Bella Gutman não era único; simplesmente era sublime. Tinha o costume de ser campeão e transformar o futebol numa festa. O golo aparecia porque as suas equipas não jogavam para reter; jogavam para atacar. “Marquem três golos e depois já se verá…”, frase que determina uma filosofia e fotografa a sua visão do futebol. Na sua época emergiram grandes treinadores; só temos de recordar Helénio Herrera ou Matt Busby – todos inovaram e criaram equipas que fizeram época, mas só Gutman venceu por onde passou. A Holanda rendeu-se. Treinou em Itália; treinou o Milão e ganhou. Treinou no Brasil e venceu. Treinou no Uruguai e foi campeão. Treinou na Hungria e é escusado dizer o resultado; treinou o FC do Porto e foi campeão nacional. Orientou o Sport Lisboa e Benfica e transformou o clube para sempre.
Deixando a lenda de parte e a sua parte anedótica, o dito de Bella Gutman, quando afirma que o Benfica jamais conquistaria a Europa, tem mais de lógica do que de adivinhação. Era uma equipa jovem e portanto ainda em formação, apesar de arrasar na Europa. Sabia o que queria e sabia ver e captar jogadores. Com ele entraram de rompante na primeira equipa craques como o mítico Simões e também um dos melhores defesas-esquerdos de sempre do Benfica: Fernando Cruz. O Benfica tinha uma excelente escola e aproveitou-a. Não é um treinador vulgar que mete na equipa dois, praticamente, juniores. Conhecia a equipa e a sua idade. O Mário João e o José Augusto rondavam os vinte e três anos. O Coluna e o Cavém não ultrapassavam muito essa idade; tinha apenas quatro veteranos: Costa Pereira, Germano, Ângelo e José Águas. Eusébio chega ao Benfica depois da supervisão realizada por um homem da sua confiança. É escusado dizer que o grande Eusébio estava na casa dos dezoitos anos. Estamos no mundo das estatísticas, por isso gostaria de saber se alguma equipa tão pouco veterana triunfou na Europa como triunfou o Benfica. Se existe uma equipa similar neste aspeto, chama-se Ajax.
Mas, fundamentalmente, Bella Gutman era espetáculo. Os seus extremos brilhavam mais além da sua qualidade porque, quer pela velocidade quer pela finta, praticava um futebol de vertigem onde os goleadores eram a síntese orgástica. A bola só era tocada com pausa quando um senhor chamado Germano iniciava a jogada. No entanto, pode-se dizer que o treinador e a idiossincrasia do Benfica formaram um matrimónio perfeito. Por onde passavam, a aura de mística ficava cimentada. Possivelmente, só o Peñrol do Uruguai encaixou também no Ser de Bella Gutman.
Hoje fala-se de José Mourinho como um triunfador, inovador e portador do dom da mística; no entanto, comparado com Bella Gutman, está aquém tanto na variedade de campeonatos que experimentou como na natureza destes campeonatos tão diferentes. Na década de 1950 saltar da Holanda para a Itália; da Itália para o Uruguai; de Uruguai para o Brasil e do Brasil para o Porto não era tão fácil e não existiam as novas tecnologias. Mas com isto não pretendo desvalorizar José Mourinho, antes pelo contrário; Mourinho acaba de meter o seu Chelsea na ronda da semifinal tendo como elementos criativos três jogadores jovens. Bella Gutman não admite biografias porque ultrapassou o tempo e a História. Por isso, pouco importa onde e quando nasceu e onde e quando faleceu. O Benfica é e será sempre o clube glorioso que arquitetou um treinador mágico: Bella Gutman.