Recordar é Viver | O “nosso” Euro 2004

    Portugal vivia tempos de mudança em 2004. Dias antes do Euro começar, nos corredores do poder da capital belga, centro de decisões da Europa que recentemente passara a ser dos 25, decidia-se que Durão Barroso – o então primeiro-ministro de Portugal – seria o seguinte Presidente da Comissão Europeia.

    O chamado eixo franco-alemão escolhia o político português para presidir aos destinos da União Europeia (UE) em vésperas do alargamento a leste e a dez novos países, em detrimento do inglês e não consensual Tony Blair, ou dos chefes de governo de outras pequenas nações da UE.

    O ponto mais ocidental da Europa, tantas vezes de costas voltadas para o Continente, estava agora no centro das mais importantes decisões europeias, e a mais importante delas – para os amantes do Desporto Rei – tinha lugar nos 10 campos construídos para receber a XII edição do Campeonato Europeu de Futebol.

    Durante o Euro 2004, os portugueses apaixonaram-se pela sua seleção, usando até ao extremo os símbolos e cores nacionais. A unanimidade dos visitantes e participantes no grande evento, considera que o Euro 2004 foi uma festa. De norte a sul, as cidades sedes da prova, das mais pequeninas à grande e solarenga Lisboa, decoraram-se e viveram um mês de futebol no mais puro dos estados.

    Bandeiras portuguesas em todas janelas, carros enfeitados, pessoas vestidas com as cores nacionais, num caso de amor nacional nunca antes visto na competição. O bom tempo, as praias, o bom vinho, a comida e a lendária e habitual hospitalidade fizeram o resto…

    O pontapé de saída foi dado na cidade do Porto, no Estádio do Dragão – coincidente estádio onde Vítor Baía, que, surpreendentemente, não foi convocado por Scolari, jogava -, onde os anfitriões levaram ao extremo a arte de bem receber os visitantes, perdendo com uma irrepreensível Grécia por 1-2. Desse jogo, e para a história, fica o primeiro golo do então jovem Cristiano Ronaldo numa grande competição.

    Por sua vez, os vizinhos espanhóis, começaram por bater os russos, para depois empatarem com a surpreendente Grécia. Entretanto, os lusitanos começavam a sequência de jogos decisivos, ou «mata-mata» nas palavras do seu treinador Luís Filipe Scolari. A primeira vítima seria a Rússia, que saiu vergada da Luz com um 2-0 e com a confirmação de que ia mais cedo para casa.

    Para a última jornada estavam reservadas as grandes emoções. Os gregos só dependiam de si contra os russos, mas deixaram tudo nas mãos da sorte ao perder por 1-2, enquanto em Lisboa, Espanha e Portugal reviviam Aljubarrota. Os portugueses só podiam vencer, os espanhóis até talvez pudessem perder…

    O jogo foi tenso, uma batalha épica. Os portugueses lograram marcar um golo já na segunda parte, por intermédio de Nuno Gomes, e os espanhóis já não conseguiram inverter a curva do destino. Portugal vencia e eliminava a vizinha e rival Espanha. Um grande jornal desportivo do país, ilustrava na manhã seguinte a vitória com uma primeira página onde se destacava apenas a palavra «Obrigado». Elucidativo…

    Noutro grupo, Zinédine Zidane marca o segundo golo com que a França bateu a Inglaterra. Se o grupo A revivera a batalha de Aljubarrota, já no grupo B pensava-se reviver as batalhas épicas da Guerra dos Cem Anos, como Agincourt ou Orleães, consoante o lado da barricada onde se estivesse.  Desta vez não havia Henrique V ou Joana D’Arc para comandar as tropas, mas a liderança estava entregue aos não menos geniais e decisivos: David Beckham e Zinédine Zidane.

    Ingleses e franceses, alinhados lado a lado, a meio do relvado do grande palco da Luz, o estádio onde seria disputada a grande final. Tocaram o «God Save The Queen» e «A Marselhesa», Beckham e Zidane cumprimentaram-se e o grande jogo podia começar.

