Força da Tática | As vantagens estruturais e individuais do Sporting e as caras da esperança do Benfica

    O Sporting venceu e fez por vencer o Benfica na Taça de Portugal. Os leões dominaram a partida – tal como já o haviam feito na Luz –, mas desta vez saíram a sorrir. Ainda assim, e também à semelhança do encontro na casa das águias, a reação do Benfica chegou com o nome de Ángel Di María e em forma de relâmpago. Dois ataques bastaram para ferir os leões que, sendo superiores, partem para a segunda mão com uma vantagem mais magra na eliminatória do que os primeiros 60 minutos faziam prever.

    As vantagens estruturais do Sporting

    A este ponto da temporada não há, propriamente, nada de novo na maioria das equipas. Há ajustes a serem feitos e pequenas nuances que podem ser tomadas, mas o sistema tático de Sporting e Benfica são perfeitamente reconhecidos. Mesmo o ataque móvel dos encarnados era expectável e já havia sido testado diante do Portimonense.

    Por estas razões, é ainda mais surpreendente ver a inação e incapacidade demonstradas por Roger Schmidt em precaver-se e fazer ajustes táticos conforme o adversário. À semelhança do Vitória SC ou do Toulouse, num recorte recente, o Sporting também joga com três defesas atrás. São notórias e evidentes as limitações dos encarnados em defender equipas com tais características.

    O 3-4-2-1 permite apresentar vantagens estruturais em todos os setores quando comparado ao 4-4-2. Aliás, a comparação entre os dois sistemas é a primeira que se faz quando se quer explicar este conceito. De forma resumida e simplificada, os três centrais têm vantagem numérica perante os dois avançados, os dois médios, quando suportados pelos dois extremos que jogam por dentro, formam um quadrado que ladeia e engole os médios adversários e, quando a equipa está instalada no último terço, tem vantagem na última linha num 5×4 (dois alas, dois extremos e ponta de lança a fixar a linha defensiva). Tais características obrigam a ajustes para evitar constantes desvantagens numéricas, algo que Roger Schmidt tem desvalorizado.

    O primeiro golo do Sporting é cópia feita a papel químico de vários dos golos sofridos pelo Benfica na temporada. A defesa do segundo poste tem sido constantemente mal acautelada pelos encarnados e o problema, mais do que individual – por preguiça ou despreocupação do momento defensivo dos extremos – é coletivo. Não há um padrão encarnado em situações de cruzamento que procurem o poste mais distante, o que leva a constantes entradas de rompante de alas, extremos ou mesmo médios sem oposição. Pedro Gonçalves e Matheus Reis, no lance do primeiro golo do Sporting, apareceram nas costas de Alexander Bah e o desequilíbrio estava criado. Não deixa de ser curioso o posicionamento de Ángel Di María. Num primeiro momento procura cortar a linha de passe para Pedro Gonçalves, posicionado para receber um cruzamento atrasado, mas depois perde a sequência da jogada e fica a marcar uma zona de ninguém.

    É também sintomática a forma como o Sporting, jogo após jogo contra o Benfica, consegue ludibriar marcações, arrastar jogadores para fora da posição e abrir crateras atrás. A equipa de Rúben Amorim procura atrair os adversários para criar – e atacar – espaços e o trabalho dos extremos do Sporting foi fundamental para Gyokeres ter condições para acelerar. À esquerda Pedro Gonçalves atraía Bah e deixava o corredor livre para o sueco atacar em movimentos de dentro para fora. À direita, era Otamendi quem saltava na pressão a Marcus Edwards e criava espaço para Gyokeres romper sem receber a bola.

