«Jorge Costa, Domingos Paciência e André Villas-Boas têm uma coisa em comum: são treinadores com forte carácter» – Entrevista BnR com Modou Sougou

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    Senegalês e fã de um dos melhores camaroneses da história do desporto-rei. Desporto esse que continua, já de botas penduradas – com 72 golos marcados no couro das mesmas -, a ocupar-lhe o tempo, a cabeça e o coração. Conheceu Setúbal, Leiria e Coimbra, pisou palcos europeus e mundiais, ouviu os hinos da Liga dos Campeões e da Taça UEFA e tem muito para dizer sobre e aos jovens jogadores. Fala com carinho de Domingos Paciência, Jorge Costa e André Villas-Boas e com preocupação de algumas decisões dos jovens que sonham ser futebolistas de elite. De elite foi mesmo o que teve para nos contar, numa entrevista que tanto peca pela quantidade do que ainda havia para dizer, como preza pela qualidade do que foi dito. Leitores BnR, eis Modou Sougou.

    «QUANDO CHEGUEI À ACADÉMICA NÃO SABIA ONDE ME IA METER»

    Bola na Rede: Boa noite, Sougou! Vai desculpar-me, mas a primeira pergunta, sendo eu de Coimbra, tem mesmo de ser esta: tem saudades da Académica?

    Modou Sougou: Boa noite! Sim, tenho saudades, porque a Académica é a equipa onde joguei mais tempo na minha carreira. Eu fiz três anos em Coimbra e nas outras equipas, na minha carreira, eu fiquei um ano ou dois. O meu primeiro filho nasceu lá também. Tenho uma afeição com o clube, quando vou a Portugal costumo passar lá para matar saudades e sigo a equipa.

    Bola na Rede: Agora num período mais difícil…

    Modou Sougou: Sim, está um pouco mais em baixo, mas é assim.

    Bola na Rede: A verdade é que foi na Académica que disputou mais jogos do que em qualquer outro clube e foi também com a camisola da Briosa que fez mais golos: foram 23 golos em 98 jogos, de um total de 72 tentos em 385 jogos. O clube onde mais marcou foi o clube que mais o marcou?

    Modou Sougou: A Académica foi um dos clubes que mais marcou, mas também o Cluj. Quando saí da Académica, fui para o Cluj e foi o clube onde joguei menos tempo – um ano -, mas foi o clube onde ganhei o campeonato. Ganhei o campeonato e tive a possibilidade de jogar a Liga dos Campeões. Foi outra história, mas em termos de afeição que posso ter por uma camisola, a Académica é um dos clubes que me marcou.

    Bola na Rede: Eu ia pegar no Cluj mais à frente, mas já que falou no clube romeno, vamos já a ele. Acabou por ser lá que conquistou o título de campeão nacional, que acabaria por ser o único registo no seu palmarés em termos de troféu. Como foi viver essa conquista, num dos clubes mais históricos da Roménia e onde a festa costuma ser bastante interessante?

    Modou Sougou: Quando cheguei à Académica, não sabia onde me ia meter. Quando saí de Leiria, não sabia muitas coisas de Coimbra. Fui porque o Domingos Paciência foi meu treinador em Leiria e queria que eu trabalhasse com ele em Coimbra. O primeiro passo foi isso, em relação ao treinador. Depois, quando cheguei lá, a forma como as pessoas me adotaram, como gostaram de mim, isso pesou na balança. Eu sou uma pessoa emotiva, que funciona com afeição. Os três anos que fiquei lá foram por causa disso. Tive sempre a possibilidade de sair, para a Turquia ou para outro país, mesmo para a China, mas estava sempre focado na Académica. Depois, a possibilidade deu-se de ir para o Cluj, mas o presidente queria que eu ficasse mais um ano. Eu fiquei, não saí em janeiro. Depois, quando fui para o Cluj, foi por ser um bom projeto. Foi um projeto ambicioso, para tentar conquistar mais coisas e também pela possibilidade de jogar Champions. Vencer o campeonato foi das melhores coisas que passei na minha carreira, mas a possibilidade de jogar Liga dos Campeões é a possibilidade de jogar grandes jogos, como contra o Manchester United, o Galatasaray, jogámos contra o Braga também. Jogar Liga dos Campeões contra um clube português deu mais sabor a tudo isso. Foi uma excelente experiência.

