João Prates está na Tribuna VIP do Bola na Rede. É treinador de futebol, licenciado em Psicologia do Desporto e está no seu espaço de opinião no nosso site. O técnico de 52 anos já orientou o Dziugas da Lituânia, o Vaulen da Noruega e o Naft Maysan, do Iraque, e esteve na formação do Al Batin e Hajer Club da Arábia Saudita.
Talento que Portugal exporta porque cá a meritocracia ainda joga pouco. O Qarabag soma sete pontos na Liga dos Campeões, onde derrotou o Benfica na luz com seis jogadores que passaram pelos relvados secundários de Portugal.
Kevin Medina jogava no Moura em 2015. Leandro Andrade, hoje peça essencial, representava o Fátima em 2020. Camilo Durán esteve no Lusitânia dos Açores em 2023. Kady Borges jogava no Vilafranquense em 2020. Pedro Bicalho no Santa Clara em 2022. E Dani Bolt passou pelo Torreense em 2024.
Seis percursos diferentes, uma conclusão comum: para muitos, o reconhecimento só chegou depois de deixarem Portugal. Portugal continua a ser uma das maiores incubadoras de talento da Europa. Nos campos da Liga 3 e do Campeonato de Portugal jogam atletas e treinadores com qualidade, inteligência e uma maturidade competitiva que poucos valorizam.
O problema não é falta de talento, é falta de visão e coragem para apostar nas divisões inferiores. O nosso futebol olha pouco para baixo e confunde “divisão inferior” com “nível inferior”.


Quem sobrevive nesses contextos aprende precisamente o que o futebol de elite mais exige: resiliência, adaptação e carácter. A Taça de Portugal do último fim-de-semana voltou a prová-lo. Cinco equipas dos escalões secundários eliminaram clubes da Primeira Liga.
Não foi acaso. Foi mérito. Foi trabalho. Foi a demonstração de que o talento existe, apenas espera que alguém o veja. No futebol português, o mérito ainda tem de esperar.
A aposta nem sempre recai em quem rende mais, mas em quem é mais conhecido. Outros países, pelo contrário, procuram perfil e mérito, e descobrem aquilo que nós deixamos escapar. O Qarabag fez isso: valorizou jogadores com fome, preparados para competir e crescer.
O resultado está à vista, desempenho europeu e respeito internacional. O mérito não é apenas sobre jogadores, é também sobre treinadores e dirigentes. Há muitos profissionais competentes nos escalões secundários, formados em adversidade e rigor, que continuam invisíveis para as principais divisões.
E é precisamente esse capital humano que falta quando falamos em evolução do futebol português. O sucesso do Qarabag e as surpresas da Taça são lembretes claros: quando o mérito encontra espaço, o talento aparece. Portugal não precisa de reinventar o jogo. Precisa apenas de voltar a acreditar em quem o constrói longe dos holofotes.

