Que jogo devo rever nesta quarentena? SL Benfica 1-3 Sporting CP

    28 de janeiro de 2006, Moreira de Cónegos. Café “Kai-Bem” – o “k” é propositado e não um erro de escrita e, repare o leitor, que se formou um neologismo – mesas dispostas e apetrechadas com o indispensável para assistir ao dérbi dos dérbis, a televisão formato micro-ondas de dimensão superior sobre um móvel de madeira polida e envernizada. O jogo iniciava-se às 19h45 e, dez minutos antes, nenhuma alma presente no estabelecimento podia observar ou regatear por um lugar vazio. Duvidar da pontualidade masculina é injusto – o homem, no futebol, é prevenido e chega a tempo de qualquer compromisso.

    Em primeiro lugar, afirmo a idade e o poder mental que me acercava por hoje ser capaz de destrinçar o que se passou de modo límpido: tinha cinco anos. Em segundo lugar, gabar a virilidade masculina pela quantidade de cerveja existente digno de comparação a um Oktoberfest. Em terceiro lugar, salientar que o arrependimento de enaltecer o segundo aspeto foi imediato dada a pouca resistência benfiquista face à convivência com o álcool: puseram-se “a malhar” na cerveja e olvidaram, por completo, a função que os aperitivos exercem.

    SL Benfica no segundo posto, com 40 pontos, e Sporting CP no sétimo, com 34 pontos. Soou o apito inicial dado por Pedro Henriques. A imagem da SPORT TV reluzia sobre Liedson, a chuva caía no relvado sob pingos grossos. As bancadas gritavam pelas suas cores: do lado benfiquista, a euforia pela possibilidade da aproximação e de colocar pressão no rival FC Porto; do lado leonino, uma tranquilidade inconsciente e que me irritou, embora não me manifestasse. Rolava a bola, os meus olhos estavam absortos e as rodadas de cerveja intensificavam-se.

    Alcides e Luisão não acertavam na marcação ao “Levezinho”. Em cima do quarto de hora inicial, o ponta-de-lança solta-se na grande área e desfere um remate a rasar o poste de Moretto. Simão Sabrosa, na conversão de uma grande penalidade, dava vantagem ás águias e, aí, surge o primeiro clarão da embriaguez benfiquista. Passo a citar: “está ganho. Nos dérbis, quem marca primeiro, regra geral, vence”. Voltei-me para a televisão novamente.

    Volvidos quase 20 minutos, Liedson escapa à vigilância da defesa benfiquista, passa a Moutinho, este devolve-lhe após se atrapalhar e o 31 coloca em Carlos Martins: sai uma bomba ao poste! Mais um golo na cerveja para esquecer. Seguidamente, o fundo da garrafa é despejado pela designada “saída de Moretto”, após trivela de Liedson e cabeceamento desenquadrado de Deivid. Segue-se outra rodada, enquanto se contempla o guarda-redes das águias realizar a defesa da noite. Portanto, o Sporting CP dominava o jogo e estava em desvantagem.

    Liedson jogo
    O matador leonino nunca se escondia nos dérbis
    Fonte: UEFA

    Segunda parte. Até ao minuto 63, nada digno de registo. Deflagrado, a partida estava sentenciada. Beto, num momento de lucidez, pontapeia Liedson na grande área após se deixar antecipar. Sá Pinto é chamado a converter – ninguém melhor do que ele, era necessário sangue frio – e igualdade no marcador. 1-1! Beijo no símbolo, tudo normal.  Proferi um grito estridente e voltei a sentar-me.

    O jogo arrefeceu quase dez minutos. A cerveja, a partir daí, perdeu a frescura. Ricardo, num rasgo de genialidade, inicia um contra-ataque rápido e isola Liedson, resvalando no solo e sobrepondo-se a Alcides – é aqui que o leitor se questiona – e desliza sobre o relvado; o homem golo corre em direção à linha que delimita a grande área até perto da linha final, dobra-a e à sua frente “está” Luisão. Houve baile! Luisão cai na armadilha, é driblado e Liedson atira para o fundo das redes. 1-2, reviravolta no marcador! Uma mão atrás da orelha, outra a provocar o silêncio e o apupo. E uma súbita consciência e sobriedade no café…

    Tonel “deu-se ao luxo” de desperdiçar a oportunidade de colocar um ponto de exclamação sobre o jogo, falhando clamorosamente à boca da baliza. A oito minutos do fim, um momento inolvidável: pontapé de baliza, Luisão cabeceia, Sá Pinto recupera e isola novamente o Levezinho. Baixei a cabeça pelo facto de ter ficado com a sensação de que o passe tinha sido longo demais. Contudo, oiço soluços de uma ressaca que iria despontar não tardava e voltei a olhar para a televisão. O amigo Moretto sai da baliza, como só ele sabe fazer, está prestes a aliviar o esférico e puff! Foi uma miragem. Liedson efetua o golpe de teatro e aponta o terceiro tento. 1-3! Com direito a espetáculo, bebida e aperitivos.

    Apito final no jogo. Saí mal soou. Fiquei a questionar-me, até hoje, se depois se bebeu para esquecer.

    ONZES INICIAIS:

    SL Benfica – Moretto (GR), Beto, Anderson, Luisão, Alcides, Petit, Beto (Marcel 71’), Geovanni (Laurent Robert 77’), Nuno Gomes, Simão Sabrosa, Manduca (Manuel Fernandes 53’).

    Sporting CP – Ricardo (GR), Abel, Anderson Polga, Tonel, Caneira, Custódio, Carlos Martins (Nani 55’), João Moutinho, Sá Pinto (Miguel Garcia 90+2’), Deivid (João Alves 79´), Liedson.

    Foto de Capa: Sporting CP

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    Romão Rodrigues
    Romão Rodrigueshttp://www.bolanarede.pt
    Em primeira mão, a informação que considera útil: cruza pensamentos, cabeceia análises sobre futebol e tenta marcar opiniões sobre o universo que o rege. Depois, o que considera acessório: Romão Rodrigues, estudante universitário e apaixonado pelas Letras.                                                                                                                                                 O Romão escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.