    Os britânicos saíram na frente com o golo de Frank Lampard, e a Inglaterra continuou a dominar as operações até ao intervalo. O segundo tempo trouxe mais do mesmo e o jogo parecia decidido quando David Beckham foi chamado a cobrar uma grande penalidade que castigava um derrube sobre Wayne Rooney. Os corações pararam dos dois lados da mancha, quando o menino bonito dos ingleses olhou Fabien Barthez nos olhos. Velhos conhecidos do Manchester United, o inglês não conseguiu enganar o ex-colega e a França continuou viva e em jogo com a defesa de Barthez. O jogo caminhou então rapidamente para o fim, até que aos 91 minutos, um livre frontal foi magistralmente apontado por Zizou e chegava o empate.

    E se parecia um destino cruel para a Inglaterra, tudo piorou no minuto seguinte, quando Henry foi rasteirado por David James dentro de área. Nova grande penalidade, desta vez para a França, para Zidane bater. O «marselhês» não hesitou e fez aquilo que melhor sabia, marcar golos que decidiam jogos. A França vencia o velho embate de rivais, Zizou batia inapelavelmente Becks…

    Por outro lado, Dinamarca e Suécia empataram a duas bolas e deixaram a Itália de Trapattoni fora da prova. Depois dos empates com Dinamarca e Suécia, a Itália só seria eliminada se os seus rivais nórdicos empatassem a dois ou mais golos no último jogo do grupo. Os suecos e dinamarqueses, jogavam no Bessa no Porto, enquanto os italianos defrontavam os búlgaros em Guimarães. Tomasson colocou os dinamarqueses na frente, entretanto em Guimarães os búlgaros adiantavam-se no marcador.

    Ao intervalo as coisas corriam mal para os pupilos de Trapattoni… A «Velha Raposa» tentou mexer na equipa, mas tudo piorou quando chegaram a Guimarães ecos do empate sueco, um minuto antes de Perrotta empatar o Itália-Bulgária.

    Os dinamarqueses voltaram a adiantar-se e a Itália continuava adormecida, mais preocupada com o que se passava no Porto do que no relvado do Afonso Henriques. Por fim, chegou a notícia do golo sueco a um minuto dos noventa. A Itália como que finalmente sacudiu a letargia e lançava-se à procura da baliza de Zdravkov.  Tarde demais, do Porto não vinham mais boas novas e a Itália ficava de fora, com sérias dúvidas sobre o empate a 2-2 no jogo entre os escandinavos…

    O grupo D apresentou uma República Checa em grande forma, batendo toda a oposição com seu futebol elegante, baseado na classe de nomes como Nedved, Rosicky, Baros ou Poborsky… Na estreia, frente à estreante Letónia, os checos viram-se em grandes dificuldades para dar a volta ao golo inicial de Verpakovskis. Ao segundo jogo, novamente em Aveiro, contra os Países Baixos, a Rep. Checa viu-se a perder por 0-2 logo aos 19 minutos, mas os golos de Koller, Baros e Smicer, confirmaram uma das mais fabulosas vitórias da história do futebol checo…

    Três jogos, três vitórias: os checos venceram todos os jogos e ainda mandaram a Alemanha para casa no jogo decisivo, jogando com a segunda equipa. Viajaram então para Lisboa, onde, no José Alvalade, defrontaram uma Alemanha que vinha com a corda no pescoço, depois dos dois empates nos dois primeiros jogos.

    Uma segunda linha checa viu-se a perder aos 21 minutos, graças ao golo de Ballack, mas Heinz – ainda na primeira parte – e Baros – que, entretanto, fora lançado na partida – deram a volta ao resultado e deixaram os vice-campeões mundiais fora do EURO 2004. Depois do insucesso de 2000, a Alemanha voltava a ficar fora do EURO no fim da primeira fase, sem conseguir ganhar um jogo, e com o fraco consolo de ficar apenas à frente da pequena e inexperiente equipa letã.

    Os quartos-de-final trouxeram emoção, bons jogos, e as sempre apaixonantes resoluções através da marca de onze metros. Logo a abrir o Inglaterra x Portugal, teve todos os ingredientes de um clássico do futebol mundial. Um Estádio dividido quase a meio de branco e vermelho, duas grandes equipas, muita vontade de fazer história.

