
O Anel de Fogo do Pacífico está longe de se deixar envolver pelo espírito da palavra da paz. A ferradura que envolve o oceano tem cerca de 40 mil quilómetros de extensão e um extenso historial de vazio e destruição. 70% dos sismos com elevada intensidade registam-se nesta zona do planeta, bem como os principais vulcões em atividade da Terra.
Circunstâncias naturais e geológicas, relacionadas à colisão de placas tectónicas e ao acumulo da tensão, que é, inviavelmente, libertada em sismos explicam a concentração de fenómenos extremos nesta zona da Terra. Na Luz e no Benfica, há também um Anel de Fogo de instabilidade que faz suceder, de forma quase natural, acontecimentos extremos e preconizados.
A época arrancou, a nível resultadista, de forma perfeita para o Benfica. Numa semana, a aparente tranquilidade, como o mar que amaina antes da onda gigante, deu lugar ao caos e à catástrofe. Nicolás Otamendi, o eterno jovem, tornou do jogo contra o Santa Clara um pesadelo que se arrastou até esta terça-feira. Depois de quase 30 minutos em que os maus momentos tinham sido esquecidos e se poderia pensar numa vitória tranquila, a inevitabilidade do Anel de Fogo que assombrou as águias apareceu e o castelo de cartas tombou e o Benfica perdeu com o Qarabag.

Por mais que seja interessante e especulativo pensar nas causas místicas e sobrenaturais que levaram o Benfica a viver uma semana de morte – o luto, esse, ainda está por vir – a verdade é que muitos dos sintomas já andavam pela Luz a pairar. As vitórias diante do Estrela da Amadora e do Alverca, camufladas num resultado tangencial, já faziam adivinhar que, um dia em que a bola não entrasse tantas vezes como o desejado, o caos chegaria.
Como tónica geral da temporada, está a forma como o plantel foi construído. Ao Benfica chegaram bons jogadores, mas o 11 inicial não apresentou qualquer possibilidade de desequilíbrio individual através do drible ou da aceleração. De resto, Vangelis Pavlidis, o eterno ligador de jogo, e Fredrik Aursnes, o canivete-norueguês do fato macaco, acabaram por ser os jogadores com mais rutura e ataque ao espaço.
A chegada tardia de um jogador tão necessário como Georgiy Sudakov, capaz de jogar como 10 e de oferecer rasgo e solidez através do passe, também fez com que a unidimensionalidade da procura do passe longo de Barrenechea – que tem, ainda assim, condições para se aprimorar como gestor – e de Richard Ríos, incompreendido por tantos e de quem se espera e pede coisas nos antípodas das suas características, também justifica a dificuldade do Benfica em criar de forma continuada.

Diante do Qarabag, a entrada do ucraniano para o corredor central, abriu caminhos novos para o jogo do Benfica. O segundo golo, com a bola a entrar no sítio certo para isolar Vangelis Pavlidis, explica na perfeição a forma como as águias podem crescer. O problema, e aqui a culpa recai, inevitavelmente, sobre Bruno Lage, esteve na forma como, no momento em que se precisava de tranquilidade, o treinador abraçou o caos.
Reza a lenda que, numa zona propícia a vulcões, não deverá ser muito aconselhável andar com uma mala cheia de combustível. O primeiro golo intranquilizou a equipa e o segundo desmontou toda a confiança que ainda restava. Na sedenta vontade de chegar mais rápido a um terceiro golo da estabilidade, o Benfica cavou o seu fundão.
Para juntar um segundo homem à frente, como se o problema estivesse na eficácia do remate e não na incapacidade de lá fazer chegar a bola, Georgiy Sudakov foi desviado para o corredor esquerdo, afastando-se do raio de ação do jogo e vendo reduzidas as possibilidades de tocar na bola. Depois, Vangelis Pavlidis saiu para entrar Henrique Araújo, um avançado que procura cruzamentos mais do que envolver os colegas.

O caos já estava montado. A defesa do Benfica passou a funcionar em modo peneira, com os jogadores distantes, o meio-campo sem capacidade de reação e tamanha passividade para um jogo de Champions League. Com bola, acumulavam-se os erros na construção e a intranquilidade em todas as ações.
Depois do erro, aconselha-se maior tranquilidade e menor risco nos estímulos. Recuperar a confiança depois de um golo sofrido envolve somar uma sequência de ações positivas, conseguir manter a bola e simplificar todos os processos. O Benfica fez o contrário, acelerou onde podia e a ânsia de chegar mais rápido fez os encarnados ficar mais distantes do objetivo. A passagem na Champions League está comprometida e, daqui para a frente, os jogos só complicam.
Quanto a Bruno Lage, já despedido, fica a certeza de que, mais por convicção, só começou a época no Benfica devido ao calendário estreito. À primeira oportunidade, ao primeiro desvio do padrão, o técnico foi descartado. A decisão pode ser acertada ou errada. Não é isso que está em causa, mas o quão irresponsável é. Se Bruno Lage assumiu a responsabilidade – pelo menos verbalmente -, agora Rui Costa assume a irresponsabilidade. Falta pouco mais de um mês para as eleições.

BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Esperava tantas facilidades em entrar no último terço do Benfica, principalmente após o primeiro golo do Qarabag?
Gurban Gurbanov: O futebol são 11 contra 11. Cada equipa tem 11 jogadores e eu disse, desde o início, que os meus jogadores tinham de se divertir, de ser corajosos. Era a Liga dos Campeões. Em qualquer cenário tínhamos de jogar o nosso jogo. Ia haver erros e perdas de bola, mas os nossos jogadores fizeram isso. Podia até ter havido mais golos da nossa parte. Não diria que foi uma vitória fácil, de modo algum, mas conseguimos ser superiores e ainda bem.