«Tenho todo o interesse em ser treinador principal e estou preparado» – Entrevista BnR a Nuno Presume

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    Nuno Presume já teve várias funções no futebol: foi jogador, treinador principal, membro de equipas técnicas e comentador. Trabalhou tanto em Portugal, como no estrangeiro, sem qualquer tipo de receio em aceitar projetos longe de casa. Trata-se de uma pessoa inteiramente dedicada ao desporto rei e com um conhecimento como poucos. Quer voltar a assumir uma equipa e não tem medo de o admitir, mesmo que esteja com 54 anos. Foi o mais recente convidado do Bola na Rede, onde abordou uma série de tópicos, com a qualidade com que já nos habituou.

    Bola na Rede: És professor, já foste treinador, membro de equipas técnicas, comentador. Portanto, um homem do desporto. No entanto, qual é a função que te dá mais prazer?

    Nuno Presume: Ser treinador, confesso que é a minha paixão, confesso que me adapto muito bem à televisão e ao papel de comentador, mas sem dúvida alguma gosto muito de treinar.

    Bola na Rede: Tens o Nível IV da UEFA. Acreditas que tirar os cursos UEFA é fundamental para ser treinador de futebol?

    Nuno Presume: Acredito que sim. Atempadamente o fiz, tenho UEFA Pro desde 2005 e acho que é fundamental para o conhecimento, para o crescimento e desenvolvimento das nossas competências e sinto que em bom tempo o fiz e em bom tempo me preparei para o desempenho desta tarefa.

    Bola na Rede: Foste associado recentemente ao cargo de treinador adjunto do Casa Pia. Houve algum tipo de negociação? Ou falamos apenas de especulação?

    Nuno Presume: Quando as coisas não se confirmam, eu não gosto muito de transmitir o que aconteceu ou deixou de acontecer. O que posso dizer é que estou sempre numa situação delicada para assumir compromissos desses. Porquê? Porque também sou formador e no papel de formador habitualmente passamos uma mensagem de que quem se expõe, sendo treinador principal no papel, não o sendo no terreno, por vezes é eticamente reprovável. No caso concreto do Casa Pia, posso dizer que o Gonçalo Santos é uma pessoa de excelência, que abre espaço ao adjunto com o título do UEFA Pro, que dá a possibilidade de um desempenho de acordo com as competências de um verdadeiro adjunto. Por um ou por outro motivo, acabei por entender não ser o timing adequado para assumir essas funções.

    «tenho UEFA Pro desde 2005 e acho que é fundamental para o conhecimento, para o crescimento e desenvolvimento das nossas competências».

    Nuno Presume

    Bola na Rede: Tu já foste treinador principal durante algumas temporadas, em escalões secundários. Porque é que resolveste “dar um passo atrás”?

    Nuno Presume: Eu acho que “dei um passo à frente”. Por uma razão que é evidente. Ser treinador em contexto semiprofissional ou amador nada tem a ver com o ser treinador numa dimensão profissional e eu precisava desse desafio. Precisava de conhecer a realidade do futebol profissional e foi para mim, mais do que debitar conhecimento, uma aprendizagem extraordinária, que tem vindo a ser fomentada ao longo destes anos e sem essa aprendizagem não me sentir capacitado para ser treinador principal a um nível profissional.

    Bola na Rede: Atuaste como treinador adjunto de José Peseiro no Sporting. Como é que encontraram o clube depois de uma fase tão conturbada?