    Bola na Rede: Antes de seguirmos por temas de que falou agora, queria pegar em algumas das suas memórias em Portugal. O seu primeiro clube em Portugal foi…

    Modou Sougou: O meu primeiro clube em Portugal foi a União de Leiria. Quando acabei a formação, a União de Leiria foi por quem joguei no meu primeiro ano de contrato. Mas eu não estava a jogar, era jovem, acho que fiz oito jogos na época, duas vezes como titular e seis vezes como suplente. Depois disso, apareceu o projeto do Vitória FC, porque eles tinham ganho a Taça de Portugal e eu tinha a possibilidade de jogar a Liga Europa [então Taça UEFA].

    Bola na Rede: Em Setúbal, o primeiro jogo da época foi a Supertaça, contra o SL Benfica. O SL Benfica acabou por ganhar por 1-0, mas pergunto-lhe como foi essa experiência. Foi titular, jogou os noventa minutos e acabou por não ganhar, mas começar a época contra um histórico numa Supertaça ao chegar a um clube novo deve ter sido um impacto grande.

    Modou Sougou: Quando o Vitória FC me contratou fez um equilíbrio. Tinha jogadores experientes com alguns jovens, como eu, o Carlitos, o Varela, o José Fonte. Era uma mistura de jogadores jovens com jogadores experientes. O plano era primeiro dar continuidade a esses jogadores experientes, que vinham de ganhar a Taça de Portugal e, depois, dar oportunidade aos jogadores mais jovens. Quando eu cheguei, era o Pedro Oliveira quem estava para jogar pela direita, mas ele ficou lesionado. Fomos a um torneio ibérico, de pré-época. Nesse torneio, fui o melhor jogador e ganhámos a final contra o Bétis de Sevilha. Depois, jogámos a Supertaça contra o Benfica e eu fui titular e não saí da equipa. A partir daí, estava a viver um sonho. Eu não estava a acreditar no que estava a acontecer, tudo isso aconteceu muito rápido. De uma maneira, eu não estava tão preparado para isso, mas por outro lado estava a viver um sonho de criança. Estava a aproveitar a oportunidade que estava a ter. Só aproveitar.

    Bola na Rede: Nessa altura, o apoio que teve foi importante? Era jovem, está a viver tudo isso, às vezes não há muita noção… Como é que um jovem que é titular numa Supertaça frente ao Benfica, agarra o lugar e ao mesmo tempo ainda está a tentar perceber “isto não é um sonho, é realidade” gere essas emoções, ainda para mais num país que não é o seu?

    Modou Sougou: Eu acho que o perfil do treinador ajudou muito. O treinador era o Norton de Matos e ele fez um acompanhamento… Ele sabe lidar com um jogador jovem. O que ele fez foi muito bom para nos dar confiança, mais responsabilidade, para nos sentirmos úteis, sem sentirmos pressão. Ele sabe tirar a pressão ao jogador jovem. Isso ajudou bastante. E é também não hesitar, dar a oportunidade ao jogador mais jovem. Tinha também uma colónia de jogadores franceses. O atual treinador-adjunto do FC Porto Siramana Dembelé estava lá, o Tchomogo… Estavam alguns jogadores franceses, esse ambiente também ajudou muito.

    Bola na Rede: Nessa época, estava bem, tinha esse grupo de apoio também. Passar para Leiria foi uma decisão sua?