    Michael Owen gelou os portugueses com um golo aos três minutos. Portugal demorou a reagir e Scolari arriscou tudo no final e lançou Rui Costa, Simão Sabrosa e Postiga, três substituições decisivas. A sete minutos do fim, Postiga deu o melhor seguimento a um cruzamento de Simão Sabrosa e levou o jogo para o tempo extra. Portugal jogava virado para a frente, com Deco a lateral-direito e Rui Costa a pegar na batuta da orquestra. Seria o número 10 a marcar um golo que levantou o Estádio e colocou os lusitanos muito perto das meias…  Mas a Inglaterra não estava morta, e Lampard empatou a cinco minutos do fim, quando faltavam outros cinco minutos para o apito final.

    Um golo anulado aos ingleses ainda adicionou mais nervosismo aos últimos minutos, mas o jogo foi mesmo para o sortilégio do desempate através de grandes penalidades.  Beckham falhou mais uma vez, Rui Costa devolveu a simpatia, Postiga imitou Panenka, Ricardo tirou as luvas e defendeu o remate de Vassell antes de ser ele próprio a marcar o último e decisivo e icónico penálti. Portugal deixava, assim, a Inglaterra fora da prova com uma grande penalidade apontada pelo guardião Ricardo.

    Nos restantes jogos dos «quartos» a República Checa livrou-se da Dinamarca sem problemas (3-0), enquanto os Países Baixos também tiveram que recorrer às grandes penalidades para eliminar a Suécia.

    A grande surpresa estava guardada para o jogo entre a campeã França e a Grécia. Contra todos os prognósticos, os «bleus» ficaram pelo caminho, culpa do golo solitário de Charisteas.

    Nas meias-finais, Portugal ultrapassou os Países Baixos, com golos de Cristiano Ronaldo e Maniche, que, apesar do autogolo de Jorge Andrade, deixaram Portugal na primeira final de uma grande competição.

    Entretanto, no Porto, os gregos e checos procuravam a segunda vaga. O nulo permaneceu até ao fim dos 90 minutos e os checos foram perdendo a força. Tudo ficaria resolvido com mais um golo de cabeça grego, desta vez da autoria de Dellas, que colocou os helénicos na final com os anfitriões.

    Na Luz, cheia que nem um ovo, Portugal nunca conseguiu desatar o «nó górdio» grego. Sem chama, completamente bloqueado pelo sistema defensivo brilhantemente engendrado por Otto Rehhagel.

    Aos 57 minutos, na sequência de um canto e numa falsa saída de Ricardo à bola, surgia o golo grego… de novo Charisteas, de novo de cabeça… Portugal nunca se encontrou, as forças pareciam fugir aos jogadores, a bola não queria nada com Figo e companhia e quando Markus Merk apitou para o apito final, os gregos explodiam numa loucura nunca antes vista. A Grécia era campeã da Europa e vencia a final na casa do adversário. Os deuses do Olimpo deviam estar loucos!

    Do outro lado do campo, os portugueses não conseguiam esconder as lágrimas, Rui Costa e Figo abandonavam a seleção e o jovem Cristiano Ronaldo chorava copiosamente…

    No fim das contas os portugueses acabavam o mês de todas as decisões europeias e perdiam o Primeiro-ministro e a sua tão desejada final. A Europa fora áspera, cruel e insensível para um povo que a recebera tão bem…

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    Raul Saraiva
    Raul Saraiva
    Jovem entusiasta e curioso, o Raúl tem 18 anos e está prestes a ingressar na Universidade. O seu objetivo é fazer jornalismo, de preferência desportivo, até porque a sua paixão pelo desporto é infindável e inigualável. Desde pequeno que o desporto faz parte da sua vida. Adora ver, falar e escrever sobre futebol, nunca fugindo às táticas envolvidas no mesmo. O desporto-rei é, assim, a sua grande paixão e o seu refúgio para escapulir nos momentos em que a sua grave doença se faz sentir. Ainda assim, também se interessa bastante por NBA, futsal, hóquei em patins, andebol, voleibol e ténis. Acredita que se aprende diariamente e que, por isso, o desporto pode ser diferente. Escreve com acordo ortográfico.