Benfica 3-3 Sporting – Taça de Portugal 04-05 | Quando o moribundo meteu juízo na cabeça do convencido

Em semana de duplo dérbi eterno e véspera do tudo ou nada na Taça, quão indecoroso seria não recordarmos a versão realizada há aproximadamente 20 anos? A 27 de Janeiro de 2005, Benfica recebia o Sporting na Luz, para a sexta ronda – não havia agregados para ter em conta, era puro mata-mata. Trappatoni olhava impotente perante o martírio exibicional dos primeiros meses e Peseiro ria-se, que o seu Sporting só perdera dois dos treze jogos realizados desde princípio de Novembro; aliás, duas semanas antes tinha derrotado os arqui-rivais em Alvalade por 2-1, empurrando-os para… 5.º lugar!

Era mesmo de vento em popa: o losango que fizera Mourinho campeão europeu no ano anterior era agora bem aplicado pelo promissor técnico coruchense que, dizia-se na altura, havia sido o único a impedir o Special One de ser o melhor aluno de curso no então ISEF, Instituto de Educação Física, actual Faculdade de Motricidade Humana[1] – um feito que adornava o trajecto do jovem de 43 anos, que passara em 2003-04 pela inesquecível experiência de ser adjunto de Carlos Queiroz nos Galáticos de Madrid.

Sim, o Inverno corria muito bem aos leões, sobretudo desde a derrota pesada (0-3) com o Porto, a oito de Novembro, que interrompera série de cinco vitórias consecutivas e exigira atenção redobrada quanto a um inevitável relaxamento. Afinou-se o bom futebol e a equipa encarrilou novamente  para as boas exibições, como provam os 34 golos marcados nos tais treze encontros – com destaque para um 6-1 ao Boavista de Jaime Pacheco, um 0-4 em Tbilisi frente ao crónico campeão da Geórgia, um 2-4 em Guimarães ou um meritório empate em St James Park, contra o Newcastle de Sir Bobby Robson, a carimbar a qualificação da fase de grupos na Taça UEFA.

Quatro dias antes do dérbi taceiro, jogou o Sporting em Barcelos, vencendo por boa margem e com alta nota artística – e por isso merece vídeo, pelo génio de Sá Pinto e pela fluidez do jogo leonino. A confiança deu tempo e espaço para estrear um rapazola irrequieto chamado João Moutinho, que beneficiou da saída de Tinga nesse mercado para se afirmar definitivamente na equipa A.  

Enquanto isso, se virássemos a câmara para outro lado, o cenário faria-nos arregalar a vista. Tudo era caos, pânico, gritaria e revolta – a época começara bem, com a derrota na Supertaça frente ao FC Porto seguido, uns dias depois, do falhanço na qualificação para a Champions, com copioso vexame em Bruxelas frente ao Anderlecht. Rebaixamento para a UEFA e, apesar da competência em assegurar as eliminatórias na segunda parte do ano com um segundo lugar nos grupos, outra vergonhosa noite em Estugarda, com nova chapa 3 aplicada pelo líder.

Um mês depois, em visita ao Restelo, Carvalhal não precisou de grande preparação para aproveitar os pontos fracos daquele Benfica – eram muitos e por isso tão natural pareceu aquele 4-1. A 12 de Dezembro, a Águia era terceira classificada fruto de uma vitória nas cinco jornadas anteriores. Podia ter o mesmo efeito da derrota sportinguista no Dragão, não podia? Era o ideal ponto de viragem, até justificado pelo imenso murro na mesa dado por Trappatoni nesse rescaldo que, visivelmente agastado com a performance, deixou recado que se tornaria duplamente anedota-ditado do nosso futebol –  «Devemos tirar deste jogo uma importante lição para o futuro. Quando não se pode ganhar, também é importante não perder»[2].