    Modou Sougou: Em Setúbal, estava bem. Nessa época jogámos a final da Taça de Portugal, contra o FC Porto, que perdemos, contra essa grande equipa do FC Porto de Co Adriaanse. Perdemos esse jogo, mas estava bem. O problema é que o Vitória FC nesse período tinha problemas financeiros, tinha problemas para pagar salários. Às vezes, podíamos ficar seis meses sem receber salário. Ficar lá era difícil, por causa desse problema financeiro. Depois, quando a União de Leiria puxou pelo meu regresso, eu decidi que só havia uma equipa para onde iria e fui para Leiria. Fiz lá duas épocas e foi lá que joguei com regularidade e depois saí de Leiria e fui para Coimbra.

    Bola na Rede: Sentiu que estava a percorrer um caminho a crescer? Em termos de golos notou-se.

    Modou Sougou: Sim, eu era jovem, mas eu sempre tive essa ambição. Para sair de uma equipa para outra equipa, tinha de gostar do projeto desportivo dessa outra equipa. Quando saí de Setúbal para ir para Leiria, a União estava a tentar montar uma boa equipa, com muitos jogadores emprestados pelo FC Porto. Tinha uma boa fonte de jogadores e era um bom projeto. Acho que fizemos um excelente campeonato. Quando saio para ir para Coimbra, a Académica estava a começar a montar também uma boa equipa. Começou a crescer, a montar uma boa equipa, sempre com grandes treinadores, Domingos Paciência, Jorge Costa, André Villas-Boas. Isso mostrava a ambição que tinha a Académica, era um bom projeto desportivo.

    Bola na Rede: Então, a forma de o cativar foi sempre pelo lado emocional, dos adeptos, e pela parte desportiva. Para tentar contratá-lo teria sempre de se apostar nesse lado e tentar dizer-lhe “nós temos um projeto interessante e queremos que faças parte dele” e não tanto acenar com dinheiro…

    Modou Sougou: Eu já saí de uma equipa para outra a perder dinheiro. Quando saí de Leiria para ir para Setúbal, estava a ganhar menos. Só que quando és mais jovem, estás sempre a pensar no lado desportivo. Nesse momento, não tens crianças, não estás casado e o salário não é o mais importante. O importante é estares numa equipa ambiciosa.

    Bola na Rede: Sente que isso agora se tem perdido um pouco? Agora vemos jovens a tomarem decisões de carreira que desportivamente parecem não fazer muito sentido, mas vão para clubes onde os salários são gigantescos e acabam por se perder em empréstimos.

    Modou Sougou: Eu agora sou treinador e a mensagem que se dá às crianças é saber tomar decisões. Para mim, é importante uma pessoa que toma a decisão certa. Os jogadores devem ter essa curiosidade, para controlar as coisas, para saber o mínimo. Para mim, para montar um caminho, a parte inicial é decidir onde é que tu queres chegar. E esse caminho por onde vai passar? Tu tens de saber isso, não vais deixar outras pessoas decidir. Por vezes são pessoas que nunca foram jogadores, são pessoas de negócios. Isso faz mal ao futebol.

    Bola na Rede: Esse trabalho com os jogadores começa em que idade? Quando é que se diz à criança “vai haver uma altura em que vais ter de tomar uma decisão e tens de estar preparado para isso”?

    Modou Sougou: Quando estás a formar um jogador, não é só o jogador que estás a formar. Tens de formar também o homem. Não são só as decisões desportivas, são também as decisões da vida. Tem de se formar uma pessoa, formar para ser homem, para tomar decisões, para pensar, analisar, sabes? Isso faz parte de uma pessoa. Mesmo as pessoas que trabalham contigo são empresários, são pessoas que te vão dar conselhos. Tu tens de ouvir a opinião de “A”, “B” e “C”. Isso vai ajudar a tomar decisões. Quando ouves as pessoas, isso não quer dizer que elas vão tomar a decisão no teu lugar. Eu, por exemplo, na minha carreira, sempre falei com o meu empresário. Depois de ouvir a estratégia dele, eu decidia se tinha sentido. Tu pensas “ok, isto tem sentido, isto convence-me”, mas se não tem sentido ele tem de te dar uma coisa mais concreta, mais agradável. Tem de ser assim.