    Nuno Presume: Fui primeiro com José Peseiro para o Vitória SC. Foi a minha primeira experiência com o José Peseiro, num contexto difícil, mas num trabalho que foi muito positivo, apesar de curto. Depois entrámos no Sporting, naquele que eu julgo ter sido um dos desafios mais difíceis para José Peseiro, mas que no período em que estivemos foi algo que me deu um gosto imenso, porque meses antes tinha havido a invasão à academia e o clube não tinha batido no fundo, tinha sido engolido, caiu num poço e foi para lá do fundo que esse poço poderia ter. o trabalho de preparação para começo da época foi um desafio imenso, porque o clube estava num vazio autêntico. À quarta jornada o José Peseiro conseguiu colocar o Sporting em primeiro lugar, com três vitórias e um empate na Luz. Depois logo se percebeu que quem entrou não tinha como objetivo ficar com José Peseiro, normal também. Tinham as suas convicções e os seus projetos e acabamos por sair meses depois, mas foi um trabalho que me deu um gosto imenso, de preparação para algo que quando não existia absolutamente nada, nem sequer jogadores, porque muitos tinham recusado voltar para o Sporting e o sucesso maior foi conseguir com que muitos jogadores pudessem retornar e assim se preparou uma época que culminou com uma vitória na Taça de Portugal e na Taça da Liga, mas já com outro treinador. Foi um desafio enorme.

    Nuno Presume no Sporting
    Fonte: Instagram Nuno Presume

    Bola na Rede: Acredita que se não existisse essa instabilidade, algo difícil de imaginar dado o que aconteceu, a equipa técnica poderia ter levado o Sporting ao sucesso?

    Nuno Presume: Acredito que José Peseiro pudesse levar o Sporting ao sucesso, até porque quem entrou tinha uma vantagem imensa. Conseguiu controlar, eu diria afastar até, muito dos focos de instabilidade que o clube teve e tinha nesse momento. Esse é um mérito extraordinário da atual direção e conseguiu depois promover a estabilidade que o Sporting tanto necessitava. É como te digo, o desafio não passava pela continuidade desta equipa técnica e é aceitável que assim seja, cada um tem as suas ideias. Sem dúvida alguma que o plantel que foi construído em cima do joelho, mas com convicção, proporcionou uma época positiva ao clube e José Peseiro tem quota parte no sucesso.

    «Acredito que José Peseiro levasse o Sporting ao sucesso».

    Nuno Presume

    Bola na Rede: Embarcas numa aventura pela América do Sul, ao serviço da Venezuela. É muito diferente para um treinador adjunto, neste caso, trabalhar com uma seleção e trabalhar com um clube?

    Nuno Presume: Sem dúvida. O dia a dia é completamente diferente. Numa seleção faz-se a preparação para uma determinada data FIFA, contemplando o apuramento para o Mundial ou para uma Copa América, como era o caso. Isto em contexto COVID. Muitas destas datas e jogos foram interrompidos devido ao COVID. O trabalho é aliciante. É um trabalho de análise e prospeção sobre o percurso de cada um dos jogadores. Depois deparamo-nos com jogadores somente em duas semanas, para um ou dois jogos. Nada tem a ver com o contexto de clube. Devo confessar que o trabalho na Venezuela foi uma paixão, porque muitos dos jogadores que hoje são mais valias numa seleção que está à beira de poder ser apurada para o Mundial, foram descobertos por José Peseiro, que estavam num contexto dificílimo, em clubes sem expressão, em que nós, fruto dessa análise e investigação, conseguimos trazê-los para a seleção, coloca-los a jogar e foram para a Copa América. Muitas das estrelas venezuelanas ficaram fora, por terem COVID. Esses jogadores menos conhecidos foram internacionais por isso e jogaram bem. A partir daí felizmente também para eles puderam sair da Venezuela e jogar em campeonatos mais competitivos. Foi um trabalho fabuloso promovido por José Peseiro. Alguns miúdos com 15 e 16 anos estão a jogar. Dou-te o exemplo do Telasco Segovia, é um craque está no Casa Pia, tem um potencial enorme. Kervin Andrade, vimo-lo a jogar no La Guaria e hoje, com 18 anos, joga com regularidade no Fortaleza, no Brasileirão. Deu-nos muito gozo esse trabalho.

