividamento.

    Embora, num futuro próximo, a UEFA haverá que procurar criar instrumentos legais que alavanquem a equidade entre clubes europeus pois no atual estado de inflação do mercado de transferências, nem todos os clubes europeus têm a possibilidade de cumprir os pressupostos do break-even nem de controlar o seu endividamento. Neste paradigma, a UEFA deveria debruçar-se e incitar, através de um normativo, a redistribuição da riqueza a partir das Associações ou Federações, por forma a criar uma maior equidade entre os clubes europeus e consequentemente, aumentar os índices competitivos em todas as competições nacionais e as que são organizadas pela UEFA, nomeadamente a Champions League.

    Foto de Capa: UEFA

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    Rodrigo Batista
    Rodrigo Batistahttp://www.bolanarede.pt
    O Rodrigo tem 23 anos, é advogado e Pós-Graduado em Direito, Finanças e Justiça do Desporto pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.                                                                                                                                                 O Rodrigo escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.