    Bola na Rede: Sente que hoje é um bocado mais difícil, com redes sociais, em que um miúdo de 18 anos já é o próximo Ronaldo ou Messi e parece que há tanto em volta dele que ele não consegue tomar a decisão certa?

    Modou Sougou: Hoje, os jogadores jovens querem dançar mais rápido que a música. Têm de ter paciência, têm de ter uma base. As bases vão condicionar o teu amanhã. O problema é que o mais importante não é o destino, é o caminho por onde vais passar. É isso. Não é a velocidade. Uma carreira é uma corrida de maratona. Tens de ter as coisas pensadas: a forma de correr, a tua trajetória. Uma carreira é sempre assim. Às vezes, é melhor começar num clube de menos cotação, mas onde vais crescer, vais jogar e depois, quando estiveres pronto, por que não? Alguns jovens saem do seu país, para Inglaterra por exemplo, com um salário quadruplicado, mas vão lá e a integração vai ser difícil, não falas inglês, a comida é diferente. Em Inglaterra, às 18h30 vão jantar. Às 18h30 vais jantar. É uma adaptação tudo isso. Um jovem de 17 anos que não está pronto vai lá e vai ficar perdido. Se a mentalidade não for assim tão forte, vai ficar perdido.

    Bola na Rede: Algo que eu sinto agora é que um jogador de 23 anos antes era jovem. Hoje, vemos Bellingham com 20 anos a jogar assim e parece que há jogadores que pensam “se eu aos 21 anos não estou naquele clube já não vou chegar lá”. Às vezes, falta essa paciência para perceber “eu tenho 21 anos, tenho tempo para continuar a minha carreira, não tenho que, aos 21 anos, estar onde está o Bellingham ou Mbappé”. Falta essa paciência para perceber isso?

    Modou Sougou: O futebol está sempre a mudar. E está a mudar a uma velocidade muito elevada. Há mais dinheiro, há mais tecnologia, há mais reflexão para fazer com que o jogador renda melhor. Há muita produção do jogador. Há muitas academias. Há muitos jogos também. Há jogadores que estão preparados para isso, mas não são muitos. São jogadores do top. Mas 60% ou 70% não estão preparados para isso. Precisam de tempo, precisam de paciência.

    «PARA MIM, FRANÇA É A NÚMERO UM EM FORMAÇÃO NO MUNDO»

    Bola na Rede: E, de resto, o Sougou está a trabalhar com jogadores jovens, aí em França. França tem apresentando um número muito grande de talentos, já há pelo menos dez anos que temos sempre gerações de muita qualidade. Depois, alguns jogadores acabam por se perder, outros não. Vemos o caso do PSG, que por vezes aproveita os seus jovens, outras vezes estes andam em empréstimos sucessivos. Agora que está mais por dentro dessa parte de trabalhar com jovens jogadores, sente que isso é feito, que há algo de concreto que é feito para que mais jogadores cheguem a esses patamares? Pelo menos em França, nota que há mais capacidade para mais jogadores estarem mais prontos?