    Bola na Rede: Dentro da América do Sul, temos notado um leve crescimento no futebol venezuelano, com o aparecimento de bons jogadores como o Yangel Herrera, o Savarino, o Soteldo… Mesmo recheado de polémicas, achas que pode atingir um patamar elevado dentro do continente?

    Nuno Presume: Vai chegar. É como te digo. Recordar que muitos jogadores que fazem parte desta seleção e estão num estado de maturação foram finalistas de um Campeonato do Mundo Sub-17 e perderam para a Inglaterra. Hoje, passado oito anos, estes jogadores começam a mostrar todos esses requisitos, acompanhados por outros que são verdadeiros lideres, como o Salomón Rondón ou o Tomás Rincón, que são o suporte para esta vaga de jogadores que têm muita qualidade. Falaste no Savarino. O Savarino voltou para o Brasil e está a ter um grande desempenho pelo Botafogo. O Yangel Herrera só não é uma referência maior pelas lesões que tem. É uma pena, certamente estaria num grande clube europeu. Depois aparece uma vaga de jogadores, como o Cristián Cáceres, que se estreou connosco e que está no Toulouse. Um José Martínez, que joga no Philadelpjia Union, da MLS e é porque não quer sair dos Estados Unidos, se quisesse estava num patamar diferente. Repara que o Cádiz está em grande em Portugal e não é sequer chamado a seleção. Isto diz bem da qualidade da seleção. Acredito que a seleção vá participar pela primeira vez na história no próximo Campeonato do Mundo. O José Peseiro tem quota parte na descoberta de jogadores que hoje em dia são referência na seleção da Venezuela.

    Nuno Presume e José Peseiro
    Fonte: Instagram Nuno Presume

    Bola na Rede: Nota-se que tens muita paixão em falar da América do Sul. Gostaria de treinar algum dia nesse continente?

    Nuno Presume: Adoraria, porque a paixão que eu demonstro ao falar contigo sobre a seleção da Venezuela ou sobre a experiência fantástica que tive no Bahia, retrata um pouco da paixão de quem participa em cada um dos jogos na América do Sul. O povo de lá é apaixonado por tudo. É de fácil paixão e eu identifico-me muito com esse contexto e acho que isso é fator determinante para que nós tenhamos sucesso no que fazemos. Sem paixão não há essa possibilidade e nesse contexto tudo se congrega para que essa paixão seja relevada. Enquanto treinador, adjunto ou principal, deparaste com um conjunto de situações e sentes que tudo é movido por essa paixão e torna-se mais fácil.

    «o povo da América do sul É de fácil paixão e eu identifico-me muito com esse contexto e acho que isso é fator determinante para que nós tenhamos sucesso no que fazemos».

    Nuno Presume

    Bola na Rede: Acabaste por ter algumas experiências no estrangeiro, sendo a mais recente no Bahia, como adjunto do Renato Paiva. Como é que foi a experiência de trabalhar num grupo como o Grupo City?

    Nuno Presume: É o grupo com maior projeção ao nível mundial. São muitos os clubes, estão presentes em vários continentes e começam a ter expressão em todos. Claro que o Manchester City é a referencia maior por tudo o que vamos vendo e analisando. O desafio foi extraordinário porque é fácil de perceber que a dimensão do Manchester City e os recursos estruturais e humanos que o clube inglês tem, o grupo quer passá-los para os restantes emblemas do grupo. Essa evolução é notória. A evolução do Bahia foi tão acentuada.. dou-te este exemplo… o departamento de performance foi preenchido com requisitos extraordinários. As questões logísticas, como aviões fretados, passaram logo a ser uma prioridade e surgiram quatro meses depois da integração no grupo. A preocupação com os relvados, com manutenção dos mesmos e a elevação da qualidade do departamento técnico, do de performance, do de logístico, do de análise, foi notório. Hoje o Bahia não vai lutar no decorrer desta época somente pela manutenção, mas sim pela colocação nos 10 primeiros lugares da Série A e isso nunca existiu desde 2003, em que o campeonato é corrido. Infelizmente nós não ficámos, por iniciativa de quem liderava a equipa técnica, mas posso dizer que o Bahia estagiou no decorrer do período preparatório desta época em Inglaterra, por 15 dias. Só por aí se percebe a convergência de ideias e ideais e a vontade que há em colocar o Bahia como um dos grandes do futebol brasileiro, até porque o Bahia já foi campeão por duas vezes, a nível nacional.