    A estratégia do Sporting estava definida desde o início e a escolha do onze já a permitia antecipar. Depois de alguma reticência inicial em jogar com dois alas com perfil mais ofensivo em simultâneo (Nuno Santos e Geny Catamo), Rúben Amorim deu a mão à palmatória e cedeu. Contra o Benfica, até pela presença de Ángel Di María à direita, Matheus Reis entrou no onze no lado esquerdo e Geny Catamo permaneceu à direita com um posicionamento mais aberto e profundo que o habitual. Quando Marcus Edwards recuava no terreno, Fredrik Aursnes tinha de vigiar o moçambicano que, encostado à linha, era ameaça direta. O Sporting condicionava o norueguês, obrigava o central argentino a avançar no terreno e libertava rapidamente a bola para Geny Catamo que recebia com condições para encarar o adversário no 1X1. Mais importante que fazer a bola chegar ao jogador, é fazê-lo de forma a criar vantagens. E com António Silva preocupado com Viktor Gyokeres e Otamendi fora da jogada, não havia cobertura próxima a Aursnes.

    Os rostos da superioridade do Sporting em todo o campo

    Durante sensivelmente 60 minutos o Sporting foi muito superior ao Benfica, com e sem bola. Além da capacidade em ter bola, os leões destacaram-se pela inteligência e voluntarismo no momento defensivo. Além dos três centrais – o Sporting tem cinco titulares para três posições, quando todos estão bem fisicamente – o poderio dos leões explica-se pela dupla do meio-campo.

    Não há em Portugal nenhum duo tão oleado como Morten Hjulmand e Hidemasa Morita. Nem sequer os Anjos. O dinamarquês e o japonês não são protagonistas claros e declarados do jogo, mas raramente estão no sítio errado ou tomam a decisão errada. Contam-se pelos dedos as falhas dos médios do Sporting. Com bola têm perfis complementares e sem bola qualidade no posicionamento. Morten Hjulmand é um pêndulo na construção dos leões, varia entre a construção mais curta e mais longa e aparece de forma constante para ser opção de passe. Hidemasa Morita procura o lado cego ou desprotegido para receber, rodar e definir. É um médio mais móvel, com outra capacidade de condução e de aparecer de trás para a frente. Desequilibra individualmente. Sem bola, e mantendo os perfis de médio mais posicional e médio a saltar na pressão, dominam o meio-campo, ajustam os posicionamentos e controlam o espaço nas costas. Absolutamente superlativos. No parâmetro da importância no jogo do Sporting pode juntar-se Pedro Gonçalves à análise. Já não há desculpas para manter os rótulos de pirilampo ou de eterno cansado. Oferece-se constantemente no momento defensivo e com bola é um definidor de excelência com uma qualidade técnica no drible pouco elogiada.

    Pedro Gonçalves Matheus Reis Sporting x Benfica
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    O conforto do Sporting contrastou com a dificuldade do Benfica em criar situações de desequilíbrio e em incomodar os leões. Além da desvantagem estrutural, os lances do Benfica foram, em muitos momentos, inconsequentes. Quando os encarnados tinham bola os passes pareciam feitos em esforço, com a bola a queimar. Sem bola, foram várias as vezes em que os pupilos de Roger Schmidt chegavam um segundo atrasados e faziam o dominó cair. Aos 44’ uma tentativa de corte de bicicleta de Otamendi retratou de forma perfeita o desconforto das águias no jogo.

    A dificuldade na definição das zonas de pressão aumentou a pressão sobre o setor defensivo do Benfica. Os encarnados procuravam subir o bloco e defendiam em 4-4-2 com Orkun Kokçu a juntar-se a Rafa no condicionamento aos centrais. Quando o turco fazia o pressing, o Benfica subia a linha e procurava instalar a pressão no meio-campo adversário, mas a descoordenação e as subidas a ritmos diferentes permitiram ao Sporting aproveitar os espaços deixados na teia encarnada. Quando o turco não se juntava a Rafa, o Benfica procurava baixar o bloco (a linha defensiva posicionada a meio terreno entre o meio-campo e a linha da grande área) e controlar os espaços mais próximo de um 4-5-1 com Kokçu na linha dos médios. A basculação não foi perfeita e o Sporting também encontrou espaços para entrar por fora e por dentro.