Mas não, ainda foi pior: até ao jogo da Taça no qual nos deveríamos focar, mês e meio depois, o Benfica não venceria nenhum jogo longe da Luz e enquanto os leões davam festival em Barcelos na antevisão do dérbi, o Benfica recebia o Beira-Mar, último classificado, e deixava os aveirenses à vontadinha, aproveitando famosamente Tanque Silva para fazer dois golos. Não houve resposta e o Benfica falhava a aproximação ao terceiro lugar, partilhado por Boavista e Braga, com o Rio Ave a morder-lhe os calcanhares no sexto posto.

Sem grande história eram os percursos na Prova-Rainha para ambos: Benfica tinha despachado o Oriental (3-1) e a AD Oliveirense (4-1) na Luz; o Sporting conseguido um 1-3 em casa da Naval 1.º de Maio e um 4-1 ao Pampilhosa da Serra. Prontos?

Luz cheia. Trappatoni já não tinha Zahovic e aproveitou para dar músculo ao meio-campo, com Bruno Aguiar a juntar-se à parelha habitual Manuel Fernandes-Petit – a mesma receita utilizada duas semanas antes. Peseiro respondera com Custódio-Rochemback-Hugo Viana-Pedro Barbosa a servir a dupla mágica de Barcelos. Havia intervenientes de sobra para bom espectáculo, não se esperava era que fosse tudo tão rápido: até aos 22 minutos foi sempre a abrir, nada de pedir licenças, tudo ao empurrão – Benfica abre, Sporting vira, Benfica restabelece. E como a zaragata foi tão histérica e envolveu tanta cambalhota, os deuses intervieram prontamente e decidiram fazer descansar as balizas até ao prolongamento.

Aí, apesar do lendário golo de Paíto – lendário pelo super túnel a Luisão – e do tiro salvador de Simão, o drama e o suspense foram entregues pelas condição humana  – a traquinice de João Pereira, lançado uns meses antes por José António Camacho e ainda intermitentemente extremo ou lateral, que mudou o rumo do jogo aos 104’, com uma daquelas simulações hollywoodescas que o VAR extinguiu, conseguindo convencer o árbitro a expulsar Hugo Viana, hoje grande amigo e colega na direcção verde e branca; e depois aos 116’, com Peseiro a preferir prioritizar a gestão do sofrimento da equipa, trocando um esgotado Barbosa por Tello, substituição que impediu a troca de Tiago por Ricardo – negando que se repetisse, no mesmo estádio, a história da Seleção contra a Inglaterra uns meses antes. Possivelmente, o Benfica não teria marcado todos os sete penalties.

Miguel Garcia falhou o sétimo leonino, caindo sobre ele o peso duma crítica que nunca lhe perdoou as poucas virtudes técnicas. A justa Providência foi rápida a honrar-lhe o esforço e a dedicação, permitindo-lhe ser o herói de Alkmaar mais à frente.

A eliminatória ditou sortes diferentes e foi ela, finalmente, o ponto de viragem para benfiquistas, que venceriam no fim de semana seguinte o primeiro jogo fora desde 3 de Outubro – já com Nuno Assis, que vinha assumir esse vago papel de número ‘10’ e ser decisivo na segunda volta. Para sportinguistas, o peso da responsabilidade provocou queda premonitória da tragédia final. Na ressaca, empate tristonho na recepção ao Vitória sadino de José Couceiro e, no seguimento, derrota pesada nos Barreiros (3-0), frente ao Marítimo. 


[1] «Esse encontro entre Mourinho e Peseiro coincidiu com uma reforma curricular no ISEF. Mourinho estava no quarto ano, José Peseiro no terceiro, mas essa reforma obrigou a que durante um ano se tivesse de juntar os alunos do terceiro, quarto e quinto ano e foi assim que se foram conhecendo.» em https://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/liga-betclic/fc-porto/detalhe/mourinho-e-peseiro-encontro-de-alunos-do-isef

[2] https://www.cmjornal.pt/desporto/detalhe/belem-humilha-benfica

Pedro Cantoneiro
Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, de opinião que o futebol é a arte suprema.

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