    Modou Sougou: Isso é uma tradição em França. França é um país de formação. A formação aqui, para mim, é das melhores do mundo. Já estive em vários países e, para mim, França é a número um em formação no mundo. Porque aqui há pré-formação, formação e depois vais para profissional. França prepara a formação e tem esse lado de perceber “como é que está o futebol agora?”. O futebol precisa do jogador muito forte, muito rápido. Vai saltar muito alto, vai correr muito rápido, vai chutar muito forte. Essa é a marca de fabrico da França. Por isso é que os países como Inglaterra, Alemanha, Itália vêm sempre buscar jogadores aqui aos clubes. França não tem esse problema. A única coisa que França tem é que os miúdos vão chegar a profissionais, mas quando chegam, mais de metade vai para fora. Mas quem aposta por ficar aqui, tem mais probabilidade de fazer carreira. Esse é o problema que França tem, manter os jogadores. Às vezes, é a família também, porque muitos jogadores têm famílias que não estão bem financeiramente e o miúdo assina logo aos 18 anos ou 17 anos um contrato na Alemanha ou outro país. Nós assinámos com um ponta de lança de 17 anos e vendemos por 6,5 milhões de euros. Foi a melhor venda do clube. Não é do clube profissional, é da formação. Vendemos a um clube da Bélgica que ia jogar Liga dos Campeões. Por isso, às vezes é o clube também, que precisa disso para viver, senão é difícil. Eu percebo esse lado, é a parte do negócio. Mas França em formação é dos melhores. E mesmo aqui não é fácil, porque muitos jogadores vão chegar à porta da equipa principal e não vão assinar um contrato profissional. Vão ficar no mundo amador. Lembras-te do Aly Cissokho, que jogou no FC Porto? Ele ficou no mundo amador, lá em Setúbal. É assim. Há muitos casos “Cissokho” em França.

    Bola na Rede: Nesse caminho, para que não se percam tantos jovens, quem é a pessoa mais importante: os treinadores que estão com eles, a família?

    Modou Sougou: É em conjunto. Na formação, o clube precisa de muita coisa, porque o jogador só vai treinar. Aqui em França, há 35 academias profissionais. São como a academia do Sporting ou do Benfica, há 35 assim em França. É uma coisa em grande. Em Portugal tu vês academias? Não, vês FC Porto, Benfica, Sporting, Vitória SC, Braga, mas depois não há mais.

    Bola na Rede: Sim, agora o Famalicão está a crescer nesse aspeto, mas mesmo assim são seis, não passa disso.

    Modou Sougou: Sim. Nós, no Amiens, por exemplo, temos 90 jogadores na academia. Para veres, na tabela das 35 academias, a do Amiens está do meio para baixo. Mas voltando à pergunta, para mim é um trabalho conjunto. Os clubes vão ter de conciliar o lado campo e lado fora do campo. E por vezes o problema é o lado fora do campo. Porque a última decisão, às vezes, vem de fora do campo, vem da família, vem do grupo de empresários que acompanham o miúdo. Se não dão um bom conselho, às vezes é um problema.

    Bola na Rede: Nesse sentido, o St. Pauli, um clube alemão, anunciou esta época que ia deixar de trabalhar com agentes de jogadores jovens, miúdos ainda. É uma medida demasiado radical ou é preciso começar a fazer isso?

    Modou Sougou: Não sei, mas, para mim, isso é o problema maior dos clubes, porque o clube não tem o controlo total do miúdo. Às vezes, um miúdo, se não percebe a mensagem, nunca vai ter resultados. O miúdo faz o “A” e de foram dizem “não, faz o ´B´”. Assim, é muito difícil. Muitos clubes entram em conflito com a entourage dos miúdos e isso afeta o rendimento, afeta o crescimento. Mesmo no recrutamento dos miúdos, às vezes, já perguntam quem é o empresário e o jogador diz “ah, é este” e os clubes dizem que não vão recrutar, porque daqui a dois anos sabem que vai dar problemas. Isso não é bom, porque, por vezes, o miúdo tem valor, tem qualidade.

    Bola na Rede: Como treinador dos escalões jovens já teve alguma dessas experiências desagradáveis?

