«Alguns jogadores do Benfica de 2005 tinham lugar nesta equipa» – Entrevista BnR com Álvaro Magalhães (parte 2)

    BnR: Foste jantar a casa do Camacho?

    AM: Eu ao princípio nem queria ir mas o Pepe é que me chamou a atenção. “Cuidado, se dizes não ele fica chateado contigo.” Ele chamou-me de parte e disse-me que o mister me ia convidar para jantar em casa dele. Eu disse logo que não ia, eu sou assim, nestas coisas sou um bocado tímido. E o Pepe dizia-me “Cuidado porque se disseres que não, perdes um amigo”.

    BnR: Como foi o convite?

    AM: O Camacho chegou ao pé de mim e disse “Álvaro, logo à noite em minha casa”. E eu fiquei “Ah mas…”. E ele logo: “Se não fores, nunca mais falamos”. Direto. Foi dos melhores treinadores que eu conheci. A segunda vez que ele veio as coisas não correram tão bem, se calhar ele não teve as pessoas certas para o apoiarem.

    BnR: Descobri isto na pesquisa para a entrevista, tu jogaste contra ele, não sei se te recordas, no Europeu em 84’. Falaram disso na altura?

    AM: Sim, sim, ele conhecia-me já desses tempos. Ele era um defesa fantástico, tinha uma canhota… Nesse jogo empatamos 1-1 e a assistência para o Sousa é minha, fiz um cruzamento atrasado.

    BnR: Soube por alguns jogadores do plantel dessa época que antes da final da Taça ninguém no clube acreditava na vitória e por isso não havia nenhuma celebração preparada, nem autocarro ou sequer tshirts comemorativas. Confirmas?

    AM: É, não havia. A organização também era diferente mas não há dúvida que as pessoas não pensavam que íamos ganhar. Mas os adeptos do Benfica acreditam sempre e eu, como tenho bastante experiência em finais da Taça de Portugal como jogador pois ganhámos as quatro finais que jogámos, tentei passar isso aos jogadores. Os adeptos do Benfica acreditam muito na equipa e o Benfica é muito forte naquele estádio. Jogar no Estádio Nacional só o Benfica é que sabe, é raríssimo perder jogos. Aliás, ali só perdi uma vez e foi como treinador, no ano do Trapattoni.

    BnR: A final com o Vitória de Setúbal certo?

    AM: Sim. O Benfica não podia perder aquele jogo, mas perdeu…

    BnR: O que achas que explica essa derrota?

    AM: As facilidades que existiram durante essa semana complicaram, houve ali exageros. Eu sempre disse que devíamos ir para estágio mais cedo mas são coisas que acontecem. O Benfica não ganhava um campeonato há onze anos, foi um jejum muito longo, e os jogadores dispararam, libertaram-se. E também temos azar nos golos que sofremos, num deles a bola bate num defesa e engana o Moreira. Nem devia ter jogado ele, o Quim é que era o titular. O Bento dizia uma coisa e tem razão: um guarda-redes que só treine, não está em forma para o jogo. No jogo a baliza é a mesma que no treino, mas os reflexos são diferentes, a pressão, o adversário é diferente e não são os colegas que conhecemos bem. O Moreira é um grande guarda-redes mas tínhamos que dar continuidade aos mesmos que estavam em forma e o Quim nessa altura era o titular e merecia ter jogado.

    BnR: Em 2005, o Benfica é campeão nacional quebrando um jejum de onze anos. Como explicas essa vitória?

    AM: A força e o acreditar dos adeptos. Foram eles os grandes obreiros, os grandes campeões, no fundo. Porque eles sabiam que a equipa… tínhamos bons jogadores, tínhamos um bom 11 mas não era dos melhores plantéis que já tivemos. Mas tínhamos qualidade, aliás alguns jogadores do Benfica de 2005 tinham lugar nesta equipa.

    BnR: Quem?

    AM: Simão, Geovanni, Nuno Gomes, o próprio Petit, o Manuel Fernandes. O Miguel na direita, o Dos Santos e o Fyssas, dois laterais esquerdos de grande qualidade.

    BnR: Como descreverias a caminhada rumo ao título?

    AM: Foi uma caminhada de espírito de sacrifício, de humildade, de querer, do acreditar. E quem é que nos obriga a acreditar que vamos ser campeões? Foi aquela gente que está na bancada, aqueles fanáticos, a claque que era uma coisa impressionante, eles parecia que estavam dentro de campo. E depois tivemos a estrelinha da sorte mas também fizemos por isso. Eu penso que houve ali da parte da estrutura uma força grande dentro do balneário, jogadores, treinadores. E claro, as pessoas de fora. Houve assobios mas eu dizia sempre aos jogadores “Não liguem aos assobios, esses assobios é a puxar por vocês”. E eles diziam “Então mister, assim?”. Eu respondia-lhes “É mesmo assim, eles estão a puxar por vocês e querem o golo. Sigam em frente”.

    BnR: Qual era o ponto forte do Trapattoni?

    AM: A parte psicológica. Ele liderou a equipa e, pela experiência dele, foi o técnico que mais me ajudou a crescer como treinador. Se eu o tenho conhecido uns anos antes não teria cometido alguns erros que cometi. Mas o Trapattoni soube lidar com os jogadores, teve a felicidade, e ninguém me convence do contrário e se o disse está a mentir, de ter um adjunto que o ajudou a ser campeão. Se ele tivesse um adjunto mafioso, sem conhecimentos, sem ter experiência de treinador… um treinador adjunto tem que estar no bom e no pior, nos momentos menos bons tem que estar ao lado do seu chefe. Guardo boas recordações dele porque almoçávamos algumas vezes, praticamente jantávamos todos os dias e eu levava-o a dois restaurantes de amigos meus.

    Trapattoni foi o técnico que mais ajudou Álvaro Magalhães a crescer como treinador
    Fonte: Álvaro Magalhães

    BnR: Sei que foste tu que deste a alcunha de “Soneca” ao Geovanni, como surgiu?

    AM: O Sonequinha (risos). Gosto tanto dele, grande jogador. Fisicamente era um jogador fortíssimo, tecnicamente e taticamente também, era muito completo. No Brasil o futebol é um bocadinho diferente e ele lá jogava a falso ponta-de-lança, porque ele é um jogador de velocidade. Um jogador de velocidade, muitas vezes, tem pouca resistência. Ele fazia muitos picos e tinha alguma dificuldade… quando arrancava, depois voltava a passo. E eu dizia “Então, oh Soneca? Parece que estás com sono”.

    BnR: E como lidavam os outros treinadores com isso?

    AM: O Trapattoni tinha alguma dificuldade, às vezes aos cinco minutos queria tirá-lo. Dizia-me “Oh Álvaro, ele não está em condições. Deu dois picos e já está cansado”. Eu dizia ao Trapattoni que o Geovanni era um soneca, é sono mas ele vai já arrancar outra vez e num minuto muda de velocidade. Um médio-ala, os treinadores normalmente querem que vá à frente cruzar mas depois tem de vir atrás defender. Mas ele fazia isso, só que ao ritmo dele. E o Trapattoni depois deu-me razão.

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