    Bola na Rede: Gostarias de voltar a ser treinador principal? Se sim, porquê?

    Nuno Presume: Não sem que antes te diga, que além do José Peseiro, que foi referência no trabalho comigo, também não posso esquecer o Daúto Faquirá, que me proporcionou a primeira experiência no futebol profissional, pelo Olhanense, mas também no nível internacional, no Primeiro de Agosto, não esquecerei essas passagens. E obviamente no último ano, pelo Bahia, num dos melhores campeonatos do mundo, estar integrado na equipa do Renato Paiva. E dizer-te que a minha preocupação com a integração em qualquer equipa técnica foi sempre a defesa dos treinadores, por vezes em prejuízo pessoal, mas com consciência tranquila, que dei tudo em prol do sucesso dos treinadores com quem trabalhei. Poderei inclusivamente voltar a trabalhar com quem me tratou sempre bem, quem me desejou na equipa técnica. Obviamente, com 54 anos, também se surgir um projeto de qualidade, tenho todo o interesse como é óbvio em ser treinador principal, porque julgo estar mais que preparado para tal.

    Bola na Rede: Já tens muita experiência, vemos vários treinadores com experiência a triunfar, mesmo lá fora, como o Alexandre Santos, no Petro Luanda. Estaria aberto a uma aventura fora de Portugal?

    Nuno Presume: aprendi a estar, porque também me adaptei muito bem a qualquer contexto em que estive. Essa é a vantagem de grande parte dos treinadores portugueses, é a capacidade a uma adaptação a um nível sociocultural diferente. Eu, quer em Angola, na Venezuela e no Brasil, a minha adaptação com as pessoas e respetiva relação, foi muito boa. Mantenho com muita gente uma amizade muito boa e isso é fruto da minha facilidade em me adaptar. Não teria qualquer problema, sem dúvida alguma.

    «Poderei inclusivamente voltar a trabalhar com quem me tratou sempre bem, quem me desejou na equipa técnica».

    Nuno Presume

    Bola na Rede: Gostaria de saber qual é o estilo tático que mais aprecias…

    Nuno Presume: A vantagem maior do treinador português é ter a capacidade de se adaptar aos jogadores que tem ao seu dispor. Qualquer um gosta de jogar o melhor futebol possível, o mais agradável, em posse, pressionante e capaz de recuperar bola e atingir a baliza adversária rapidamente, gerir todos os momentos do jogo… as banalidades que todos nós sabemos. Tenho muito bem definido o jogo com o qual me identifico. Todos nós gostamos muito do Guardiola, do Klopp e há perspetivas diferentes do jogo. Todos nós temos as nossas referencias. Acho que qualquer português que se dedique ao treino deve estar muito grato ao Mourinho, sobretudo quem está relacionado com o futebol desde 2002/03, porque foi o Mourinho que abriu portas e uma perspetiva diferente e nos deu a possibilidade de sermos treinadores, sobretudo os mais jovens. Até então, ninguém era treinador antes dos 35 e dos 40. Hoje em dia há jovens de 20 anos que querem ser treinadores e fazem dessa profissão a sua carreira, em idade muito jovem. Fico lamentavelmente triste quando muitos olham de lado para quem nos possibilitou isso. Mourinho será sempre a minha referência. Obviamente me identifico com o futebol dos melhores, mas tendo plana consciência que utopias e lirismos são só para aqueles que continuam a sonhar, mas que nunca irão passar do sonho. E eu gostaria muito de colocar tudo em prática e deixar o sonho.