    Modou Sougou: Nós temos de tentar fazer muito trabalho com o miúdo. Temos de tentar no mínimo nos momentos em que está connosco. Tentar ajudar o miúdo a cortar essa parte de fora do campo e ajudá-lo a tomar decisões. Mas tem um momento certo de avaliação do miúdo. Ele quando vai avaliar, vai avaliar com os pais e com o empresário. Nós apresentamos o plano que temos para o jogador. Depois, dizem-te que o miúdo não jogou tanto, que merecia ter essa oportunidade, que merecia ter treinado algumas vezes com a equipa profissional, percebes? Perguntam porque mandámos um jovem treinar com a equipa principal e não mandámos o outro. Nós focamos sempre no resultado desportivo do jovem, mas eles não e dizem que se o resultado não foi o que eles queriam se calhar vão tirar o miúdo. O maior problema é que os contratos que os jovens da formação têm são mais fáceis de rescindir, por isso os clubes não estão protegidos. É esse o problema.

    Fonte: Sheffield Wednesday

    Bola na Rede: Bom, podíamos falar muito mais sobre isto, mas queria voltar a focar-me também na sua carreira. Há pouco falámos da carreira do Sougou por clubes, agora gostava de olhar para as competições que disputou. Jogou Liga dos Campeões, pelo Cluj, jogou FA Cup, pelo Sheffield Wednesday, jogou Taça UEFA, jogou Ligue 1, pelo Marselha, um histórico francês e europeu, jogu CAN, pelo Senegal, jogou Liga dos Campeões da Ásia… No meio de todas estas competições, há alguma que tenha sido mais especial?

    Modou Sougou: Eu tenho uma afeição com a Liga dos Campeões. O que eu senti no primeiro jogo de Liga dos Campeões foi algo que eu nunca senti na minha vida. Para mim, jogar algo como a CAN pelo teu país também é grandioso. Mas, na minha opinião, um jogador que fez toda a carreira sem jogar Liga dos Campeões… faltou alguma coisa. A Champions é o top do top do futebol.

    «O QUE A CHINA FEZ É O QUE A ARÁBIA SAUDITA ESTÁ A TENTAR FAZER»

    Bola na Rede: Pessoalmente, concordo, acho que se um jogador não tem o sonho de jogar na Liga dos Campeões algo de estranho está a acontecer, mas, agora com o surgimento da Arábia Saudita, a Liga dos Campeões pode perder esse peso e os jogadores pensarem já noutras coisas e não tanto na Champions?

    Modou Sougou: Não. Vou-te dizer uma coisa: a Liga dos Campeões não vai perder o interesse, é muito difícil. A Arábia Saudita tem outro poder financeiro, eu percebo. É como a China, o que a China fez é o que Arábia Saudita está a tentar fazer, mas a competitividade da Liga dos Campeões fica acima disso. Não se pode comparar um jogo de Champions de alto nível com outro jogo. Não dá. O Real Madrid contra o Manchester City ou o Real Madrid com o Chelsea ou o PSG com o Bayern na Liga dos Campeões, mesmo quando vês pela televisão, o jogo parece que passa em dez minutos. É o melhor torneio que há no futebol, na minha opinião.

    Bola na Rede: E olhando não apenas para a Liga dos Campeões, mas para a generalidade dos campeonatos europeus, queria pegar nas diferenças que têm para campeonatos fora da Europa. O Sougou ainda jogou no Mumbai City, da Índia, num campeonato mais periférico. Nessa passagem por Mumbai, encontrou muitos contrastes com o que tinha vivido na Europa, em termos de condições de jogo, da forma como os adeptos vivem o futebol? Foi uma diferença muito grande?

    Modou Sougou: Não posso dizer que há muitas diferenças, porque na Ásia o futebol está a crescer muito, está a crescer bastante. O City Group é dono do Mumbai City e isso diz muito. A Ásia está a começar a ter muitas academias, estão a contratar muitos treinadores estrangeiros, jogadores estrangeiros. Jogar na Ásia é estar mais ou menos na mesma condição de aqui. Um estrangeiro vai jogar para lá um ano ou dois e vive o tempo todo num hotel, em excelentes condições, tem motorista privado. As condições são boas. E depois é um país exótico, tem muito para descobrir, os costumes… Isso para mim faz parte também.

    Bola na Rede: E o nível da Liga Indiana já era competitivo?