    Quase sempre que o Sporting entrou por Viktor Gyokeres, o Benfica conseguiu controlar. António Silva fez uma exibição praticamente irrepreensível nos duelos com o sueco e foi o principal responsável pela partida apagada do avançado. Resistiu à vontade de ir à queima, fez a contenção ao sueco e cortou-lhe o espaço para acelerar e conseguiu sempre reagir às mudanças de direção e de velocidade de Viktor Gyokeres. Exibição de manual do jovem central do Benfica, completamente contrastante à do companheiro de setor. Não é a primeira vez que Nicolás Otamendi tem abordagens como a que gerou o segundo golo do Sporting. Vai à queima, é facilmente superado pelo adversário e Viktor Gyokeres até parece ter aproveitado o corpo do argentino para se direcionar para a baliza e aproveitar o brinde.

    As caras da esperança do Benfica

    A reação do Benfica tem um nome: Ángel Di María. Já é habitual ver o argentino decidir jogos que não lhe estavam a correr particularmente bem. Não precisa de estar ligado à corrente elétrica para tirar um ou dois lances do chapéu. Do ponto de vista estético, não deixa de ser uma pena ter visto dois golos tão bonitos – um para cada lado – serem anulados. Deu uma nova vida ao Benfica com um cruzamento teleguiado e um lance individual só ao alcance dos diferenciados. Só Ángel Di María explica o porquê de Ángel Di María continuar como titular no Benfica mesmo em jogos mais apagados.

    Ainda assim, o aparecimento do campeão do mundo em jogo tem uma explicação para além da qualidade individual do jogador. A entrada de Casper Tengstedt aliada ao balanceamento encarnado no momento ofensivo deram outra face ao ataque encarnado que beneficiou da presença no dinamarquês como referência. O ataque móvel do Benfica não tem grande substância tática para ser utilizado. Neste ponto parece mais uma tentativa de Roger Schmidt conjugar os jogadores em quem mais confia no onze do que uma mudança com propósito. Não é por juntar jogadores rápidos no ataque que os encarnados se tornam mais eficazes no ataque à profundidade. Ao longo do jogo, e antes da entrada do avançado, nunca houve qualquer contramovimento nos momentos em que Rafa procurou ser opção em apoio. Sem esta imprevisibilidade, nunca a defesa do Sporting foi ameaçada e esteve constantemente confortável na ocupação dos espaços. Sem ser o jogador mais dotado do ponto de vista técnico, a agressividade nas ruturas e nos movimentos de Casper Tengstedt permite agitar o ataque encarnado. Continua a ser estranho ver três pontas de lança com características tão diferentes no banco em simultâneo.

    A entrada de Tengstedt mudou também o posicionamento das peças do Benfica. João Mário está em maior evidência no duplo pivô do meio-campo (muitas vezes como primeiro médio). Consegue gerir de melhor maneira os ritmos e tempos do jogo e oferece outra segurança no passe. Orkun Kokçu ainda está a habituar-se a jogar como 10 (é um jogador que se destaca principalmente quando vê o jogo de frente, mais como terceiro médio do que no espaço entrelinhas), mas quando acionado em situações favoráveis tem impacto. Com o regresso de Rafa a esta posição, foi desviado para o corredor esquerdo o que, aliado ao posicionamento mais livre de Ángel Di María, permitiu ao Benfica sobrepovoar este lado do terreno. Orkun Kokçu, Ángel Di María e João Mário aproximavam-se pela esquerda, criavam vantagens numéricas neste setor do terreno e faziam o Benfica progredir através de combinações curtas. A necessidade de marcar levou as águias a soltarem-se e a concentração de talento resolveu problemas que o coletivo foi incapaz de solucionar.

    Sporting x Benfica
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    Não há dúvidas de que o resultado – mesmo uma derrota por 2-1 – sorri mais ao Benfica que ao Sporting. Os encarnados jogam com o fator casa e mantêm o jogo em aberto, apesar de terem sido inferiores nos primeiros 90 minutos. A Taça de Portugal e os jogos que valem eliminação têm um quê de caráter épico que permite antecipar mais uma batalha tática, qualitativa e mental dentro de um mês. Até lá, o Sporting de Rúben Amorim poderá exibir o distintivo de último vencedor do dérbi de Lisboa.

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