    Nuno Presume
    Fonte: Instagram Nuno Presume

    Bola na Rede: José Mourinho é o treinador com quem te identificas mais?

    Nuno Presume: Foi a referencia de grande parte dos bons treinadores portugueses que existem nesta altura. Obviamente que a geração vindoura olhou para Guardiola de uma outra forma e reconheço que é um treinador fantástico, um treinador fabuloso, com uma ideia de jogo tremenda, mas é como te digo. Não devemos esquecer a história, a mesma não se apaga de um momento para o outro e José Mourinho faz parte do melhor que a nossa história tem e do melhor que os nossos treinadores, os de hoje, têm. Não tenho dúvida nenhuma que a evolução do treino desportivo passou muito por aquilo que José Mourinho fez no começo deste século.

    Bola na Rede: És um dos nomes mais conhecidos e reputados em Portugal, ao nível do desporto. Estarias disposto a ouvir propostas de qualquer escalão, ou colocaria um limite?

    Nuno Presume: Tenho plena consciência que há fatores que são muito condicionantes para se chegar à Primeira Liga. Confesso que hoje é mais fácil de lá chegar sem que se tenha um percurso para tal. Eu gosto muito de ser realista. Entendo que queimar etapas é algo que não se torna benéfico para qualquer treinador. Da mesma forma se chega à Primeira Liga de uma forma mais fácil, também se desaparece da mesma de uma forma mais fácil. Se me perguntares se o enquadramento da Segunda Liga seria o ideal para reiniciar a minha etapa como treinador principal? Claramente que aceitaria esse desafio, não tenho dúvidas nenhuma.

    «Se me perguntares se o enquadramento da Segunda Liga seria o ideal para reiniciar a minha etapa como treinador principal? Claramente que aceitaria esse desafio, não tenho dúvidas nenhuma».

    Nuno Presume

    Bola na Rede: Não gostarias de orientar uma equipa Sub-23?

    Nuno Presume: Eu durante muito tempo, até pelo meu lado formativo, dediquei-me à causa e posso dizer-te que em muitos destes clubes profissionais por onde passei, fui convidado para ficar para coordenar toda a formação de alguns destes clubes, nomeadamente o Bahia, se quiseres o Grupo City, fez-me esse convite. Na altura, o Vitória SC fez-me esse convite, com a direção anterior. Também o Primeiro de Agosto me fez esse convite. Estou muito grato, sinto que tenho competências para tal, mas sinto que tenho muitas competências para o treino. Ser coordenador do futebol de formação não te proporciona o que mais gostas de fazer, que é treinar, e eu quero treinar.

    Bola na Rede: Assistimos, principalmente na última década, a uma evolução brutal na área do treino. Sentes que esta evolução vai continuar a ser a pique ou vai estabilizar a um certo ponto?

    Nuno Presume: Gostava de ter a capacidade de antecipar isso. Certamente seria um treinador sobredotado. Considero-me um treinador com bons argumentos para estar atualizado. A previsão para o futuro pertence aos sobredotados. O que te posso dizer é que a evolução tem sido vertiginosa, quer no controle do treino, quer nos departamentos de performance para a gestão do esforço físico, mas o controlo do esforço físico, o lado da recuperação, o lado da prevenção, são fatores que hoje nada têm a ver com o que acontecia há 10 anos. Já podes ver no curto período o desenvolvimento foi extraordinário e ainda bem que foi assim. Hoje o jogo é muito mais intenso, obriga a que os jogadores percorram mais quilómetros, mas os mesmos percorridos de uma forma diferente, de como eram percorridos há 20 anos, porque o desgaste é maior, a densidade competitiva é maior. O número de jogos, e eu deparei-me disso no Brasil, já que o número de jogos lá é quase impossível de imaginar para quem nunca passou por aquilo, ninguém sabe como se recupera. Chegas ao final de uma época com 60 e tal jogos, para além das viagens. O Brasil tem a dimensão de um continente. No Bahia, a deslocação mais próxima do campeonato era a Fortaleza e dista a uma hora e vinte de avião. Isto é um dérbi, algo que habitualmente é próximo. Este ano há o Vitória, que é muito mais próximo. Deslocas-te a Porto Alegre e tens que andar três horas e algo de avião. Para Cuiabá, quatro horas. Tem que se estar preparado para este desgaste. É isso, o futebol evoluiu de tal forma que hoje tudo é diferente do que era há 10 anos.

