Jogo Interior #2 – A Operacionalização da Mentalidade: A Influência do Treinador

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    Sempre me interessou esta questão da mentalidade, quer no desporto, nomeadamente no futebol, quer na dimensão profissional das nossas vidas. Desde os meus tempos de jogador que ouço muita gente a falar em mentalidade como se fosse algo de que o sucesso de uma equipa dependesse. E é…

    Antes de mais devo deixar algum suporte para o que vou apresentar a seguir. Considerando que a mentalidade é um conceito filosófico que traduz um estado de espírito, mais ou menos permanente, ou até transitório, no qual um grupo ou um indivíduo expressam o seu modo de pensar e/ou sentir numa dada situação, através de determinadas acções ou reacções, então a mentalidade é um gestor de comportamento individual ou colectivo, sendo que a soma dos comportamentos individuais dá origem a um padrão de comportamento colectivo.

    Indo ao cerne da questão, a mentalidade é um dos fios condutores do sucesso de uma equipa. Dependendo da mentalidade do conjunto dos jogadores, a equipa terá mais ou menos sucesso na concretização do objectivo do jogo, o golo e/ou o objectivo final, mais um golo marcado do que o adversário. Surgem-me entretanto algumas questões. A mentalidade colectiva de uma equipa do topo da tabela será diferente da mentalidade colectiva de uma equipa do fundo da tabela? A mentalidade de um avançado será diferente da mentalidade de um defesa ou de um guarda-redes? A mentalidade do Talisca será diferente da mentalidade do Jackson Martinez? A mentalidade do Sérgio Conceição será diferente da mentalidade do Marco Silva? É muito relativo e, na minha perspectiva, depende muito do ambiente, do contexto e da motivação.

    Ouvimos falar (e até podemos observá-lo) que o Cristiano Ronaldo é muito forte mentalmente. O que é que isso significa? Que ele expressa a sua mentalidade através de acções que traduzem persistência, paciência, resiliência, capacidade de luta, um foco muito grande nos seus processos e acções, e coragem para vencer muito superior ao medo de perder, entre outras coisas. Quem diz o Cristiano, diz também o Messi, o Neuer, o Robben, etc. É a mentalidade que separa os vencedores dos outros. A mentalidade permite que todos estes jogadores, que são de topo, mantenham consistência e constância na sua actividade.

    Ronaldo e Messi, dois exemplos de mentalidade  Fonte: telegraph.co.uk
    Ronaldo e Messi mostram como é necessário ter a mentalidade certa para permanecer no topo
    Fonte: telegraph.co.uk

    Passando àquilo a que eu chamo “Operacionalização da Mentalidade”, considero que os atletas que são dotados com uma mentalidade forte têm um padrão de comportamento próprio, pouco influenciado pelos treinadores que tiveram ou têm. Nas equipas do fundo da tabela, por esses campeonatos fora, existem muitos jogadores que têm uma mentalidade forte. O sucesso, ou falta dele, tem mais a ver com os padrões de comportamento colectivo, no qual o treinador tem influência, através da sua liderança, da sua comunicação e relação, das dinâmicas que cria nos seus processos, do que propriamente com os padrões de comportamento individual. É possível “operacionalizar” a mentalidade, tal como se operacionaliza os momentos do jogo, o modelo de jogo, as transições ou a posse de bola, no treino? Pode o treinador ter influência ou conseguir que um jogador seu mude a sua mentalidade transitoriamente ou até permanentemente? Isto é, existirá alguma possibilidade de um atleta modificar os padrões de comportamento individuais através de uma mudança do seu pensamento ou sentimento e com isso implementar acções ou reacções alinhadas com os pressupostos de um padrão mais enérgico, positivo, motivado, orientado para o sucesso e 100% alinhado com a mentalidade do seu treinador?

    Em alguns momentos e acções o treinador consegue influenciar os padrões de comportamento e ter interferência na mentalidade da equipa mas nunca na mentalidade individual dos jogadores. Algumas partes da motivação do jogador é que alimentam a sua mentalidade e a principal motivação deste é, numa grande escala, intrínseca. É gerada no jogador e não através do “chicote e da cenoura”, as recompensas tradicionais. A liderança exemplar do treinador e a comunicação assertiva, entusiasta e dinâmica conseguem por vezes gerar esta motivação e inspirar mudança mas a responsabilidade do jogador é total.

    Pelas características técnicas, físicas e psicológicas individuais dos jogadores, existem alguns com maior mentalidade ofensiva, outros com maior mentalidade defensiva. Poderemos considerar estes tipos de mentalidade como subcategorias mas a mentalidade é só uma e é complexa.

    Por todos estes factores, e mais alguns, é que o futebol é tão belo e complexo. A linha que separa a emoção da razão é tão ténue que quase não se vislumbra. O papel do treinador é tão fundamental quanto difícil e árduo. Muito do seu trabalho é intuitivo e até a sua própria mentalidade pode ser contagiante, seja ela fraca ou forte. Pensando num treinador que tenha a personalidade forte e/ou bastante atitude, existe uma enorme probabilidade de este ter também uma mentalidade forte e seja extra-motivado, mas isto não significa que tenha superpoderes, como muitos julgam. Apesar de tudo, um treinador, mesmo inserido num ambiente complexo, é simplesmente humano e só poderá influenciar quem quer que seja se este último quiser.

    Foto de Capa: Flickr (CFCUnofficial)

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    Alcino Rodrigues
    Alcino Rodrigueshttp://www.bolanarede.pt
    Já foi jogador mas há uns tempos passou para o outro lado e ajuda os treinadores com as coisas que escreve. Adora desporto e todas as componentes do jogo interior, ou treino mental. O seu foco são os processos e adora estudar as dinâmicas do trabalho em equipa. Coloquem muita malta a trabalhar junta e ele descortina todas as suas nuances. Já teve filhos, plantou árvores e ultimamente lançou um livro. Parece que está safo…                                                                                                                                                 O Alcino não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.