Força da Tática: Como Nagelsmann derrotou Mourinho (Parte 1)

    Hoje vamos recuar umas semanas no tempo! Tempo esse onde ainda havia futebol, onde havia pessoas no estádio, onde havia ambientes fantásticos, onde havia grandes equipas de um lado e do outro, onde havia Champions League!

    Poderia estar aqui a falar das saudades que tenho de ver um jogo de futebol ao vivo, do pré e pós-jogo, da magia dentro de campo, mas não é esse o meu propósito. Hoje quero-vos fazer recordar a primeira mão do jogo entre Tottenham Hotspur FC e RB Leipzig. De um lado um treinador português, José Mourinho, e do outro o jovem alemão que tem encantado o mundo, falo, claro, de Julian Nagelsmann. Não seria difícil perspetivar uma eliminatória entusiasmante e digna de acompanhar.

    Como sabem, o Leipzig acabou por vencer a eliminatória, com um 0-1 fora e um 3-0 em casa, e assim eliminar o vice-campeão europeu Tottenham Hotspur.

    Este artigo vai ser dividido em três partes. Na primeira e segunda parte vou focar-me nas dinâmicas do Leipzig em momento ofensivo; na terceira irei destacar dinâmicas em momento defensivo

    Vamos para a análise!

    O primeiro jogo realizou-se no Tottenham Hotspur Stadium. A equipa da casa apresentava-se com um sistema tático de 4-4-2 e, por sua vez, o Leipzig apresentava um híbrido e mutável sistema de 5-2-3.

    Onzes iniciais e movimentos mais frequentes

    Dinâmicas em Momento Ofensivo

    O Leipzig iniciava a construção com os três defesas centrais (Klostermann, Ampadu e Halstenberg), com Halstenberg e Klostermann abertos e Ampadu posicionado em terreno central. O Tottenham colocava dois jogadores na primeira linha de pressão, algo que não condicionava a saída de bola da equipa alemã, não só pela inferioridade numérica (4X2, contando com guarda-redes), como pela intencional pressão passiva da equipa inglesa. Os 3 centrais têm excelente saída de bola, pela capacidade técnico-tática que possuem e pela aptidão, principalmente de Halstenberg e Klostermann, de progredirem com bola, atraíndo adversários e desequilibrando na fase de construção de jogo.

    Esta aptidão está relacionada com o facto de ambos terem como posição de origem defesa lateral esquerdo e defesa lateral direito, respetivamente. Já Ampadu (durante a carreira já utilizado na posição de médio defensivo) revela muita qualidade em momentos de verticalizar o jogo, pela excelente relação com bola e perceção do jogo. A circulação entre centrais para início de construção era paciente, sempre à espera do momento certo para progredir ou executar passe vertical.

    Tinham duas alternativas preferenciais para sair: a primeira era por Ampadu, quando os dois elementos da primeira linha de pressão (Lucas Moura e Dele Alli) se encontravam mais espaçados, Ampadu conseguia progredir e executar passe vertical para espaço entre linhas ou passe longo a explorar a profundidade e amplitude de laterais ou avançados; a outra alternativa passava por Klostermann e Halstenberg progredirem com bola e atraírem o ala da equipa inglesa, abrindo espaço para lateral, avançado e médio do Leipzig combinarem.

    Ao longo do jogo, foram os defesas-centrais os jogadores que mais passes efetuaram, destacando-se Ampadu com um total de 94 passes e uma percentagem de acerto de 95%.

    O guarda-redes, Gulácsi, tinha um papel muito importante na construção pela sua capacidade de jogar curto e longo com grande qualidade.

    É uma equipa que apresenta segurança e confiança para lidar com a pressão. Normalmente, atraíam o adversário para pressionar alto e depois conseguiam criar espaço em zonas interiores para verticalizar e acelerar já em zonas de criação.

    Superioridade numérica em construção 4×2 | Atração da equipa adversária | Passe vertical a superar linha avançada e linha média do Tottenham

    O posicionamento dos médios centros, Sabitzer e Laimer, determinava o progresso da circulação de bola. Apesar de na maior parte do tempo não serem jogadores com grande participação na construção de jogo da equipa, posicionavam-se entre a primeira linha de pressão e a linha média, sempre em espaço central.

    Este posicionamento permitia aos médios, não só ter espaço para combinar com os avançados e com os laterais subidos no corredor (servindo como terceiro homem para combinação), como também abrir espaço para os centrais terem mais soluções para executar passe ou para progredirem. Os médios centros tinham muito mais um papel de terceiro homem em construção.

    Em zonas de criação, os médios tinham a capacidade de criar, de manter o equilíbrio defensivo e de aparecer em zonas de finalização. Normalmente, Sabitzer era o médio que tinha mais liberdade para atacar. Nesse caso, Laimer ficaria mais recuado, preparando uma possível transição defensiva.

    O posicionamento do médio centro permite ao defesa central múltiplas soluções na definição da jogada

    Em construção de jogo, os laterais alinhavam-se com os médios, formando um sistema de 3-4-3. Quando a bola entrava em zonas de criação, os laterais subiam e formavam uma linha horizontal com os três homens da frente – sistema tático de 3-2-5.

    Estes tinham um papel sempre muito ofensivo. Mukiele surgia sempre junto ao corredor. Por sua vez, Angelino podia, também, jogar em espaço interior, oferecendo o corredor a Werner. Tinham grande rotatividade e intensidade no ataque ao espaço, desequilibrando sucessivas vezes. Com liberdade quase total para atacar, apareciam muitas vezes em zonas de finalização.