    Nuno Presume no Sporting
    Fonte: Instagram Nuno Presume

    Bola na Rede: Hoje em dia, um treinador é sempre mais do que um treinador. Sentes que estás preparado para assumir todas essas facetas?

    Nuno Presume: Sinto que sim, estive sempre atento ao comportamento dos meus treinadores que sempre foram mais positivos do que negativos. Quem é adjunto, se tiver essa capacidade de observação, está em permanente aprendizagem e felizmente tive treinadores muito diferentes e tive a oportunidade de perceber o melhor que cada um deles tinha, o que cada um deles tinha e tem de menos bom e tive também a oportunidade de em particular lhes comunicar o meu entendimento sobre o modelo de liderança. Obviamente tive sempre uma oportunidade de estar muito próximo dos jogadores, que também é esse o papel de adjunto. Um treinador tem que ter competências vastas. Pode não ser especializado em nada, mas tem que ser um grande gestor, com conhecimento de todas as áreas. Felizmente, aqueles com quem eu me relacionei, tiveram essas competências e transmitiram-me os conhecimentos e eu aprendi um pouco mais. Acho que estou, para além do processo de treino, em que me considero habilitado, completamente apto para saber gerir emoções, comportamentos e atitudes.

    «um treinador Pode não ser especializado em nada, mas tem que ser um grande gestor, com conhecimento de todas as áreas. Felizmente, aqueles com quem eu me relacionei, tiveram essas competências e transmitiram-me os conhecimentos».

    Nuno Presume

    Bola na Rede: Sentes que os clubes portugueses estão cada vez mais dispostos a dar oportunidades a técnicos que não contam com tanta experiência como principais?

    Nuno Presume:  Acredito que sim, desde que quem lidere os clubes tenha uma noção clara e exata do perfil de treinador que quer. Um clube que é gerido de dentro para fora tem sempre mais possibilidades de ver o seu treinador a ser valorizado e de ver o seu treinador atingir os objetivos. Um clube que é liderado de fora para dentro, então é um clube que terá sempre mais dificuldade em busca do sucesso, já que está dependente das ações e comportamentos externos. Por isso é que os clubes que são liderados e são fortalezas, são clubes que chegam com maior facilidade ao sucesso e conseguem promover o sucesso com jogadores, treinadores, com toda a estrutura…

    Nuno Presume a treinar o Bahia
    rFonte: Instagram Nuno Presume

    Bola na Rede: Vou ter que aproveitar um pouco do Nuno como comentador, mais uma área que dominas com excelência. No Bola na Rede inclusivamente temos vários artigos de comentário e opinião. Acreditas que o comentário de futebol em Portugal está a crescer de qualidade?

    Nuno Presume: O conhecimento do jogo está a subir de qualidade e isso promove um comentário de qualidade. Se falarmos de fatores paralelos ao jogo, mas que por vezes descambam, então aí é muito perigoso. Aí o comentário provavelmente baixa de nível e piora claramente, embora quem esteja em casa muitas das vezes, infelizmente, gosta mais desse comentário, que não abona nada a favor do jogo e é por isso que o nosso campeonato é um campeonato que no geral tem menos adeptos, que promove paixão no sofá, mas não promove paixão no estádio. É inconcebível um jogo da liga ter 300 pessoas no estádio e isso não acontece nos melhores campeonatos. E mesmo assim, nós conseguimos estar nas 10 principais ligas europeias, vá lá saber-se porquê, mas devo-te dizer que é pena que não consigamos promover uma paixão positiva no adepto, não consigamos levar o adepto ao estádio com uma frequência superior e que cada vez mais tudo se resume a três clubes. Sendo que esses três clubes poderão vir a ser cada vez maiores, mas a clivagem para os outros é cada vez maior e isso não beneficia a qualidade do nosso jogo e na Europa vamos ter mais dificuldades em chegar mais longe.