    Modou Sougou: Sim, era um nível competitivo. Mas quando assinei para ir para lá, não sabia bem como era. Lá há muita humidade. Tu vais suar muito, vais perder muita água, é muito difícil. No primeiro jogo, eu falei com o Paulo Machado e dissemos “temos de treinar mais, senão vamos regressar a casa”. Na Índia, se não estás bem fisicamente, não jogas. Não se pode facilitar. Pensa-se que quando vais para lá as coisas vão ser mais fáceis, mas não são, é mais difícil. As condições são diferentes, o ar que respiras é diferente, por isso, a preparação é importante.

    Bola na Rede: Apesar disso, se os dados não me falham, foram 12 golos e, por isso, a nível pessoal, correu bem, pelo menos estatisticamente.

    Modou Sougou: Sim, sim, correu bem, gostei da experiência. O período que passei lá, com o treinador Jorge Costa, foi muito, muito bom. Eles gostaram de nós, dos estrangeiros que foram para lá – eu, o Paulo Machado….

    Bola na Rede: E quando ainda estava na Europa e andava pelo Cluj, pelo Marselha, isso era algo que pensava que viria a acontecer, que mais para o final da carreira gostaria de experimentar algo fora da Europa, ou foi algo que surgiu apenas no momento?

    Modou Sougou: Na minha cabeça, eu pensava que ia acabar nos países árabes, por causa da minha lesão. Eu gostava de acabar nos países árabes para ficar mais perto de casa. Depois, surgiu a hipótese de ir para Mumbai por causa do Jorge Costa. Eu trabalhei com ele na Académica e no Cluj e quando ele me ligou eu estava para assinar por uma equipa em França. Mas ele ligou e eu disse “ok, eu vou”.

    Bola na Rede: Já é a segunda boa ligação com treinadores de que me falou. Já falou de Domingos Paciência, agora de Jorge Costa.

    Modou Sougou: Eu tenho uma boa ligação com alguns treinadores. Mesmo agora continuo a ter contacto com o Jorge Costa, com o Domingos Paciência, mesmo o André Villas-Boas, eu falo com eles. No meu aniversário mandam-me mensagem. Eu continuo a ter contacto com os treinadores que me marcaram.

    Bola na Rede: E, na altura, essa relação funcionava bem porque havia respeito pela figura do treinador? Parece que por vezes há jogadores que têm um peso no balneário muito superior ao do treinador e se calhar nessa altura não acontecia tanto isso e o jogador respeitava a autoridade do treinador. Hoje, vemos que se a corda tiver de partir, parte do lado do treinador. Nota essa diferença?

    Modou Sougou: Não sei, para mim depende também das características do treinador. Têm de ter carácter, têm de saber como vão mandar no clube. Os três treinadores de que te falei têm uma coisa em comum: são treinadores com forte carácter. Têm um carácter muito forte. São treinadores que vão dar a vida pelo jogador, para o bem dele. Mas, em contrapartida, tu tens de jogar bem, tens de trabalhar muito e bem. Senão, não dá. Os três de que te falei vão fazer de tudo para que tu fiques bem. Se tens um problema fora do futebol, eles vão resolver, percebes? Mas tens de ser profissional, tens de trabalhar bem.

    Bola na Rede: Algum desses três treinadores é o seu modelo de treinador, agora que é também técnico?

    Modou Sougou: Esses três treinadores são diferentes. Eu usei como referência coisas de cada um. Também aqui em França eu tenho treinadores que me marcaram, como o Didier Deschamps, por exemplo. Esses são os quatro treinadores que marcaram a minha carreira, mas são todos diferentes e não me posso identificar só com um. E tenho a minha própria visão do futebol também, a forma de trabalhar, de pensar a competição.

    «TENHO SEMPRE COMO EXEMPLO A CARREIRA DO CRISTIANO RONALDO»

    Bola na Rede: E como jogador, tinha algum jogador-modelo?