    Troca posicional entre Angelino e Werner                                                                                        Fonte: SRF

    Normalmente, os avançados (Werner, Schick e Nkunku) posicionavam-se entre linhas, nunca se dando à marcação. Schick era o que se aproximava mais da linha defensiva, oferecendo movimentos em apoio frontal para combinação ou explorando a profundidade nas costas dos centrais. Nkunku e Werner movimentavam-se tanto para ser solução em criação, recuando até à linha dos médios e oferecendo mais soluções, como para receber no espaço entre-linhas, ou ainda, juntando-se aos corredores para criar superioridade numérica nesse espaço.

    O posicionamento no espaço central dos avançados proporcionava muitas vezes uma superioridade numérica de 5 para 4 no meio-campo, pelos dois médios centros e os três avançados contra a linha de quatro médios do Tottenham. Para controlar esta superioridade numérica no meio-campo e as movimentações em apoio ou no espaço dos avançados, os elementos da linha média e defensiva do Tottenham encurtavam os espaços entre si, tanto verticalmente como horizontalmente, abrindo, consequentemente, espaço nos corredores laterais.

    Assim, Angelino e Mukiele ficavam com espaço nos corredores a seu dispor. No vídeo anterior, é possível ver esta atração do adversário no espaço central para libertar os alas nos corredores.

    Com a equipa do Tottenham tão compacta, o Leipzig apostou na procura da profundidade e amplitude nos corredores de forma a ferir o adversário. A movimentação de Werner para o corredor, de forma a forçar o duelo individual com lateral adversário, foi também várias vezes facultado durante o jogo. Enquanto isso, Nkunku posicionava-se em espaço interior, como um terceiro médio, ou dava apoio ao lateral Mukiele em espaço exterior.

    Esta diversidade de movimentos dos avançados tinha o objetivo de criação de espaço, para que a equipa pudesse acelerar e atacar esse espaço criado.

    A superioridade numérica no meio-campo permitiu ao Leipzig tomar conta do jogo durante toda a primeira parte. Os posicionamentos da equipa alemã obrigavam o Tottenham a defender de forma coesa, compacta e com linhas muito próximas.

    O posicionamento de Timo Werner foi uma das maiores preocupações do Tottenham durante a partida. Werner é um jogador altamente inteligente e com uma capacidade física e técnica acima da média. Além de se posicionar entre linhas, podia movimentar-se na profundidade como “9” quando Schick realizasse movimentos em apoio (imagem em baixo), podia movimentar-se em profundidade e em largura junto ao corredor, ou poderia realizar trocas posicionais com os laterais (principalmente com Angelino).

    Neste último caso, o lateral funcionaria como lateral invertido e posicionava-se em terrenos interiores. Este comportamento é, por exemplo, muito comum nas equipas de Guardiola.

    Apesar do jogo maioritariamente de posse no primeiro tempo, o Leipzig nem por isso deixava de usufruir de saídas rápidas para o ataque. Com um estilo de jogo bastante vertical, a equipa alemã tem uma capacidade de definição em velocidade muito acima da média. Vejam no vídeo seguinte, o pouquíssimo intervalo de tempo entre a recuperação de bola e o aparecimento em zonas de finalização.

    Até ao golo, a equipa do Leipzig dominou o Tottenham a seu belo prazer. O golo mais que justificado apareceu no início da segunda parte. A jogada do penálti, que originará o golo, é um exemplo da pressão passiva do Tottenham. Mais do que passiva é pacífica, dada a falta de intensidade ao portador da bola e no fechar de linhas de passe do Leipzig. Além disso, existe uma distração que origina uma superioridade numérica em zonas de finalização de 3 para 1, junto ao lateral esquerdo da equipa inglesa. Neste caso, o ala esquerdo do Tottenham (Dele Alli), deveria descer no terreno e ajudar o lateral, mas faz precisamente o contrário.

    Fonte: SkySport

    A partir do golo, os comportamentos de ambas as equipas alteraram-se. O Tottenham pressionava mais em cima, dando oportunidade ao Leipzig para sair em ataque rápido. A equipa inglesa defendia através de encaixes individuais, no entanto vários aspetos corriam menos bem. Primeiramente, é de destacar o papel do guarda-redes e o seu conforto no jogo de pés. Gulácsi é dos melhores do mundo a compreender timings de passe e na execução dos mesmos.

    Depois, e focando-me nos problemas defensivos do Tottenham, o espaço que davam entre a linha média e a linha defensiva era demasiado para jogadores habituados a executar em velocidades elevadas e em intervalos de tempo muito curtos. Depois, a falta de perceção do espaço e dos posicionamentos de alguns jogadores da equipa inglesa (neste caso Aurier e Gedson). Assim, pela capacidade de construção de jogo e superação da primeira linha de pressão, o Leipzig acelerava em espaço entre-linhas e chegava a zonas de finalização muito rapidamente.

    Artigo revisto por Joana Mendes

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Diogo Coelho
    Diogo Coelhohttp://www.bolanarede.pt
    Natural de Rio Maior. Adepto do bom futebol desde que se lembra. Gosta de dedicar o seu tempo à análise de jogo e dos seus intervenientes. Admirador do estilo de jogo de Guardiola e partilha da ideia que no futebol destacam-se aqueles que mostram mais inteligência.                                                                                                                                                 O Diogo escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.