O Passado Também Chuta: A força da lenda dos dérbis

    o passado tambem chuta

    A rivalidade nasce no querer e da falta de querer. Aparece quase sempre depois de uma quezília; de um abuso ou de uma traição. Os dois grandes clubes de Lisboa entrincheiram-se na disputa aguerrida, não sem falta de aversão mútua, no princípio do século XX: o Sporting levou oito jogadores ao então Sport Lisboa. A resposta não se fez esperar. O Sport Lisboa uniu-se, precaveu-se pela aliança e pela fusão com o Sport Benfica. A força equilibrou-se. E o desejo de derrotar o contrário como se fosse o mais importante na vida dos respetivos adeptos robusteceu. Ao longo das épocas foram acontecendo jogos que enchiam de orgulho ou tristeza os jogadores e os adeptos de ambos os clubes.

    Em 1952 o Estádio do Jamor encheu-se. Deu-se a melhor bilheteira de sempre; 683 mil escudos. Cada um dos clubes arrecadou duzentos contos. Jogava-se a Final da Taça de Portugal e, no dizer do herói dessa tarde, foi a melhor final de Taça de sempre. Rogério Pipi, como lhe chamavam pela sua elegância, fez um hino. Marcou três golos e o último no momento em que o árbitro se preparava para o apito final. José Águas abriu o jogo e lançou o Rogério, que fugiu velozmente de dois adversários, e no segundo em que entrava na área desferiu um chuto que congelou as almas sportinguistas. O Benfica remontou várias vezes o Sporting e o jogo acabou com um resultado espetacular: 5-4.

    O Sporting vinha de uma situação vencedora. Havia ganho o Campeonato, e a sua equipa era formada por alguns violinos, como o mítico Travassos e o extraordinário Albano, e entres os novos estava o grande Carlos Gomes e o Juca. No Benfica alinhavam jogadores como Félix, Francisco Ferreira, Arsénio, José Águas e o mítico Rogério. Quando era menino e moço o meu pai, que era sportinguista, falava-me com admiração dessa final da Taça. Foi um jogo que ficou para a lenda dos dérbis e um jogador, tal como o Travassos, que colecionou golos nos dérbis que possivelmente ainda não tenham sido batidos. Rogério relatava esse jogo apontando que tanto o Sporting como o Benfica seriam bons vencedores, e apontava que um tempo depois de acabar o jogo encontrou o Carlos Gomes ainda choroso. Humildemente, o Rogério assinalou as grandes qualidades desse guarda-redes imortal e disse: “Nesse dia teve azar”.

    Rogério Pipi, uma lenda dos dérbis Fonte: Globoesporte
    Rogério Pipi, uma lenda dos dérbis
    Fonte: Globoesporte

    Euforias e tristezas são os pólos eternos dos dérbis, como os dos anos 60, quando o Benfica do Eusébio, do Simões e de um largo etc. de craques recebeu o Sporting no Estádio da Luz. Os grandes dérbis e os eternos rivais sempre foram os jogos dos dois grandes de Lisboa. No Sporting afiançara-se como avançado-centro um jovem chamado Lourenço. Figueiredo, outro avançado-centro, mas de características diferentes, convivia com Lourenço no ataque sportinguista. Lourenço, rememorando aquele jogo, disse que o Benfica era temível no seu campo. A baliza benfiquista era ocupada por um guarda-redes elástico vindo das camadas inferiores chamado Melo. O Lourenço, numa exibição goleadora demolidora, marcou-lhe quatro golos. O Benfica saiu do campo arrasado e o Sporting saiu elevado daquela vitória de coturno e com um santo na sua equipa. No dia seguinte os jornais tratavam São Lourenço como o grande mago daquela vitória em campo contrário. Este cognome jamais abandonaria este excelente avançado, que só não brilhou mais a nível de seleções porque no Benfica jogava um quinteto diabólico. Este santo do futebol marcou um golo que ainda hoje é recordado pelos sportinguistas; perto do fim da primeira parte, com o jogo empatado, chegou-lhe uma bola, meio caída do céu, vinda da defesa. Lourenço levantou a cabeça e chamou pela sua excelente técnica.

    Lourenço marcou a história do Sporting CP Fonte: Canal Sporting
    Lourenço marcou a história do Sporting CP
    Fonte: Canal Sporting

    Viu o Melo adiantado e puxou de um toque suave e delicado em forma de chapéu que congelou o Inferno da Luz. O 17 de Outubro de 1965, na sexta jornada, foi o dia do milagre de São Lourenço. O Sporting, nesse dérbi, não alargou mais a conta devido ao individualismo do excelente extremo-esquerdo sportinguista Oliveira Duarte; goraram-se muitas jogadas de ataque. O Benfica marcou dois golos apontados pelo Eusébio e pelo José Torres. O resultado foi 4-2. O Lourenço relatou aquela euforia e disse: “Fomos fortes demais para eles nesta bela tarde de futebol”. Os dérbis deveriam ser sempre isso: belas tardes de futebol.

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    José Luís Montero
    José Luís Montero
    Poeta de profissão, José simpatiza com o Oriental e com o Sangalhos.                                                                                                                                                 O José não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.