    Bola na Rede: Recentemente vimos imagens lamentáveis no Chaves x Estoril Praia. Como é que podemos vender o futebol português ao exterior, com estas situações?

    Nuno Presume: Não vendes com bancadas vazias. O que aconteceu em Chaves, também te devo dizer, que é a exceção nos campeonatos profissionais. Eu não recordo de um acontecimento semelhante. Deve ser combatido nos seus primórdios, à nascença. Exemplos semelhantes, caso isso aconteça, não vão acontecer, garanto-te. ainda para mais, num povo tão distinto e dedicado a uma causa como o transmontano. Fiquei muito surpreendido, porque nada daquilo tem a ver com as caraterísticas daquele povo. É uma exceção e assim o espero também. Quando tu promoves um jogo positivo, uma comunicação positiva, e por vezes até nos como comentadores temos muita dificuldade em dizer menos bem do jogo, o campeonato fica mais positivo. Eu tenho que ter cuidado. Quando estiver a trabalhar como treinador, estarei exposto a essa critica e a mesma tem que ter respeito. Até hoje tenho tido esse respeito e tenho cuidado na critica que faço. Espero que o campeonato se torne mais positivo. Isso está relacionado com todo o envolvimento e está relacionado com a qualidade de gestão. O campeonato português continua a fabricar muito talento, na Youth League somos o país que leva equipas às finais ou às meias finais. Trabalhamos muito bem na formação. Produzimos e vendemos talento, só nos falta ter um campeonato que seja apelativo a todos os adeptos do futebol português.

    Bola na Rede: Assistimos a uma temporada muito boa do Sporting, ao nível interno e ao nível externo. Como é que explicas o fenómeno Rúben Amorim? É fácil fazer o que ele fez?

    Nuno Presume: Não é fácil para ninguém, isso seria retirar mérito ao treinador do Sporting. Como não é fácil no contexto do FC Porto, o trabalho que o Sérgio Conceição fez nos últimos sete anos, que é de louvar. Como não é fácil Roger Schmidt ter feito a época de excelência que fez, contrastando com a deste ano. Relativamente ao Sporting, parece-me que Rúben Amorim se preparou muito bem para uma determinada forma de jogar, um modelo de jogo e essa é a dificuldade de muitos de nós treinadores e conseguiu fazer evoluir o seu jogo ano após ano e no momento em que existiu um revés, e isso aconteceu na temporada anterior, com algumas contratações, contrastando com as grandes contratações de Amorim desde a sua chegada ao Sporting, percebeu-se que a estrutura suportou Rúben Amorim, mas também se percebeu que muito da atual estrutura tida no Sporting, está dependente de Rúben Amorim. Ou seja, na temporada anterior, não conseguiu os resultados propostas, surgiu pouca contestação, porque o Sporting foi quarto classificado, mas era notório que o caminho trilhado estava a ser o correto. Para além de que no decorrer deste ano, Rúben Amorim prometeu vencer o campeonato. Ele cumpriu o que prometeu, elevando a qualidade de jogo, trazendo individualidades que acrescentaram muito ao jogo de Rúben Amorim, mas um jogo que já estava penado a priori. Este é o fator determinante, além de ter uma relação com o grupo fantástica, quer nos momentos da vitória, quer nos momentos menos bom. Estamos na presença de um líder moderno, com uma dinâmica de treino moderna e com uma lógica de jogo que o levou ao sucesso.