    Modou Sougou: Gostei muito do Samuel Eto´o, quando ele estava no Barcelona. Também sempre como exemplo a carreira do Cristiano Ronaldo, essa longevidade que ele tem, essa regularidade. Eu, como treinador, é isso que vou usar como exemplo para os miúdos: regularidade. O futebol é quanto tempo consegues aguentar essa regularidade ao alto nível, regularidade ao nível das exibições. Porque isso é o mais difícil. É fácil ter um muito bom jogo. Às vezes, o jogo vira para ti e tu fazes um excelente jogo. No jogo seguinte, os defesas da outra equipa vão tomar mais cuidado contigo. Como é que vais aguentar para continuar nesse patamar? O Ronaldo está há 15 anos ou algo assim, não sei quanto tempo ele está neste patamar. É como o Messi. É isso que eu tenho de dizer aos miúdos, como ter essa regularidade de ir de grande exibição em grande exibição.

    Bola na Rede: Isso entronca também naquilo que falávamos das decisões fora de campo, não é? Vimos que o Ronaldo sempre teve decisões fora de campo que contribuíram para essa regularidade.

    Modou Sougou: Sim, não há segredo. É trabalho. O trabalho bate o talento. Com o talento pode sair um jogo excecional, mas se não há trabalho, não há regularidade. Se trabalhares, vais ter regularidade. Na formação, vês um jogador que tem muito talento por natureza, tem uma coisa que Deus lhe deu, nasceu assim, tem facilidade no chuto, está avançado morfologicamente em relação aos outros… Se ele não trabalha, não vai chegar lá. Outro miúdo, que tem mais dificuldade, o jogo não sai bem, mas vês que ele está a trabalhar, tem um processo de aprendizagem melhor do que o do outro… Eu vou apostar no que tem menos talento, mas trabalha e não no que tem talento, mas não trabalha.

    Bola na Rede: Sougou, para concluirmos, falávamos das decisões dos jovens jogadores, mas os jovens treinadores também têm de tomar decisões. Por isso, pergunto-lhe quais são os próximos passos na sua carreira?

    Modou Sougou: Estou numa fase também de me formar. Eu não sei o que vai ser o meu amanhã, mas ambiciono treinar a alto nível, não ficar aqui, porque eu conheço o futebol de alto nível, o futebol de jogar para ganhar, percebes? Isso é o futebol. Mas passo a passo, não quero fazer as coisas rápido. Pretendo formar-me e posso ser um treinador bom.

    Bola na Rede: Agora sim para terminar, colocava-lhe uma questão simples – ou talvez não. Se pudesse, agora como treinador, escolher um de dois caminhos: um que o leva a ser selecionador do seu país ou outro que o leva a ser treinador de uma equipa de Liga dos Campeões – e só podendo escolher um – qual seria?

    Modou Sougou: Para mim, treinar uma equipa de Champions. Para mim, é isso. Tu podes treinar o teu país sem ser um treinador de top. Mas para treinares uma equipa de Champions tens de ser um treinador de top. Depois, para treinar o país há tempo. Primeiro, tenho de me afirmar nos clubes e depois logo se vê, mas tenho uma forte conexão com o meu país.

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    Márcio Francisco Paiva
    Márcio Francisco Paivahttp://www.bolanarede.pt
    O desporto bem praticado fascina-o, o jornalismo bem feito extasia-o. É apaixonado (ou doente, se quiserem, é quase igual – um apaixonado apenas comete mais loucuras) pelo SL Benfica e por tudo o que envolve o clube: modalidades, futebol de formação, futebol sénior. Por ser fascinado por desporto bem praticado, segue com especial atenção a NBA, a Premier League, os majors de Snooker, os Grand Slams de ténis, o campeonato espanhol de futsal e diversas competições europeias e mundiais de futebol e futsal. Quando está aborrecido, vê qualquer desporto. Quando está mesmo, mesmo aborrecido, pratica desporto. Sozinho. E perde.