João Prates está na Tribuna VIP do Bola na Rede. É treinador de futebol, licenciado em Psicologia do Desporto e está no seu espaço de opinião no nosso site. O técnico de 52 anos já orientou o Dziugas da Lituânia, o Vaulen da Noruega e o Naft Maysan, do Iraque, e esteve na formação do Al Batin e Hajer Club da Arábia Saudita.
O debate em torno da ida de Cristiano Ronaldo tornou-se, demasiadas vezes, refém de ideologias fáceis e leituras enviesadas e até agressivas. Em vez de se olhar para o fenómeno com neutralidade e racionalidade, procuram-se ângulos políticos ou morais onde não existem. E isso impede que se veja o essencial: Ronaldo é um caso extremo de mérito, disciplina e construção de valor.
É impossível ignorar que Ronaldo já não é apenas um desportista. É uma marca global. E isso não diminui Portugal; amplia-o. Tal como tantas marcas nasceram num país e se tornaram património do mundo, também Ronaldo ultrapassou há muito as fronteiras de origem. A identidade é portuguesa, mas a escala é planetária.
Quando saiu de Manchester, não faltou quem o desse por acabado. O Médio Oriente devolveu-lhe palco, estabilidade e reinvenção. Uma marca vive onde encontra retorno, impacto e contexto para continuar a crescer. Ronaldo seguiu o mercado, como qualquer ativo global faria, e isso é maturidade estratégica, não traição emocional.
Para alguns isto incomoda. Mas convém recordar uma coisa essencial que raramente é dita com a clareza que merece: estamos a falar de um miúdo que saiu da pobreza, que viveu longe da família aos 12 anos, que venceu pela persistência e que construiu tudo o que tem através de trabalho, disciplina e ambição. Nada lhe foi oferecido. Não há nepotismos. Não há atalhos. Há mérito puro.


Reduzir esta história a ideologias bacocas, a discussões tribais ou a leituras moralistas de quem às vezes nem tem moral para nada, é desperdiçar o que ela realmente ensina. O sucesso de Ronaldo não retira nada a Portugal. Pelo contrário. Mostra que um país pequeno pode produzir alguém capaz de influenciar mercados, competições e audiências globais, basta ver o que aconteceu recentemente com a publicação da FIFA que não incluiu a sua foto na fotos dos qualificados para o Mundial e foi obrigada a retirar a foto sem Ronaldo porque as reclamações moram imensas.
Talvez a lição mais útil seja olhar para o exemplo sem filtro partidário, clubístico ou emocional. Como estamos a construir a nossa própria marca? Sabemos defender o nosso valor? Respeitamos a liberdade de cada pessoa gerir a carreira como entender? Somos verdadeiros democratas ou só quando as coisas acontecem com a nossa ideologia?
Ronaldo faz isso numa escala Mundial. Nós fazemos na nossa. Mas o princípio é o mesmo: visão, estratégia, autenticidade e trabalho. Observar o fenómeno com neutralidade é reconhecer que, goste-se ou não, Cristiano Ronaldo tornou-se a expressão máxima de como talento, disciplina e inteligência podem transformar a vida de alguém. E isso merece respeito, não ruído.
PS: Antonio Costa visitou Donald Trump e ofereceu uma camisola de Ronaldo, mereceu este debate? Nada.