    «Com rúben Amorim, Estamos na presença de um líder moderno, com uma dinâmica de treino moderna e com uma lógica de jogo que o levou ao sucesso».

    Nuno Presume

    Bola na Rede: Como é que explicas a quebra de Roger Schmidt?

    Nuno Presume: Há um fator determinante, para se ter sucesso numa equipa. Um fator determinante que tem a ver com o planeamento concetual, ou seja, a formação do plantel é determinante para alcançar o sucesso. Todos os jogadores na temporada anterior que caíram no Benfica, convergiram para a ideia de jogo do treinador e esses jogadores não ficaram em número excessivo no plantel. Era um plantel qualitativamente rico, mas não era quantitativamente rico. Esse foi um argumento maior para Roger Schmidt, que já se percebeu que prefere trabalhar com poucos jogadores, mas bons. Este ano o plantel perdeu duas referências, não podemos contar com Enzo Fernández, acredito que o Benfica já não chore por causa disso. O Benfica chora e lamenta as saídas de Grimaldo e Gonçalo Ramos e não se preparou para essas saídas. O Benfica sofreu com a ausência desses jogadores e com o recrutamento de jogadores incapazes, e aqui Roger Schmidt pôde não saber contornar uma dinâmica diferente para a equipa e quis construir uma equipa semelhante à do ano anterior, com jogadores diferentes. Foi um Benfica coxo toda a época, foi um Benfica incapaz de mostrar uma pressão alta toda a época, não tinha jogadores para tal e no ano passado sufocava no terço ofensivo. Este ano foi sempre uma equipa desfasada, com os setores bem longe uns dos outros e a conceder espaços para saída no contra-ataque dos adversários e o Benfica nunca soube corrigir um problema. Tem uma vantagem, pode começar já a preparar a próxima época e se o fizer estará mais próximo do sucesso na temporada que aí vem.

    Bola na Rede: O Nuno Presume já conviveu com vários jogadores ao longo da sua carreira. Gostava de saber qual foi o jogador que tiveste mais gosto em treinar?

    Nuno Presume: Eu posso estar a ser injusto, posso estar a ser ingrato… a nível amador e semiprofissional tive jogadores que me fizeram crescer muito, com os quais falo de futebol e tenho plena consciência que percebem mais de futebol do que alguns jogadores profissionais que me deparei. Agora, capacidade e trabalho, apesar de só quatro meses a conviver com ele diariamente: Bruno Fernandes. Ele extravasava os limites na capacidade de trabalho. Eu acho que o Bruno deu um grande jogador, mas também irá dar um grande treinador, porque a capacidade de análise que ele tem do jogo é de sobredotado, sem dúvida alguma. E depois a obsessão pelo jogo e pelo treino é algo inquestionável. Como líder, devo-te dizer que o Coates é um líder silencioso, como eu lhe gosto de chamar, admirável num grupo de trabalho. Tive na temporada anterior uma referência que eu não me irei esquecer mais, que eu acho que foi um desperdício na Europa e nunca ninguém lhe pegou e que o Brasil ficou louco com a temporada. Chama-se Cauly e é um 8/10 do Bahia. É o protótipo do verdadeiro profissional: humilde, craque, diferenciado, trabalha para contexto de equipa e não é por acaso que o Palmeiras o quis, mas também não é por acaso que o Grupo City não o deixa sair do Bahia, até pelo fator idade, já tem 28 anos. Tive jogadores na seleção da Venezuela que não me irei esquecer, como Cáceres, o Yangel Herrera, o Salomón Rondón também admirei como líder. Não me posso esquecer, seria injusto, no Olhanense tive um jogador que em seis meses foi muito fácil decifrar que iria jogar num Grande e estaria por lá muito tempo, que foi Jardel, central que passou pelo Benfica durante 10 ou 11 épocas, por vezes esquecido. Era um grande profissional.

    Bola na Rede: Muito obrigado pelo teu tempo, foi um gosto.

    Nuno Presume: Muito boa sorte para o futuro!

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