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Recordar é Viver | Dirk Kuyt, produto do Utrecht

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Há histórias que resistem ao tempo, não pelo brilho fácil das fintas, mas pela obstinação silenciosa de quem fez do suor a sua linguagem. Dirk Kuyt é uma dessas histórias.

Filho do vento que sopra em Katwijk aan Zee, cresceu entre o mar e os relvados, entre o cheiro a sal e o barulho das bancadas pequenas, onde o futebol ainda é artesanal e os sonhos têm a textura da relva húmida.

Foi no Quick Boys que começou a desenhar os primeiros passos, e no FC Utrecht que se tornou, de facto, jogador. É dali, dessa escola de carácter e de luta, que nasce o homem que o futebol europeu nunca mais esquecerá.

Na véspera de o FC Porto pisar o relvado de Utrecht, para a 4.ª jornada da fase de liga da Liga Europa, faz sentido regressar a essa origem. Kuyt é produto da casa, símbolo de um clube que ensina a não desistir.

Quando chegou ao Utrecht, em 1998, não era ainda o avançado que mais tarde se tornaria lenda. Era um miúdo de cabelo desordenado e olhos claros, cheio de fome de bola.

Rapidamente conquistou espaço, não por talento exuberante, mas pela vontade que parecia não ter fim. A correr de área a área, a disputar cada lance como se fosse o último, a marcar golos com a urgência de quem precisa de provar o seu lugar.

Foram cinco temporadas no Utrecht, e nelas se construiu um retrato: o do jogador operário, o que carrega o jogo às costas quando falta inspiração.

Em 2003, o Feyenoord abriu-lhe as portas. E Kuyt atravessou-as com a humildade de quem não esquece o caminho percorrido. Em Roterdão, fez-se capitão, ídolo, símbolo. Num tempo em que o futebol começava a render-se à estética, ele mantinha-se fiel à ética. Marcou golos — dezenas deles —, mas mais do que isso, marcou presenças. Era o primeiro a chegar e o último a sair. E cada jogo era uma espécie de juramento: dar tudo.

A consagração chegou em 2006, quando atravessou o mar do Norte rumo a Anfield. No Liverpool, Kuyt não era o virtuoso das fintas curtas, mas o motor que nunca parava. Rafa Benítez viu nele o soldado perfeito: disciplinado, resistente, lúcido. Jogou na frente, jogou nas alas, correu quilómetros invisíveis. Os adeptos perceberam cedo o que tinham, isto é, um homem de equipa, um coração em forma de camisola vermelha. Ficou na memória o hat-trick ao Manchester United, os golos em noites europeias, o olhar sereno de quem sabia que o futebol é mais feito de entrega do que de glória.

Com a camisola laranja da seleção neerlandesa, Kuyt foi um pilar. Somou mais de cem internacionalizações, participou em três Mundiais e deixou um rasto de respeito. Jogou onde fosse preciso — ponta-de-lança, extremo, lateral, às vezes quase médio —, sempre com a mesma lealdade. Foi, para Louis Van Gaal, no Mundial de 2014, no Brasil, onde a Laranja Mecânica ficou no pódio, um homem de confiança. Para os adeptos, uma certeza. E para os companheiros, o espelho de como se serve um país em campo.

Ora, a nível de clubes, depois de Inglaterra, veio a aventura turca. No Fenerbahçe, Kuyt encontrou outra paixão, outra forma de calor. Em Istambul levantou troféus e aprendeu, talvez, que o futebol é universal quando se joga com verdade.

A seguir, regressou ao Feyenoord, para um epílogo perfeito. Em 2017, na última jornada, marcou três golos e deu o título de campeão neerlandês ao clube. Três remates, três memórias, três assinaturas num final de carreira que parecia escrito por destino. No momento em que o árbitro apitou, e o estádio explodiu, Kuyt sorriu — e o sorriso tinha qualquer coisa de libertação.

Mas a história não terminou aí. Kuyt, homem de caminho longo, decidiu continuar, agora como treinador. Começou pelos escalões jovens do Feyenoord, passou pelo ADO Den Haag, pelo Beerschot belga e, mais recentemente, pelo Dordrecht, da segunda divisão neerlandesa.

Atravessou este novo ofício com a mesma seriedade com que antes corria em campo: atento, estudioso, consciente de que a paixão, sozinha, não chega. Hoje, é um técnico que carrega o mesmo espírito com que um dia marcou golos, ou seja, comprometido, incansável e fiel às suas ideias.

Olhar para Kuyt é olhar para o que o futebol tem de mais humano. Ele é o filho do Utrecht que provou que a persistência também faz campeões. É o homem que transformou o esforço em beleza, que nunca precisou de gritar para ser ouvido. Representa a escola de quem não esquece as origens, de quem honra a camisola e o ofício.

Agora, à medida que a bola volta a rolar em Utrecht, há algo de simbólico nesta coincidência: o regresso das luzes europeias a um estádio onde nasceu um jogador que aprendeu a vencer sem perder o sentido do dever. Kuyt é memória viva de um futebol que ainda acredita na simplicidade dos gestos e na grandeza dos pequenos começos.

Recordar é viver, e lembrar Dirk Kuyt é lembrar o que o jogo tem de mais puro — o trabalho, o sacrifício, a fé em cada arrancada. Porque, no fim, o talento pode deslumbrar, mas é o coração que permanece.

Raul Saraiva
Raul Saraiva
O Raúl tem 19 anos e está a tirar a Licenciatura em Ciências da Comunicação. Pretende seguir Jornalismo, de preferência desportivo. Acredita que se aprende diariamente e que, por isso, o desporto pode ser melhor.

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