«Era dos poucos avançados portugueses que fazia golos na Europa e não tive muito mais reconhecimento» – Entrevista BnR com João Paiva

    João Paiva foi um dos muitos jogadores portugueses que fizeram a sua carreira pela Europa. O antigo avançado destacou-se no futebol suíço, num campeonato bastante competitivo. Porém, muito antes disso, integrou as seleções jovens de Portugal, conquistando o Campeonato da Europa Sub-16, junto a outros nomes importantes do futebol nacional. Retirado de dentro dos relvados, é hoje um jovem treinador e recebeu o Bola na Rede, para uma conversa sobre a sua carreira e sobre o mundo do futebol.

    «Para mim foi um prazer extra poder ir para o Sporting, porque era o meu clube de coração, da minha família»

    BnR: Começou a sua etapa formativa no Olivais e Moscavide e depois passou para o Sporting CP. Como foi realizar a formação num dos grandes de Portugal e da Europa?

    João Paiva: Fazer a minha formação no Sporting, não só pelo facto de ser uma escola de futebol de elite e que tem melhorado ao longo dos anos, foi espetacular. Já no meu tempo tive acesso a, como jogador, treinar com os bons treinadores da altura, que eram dos melhores que havia, como também a possibilidade de jogar com outros atletas com muito talento. Essa também é uma grande vantagem. Quando comecei no Olivais e Moscavide tínhamos por sorte uma geração muito simpática nos infantis, inclusivamente no campeonato distrital ficámos atrás do Benfica e do Sporting e muitos dos meus colegas depois foram para esses dois clubes, porque tínhamos miúdos com muita qualidade. No Sporting todos tinham qualidade. Já não eram só alguns, eram literalmente todos. Para mim foi um prazer extra poder ir para o Sporting, porque era o meu clube de coração, da minha família, do meu pai, do meu avô. Além de poder treinar com os melhores, aprender com grandes treinadores, tinha o prazer de jogar com a camisola verde e branca, algo que para um miúdo de 12 anos era fantástico. Foi uma experiência muito positiva, foram muito bons anos em Alvalade. Estive incluído no processo da mudança para a Academia de Alcochete e vi o Sporting crescer em termos de formação. Conseguimos ter jogadores de elevadíssima qualidade. A nossa geração era realmente fantástica, o apogeu de Cristiano Ronaldo, Hugo Viana, Ricardo Quaresma e outros como Miguel Garcia. Houve muitos jogadores da nossa geração que conseguiram fazer grandes carreiras e outros que não fizeram carreiras de topo, mas conseguiram singrar como atletas profissionais. Essa é que é a qualidade da formação de um bom clube, não só fazer estrelas, como o CR7, mas também fazerem outros jogadores que fizeram carreiras profissionais a um bom nível, neste caso, posso dar o meu exemplo como um jogador que não conseguiu chegar aos patamares de uma seleção nacional principal, mas que fez muitos anos em primeiras divisões e que ganhou títulos em outras divisões, que não as Big 5.

    BnR: Quem é que eram os seus ídolos na altura?

    João Paiva: Eu tinha um ídolo: Luís Figo. Era um jogador fantástico, também tinha jogado no Sporting e tinha ido para o Barcelona, para aquela Dream Team. Gostava muito dessa Dream Team, era muito apaixonado pela dupla de avançados, tanto Stoichkov, como Romário, mas como avançado, o jogador que eu mais gostei de ver jogar foi o Ronaldo Fenómeno. Não havia nenhum jogador que me desse mais prazer de ver. Lembro-me de uma festa de anos, tinha uns 12 ou 13 anos e enquanto toda a gente estava na festa eu fiquei a ver o Barcelona x Atlético de Madrid onde o Figo fez um golo e o Ronaldo fez três ou quatro. Se não fossem as lesões, o brasileiro tinha atingido outras coisas, porque era um fenómeno da natureza e era um jogador extremamente interessante. Como sportinguista, na altura, embora não tinha nada a ver com o meu estilo e a posição, era o Pedro Barbosa de quem gostava. Foi sempre um jogador especial, que tinha muito gosto em ver. Naturalmente que não era um jogador tão constante como outros que fizeram carreira, mas era excelente. A malta dizia “o Pedro não joga sempre bem”, mas eu gostava.

    «Foi a primeira vez que, como miúdos, tivemos que jogar perto da Faixa de Gaza, com bombardeamentos a dois ou três quilómetros».

    BnR: Fez parte da equipa vencedora do Campeonato da Europa Sub-16. Como foi fazer parte deste triunfo? Partilhou esse balneário com alguns jogadores do Sporting…

    João Paiva: Tínhamos alguns jogadores do Sporting. Essa seleção era muito boa. Tínhamos jogadores de outros clubes, do FC Porto, até mesmo do Boavista, que acabaram por parar ao FC Porto, como o Raul Meireles. Esse Campeonato da Europa foi fantástico. Foi em Israel, que já na altura tinha alguns problemas, mas não como os atuais. Para nós foi uma experiência complicada. Foi a primeira vez que, como miúdos, tivemos que jogar perto da Faixa de Gaza, com bombardeamentos a dois ou três quilómetros. Concentrámo-nos nas nossas carreiras e jogámos o Campeonato da Europa e a ver coisas de outro mundo, de outra realidade. O grupo foi excelente, havia temperaturas acima dos 30 graus, mas tivemos muito bem. A equipa era muito forte. Tivemos uma pontinha de sorte no duelo contra a Alemanha, que vencemos nas grandes penalidades e tivemos um Bruno Vale muito inspirado. Esta geração deu muito ao futebol português. Foi fantástico fazer parte de um grupo que foi campeão da Europa. É uma experiência única. Já não consegui ser como sénior e esse é um título que fica para sempre na memória.

    BnR: O João jogou no Sporting B e no CS Marítimo B. Acha que as equipas B são importantes para o desenvolvimento do jogador e do futebol português?

    João Paiva: As equipas B são muito importantes, até porque infelizmente para o futebol português e europeu, as equipas chamadas mais pequenas não têm a mesma estrutura profissional do que uma equipa grande. Uma equipa B, e dou o exemplo do Sporting na altura, embora acredite que agora seja melhor, era completamente profissional. Tínhamos excelentes treinadores, eram de formação e eram excelentes formadores. Tínhamos diretores de equipa, tínhamos bons relvados para treinar, tínhamos qualidade, talento. A intensidade do treino era de alto nível. Eramos jovens e não tínhamos experiencia de futebol sénior, mas esses fatores fazem com que a qualidade de treino seja muito alta. Infelizmente, porque o futebol europeu é assim, as equipas mais pequenas, como de Segunda Liga ou de Liga 3, não têm essas condições para oferecer aos jogadores, mesmo em termos financeiros. Por isso as equipas B continuam a ser uma plataforma importante para que esses jogadores, que são talentos, mas não são de Primeira ou Segunda Ligas, podem continuar a treinar numa alta gama e intensidade e com qualidade de treino que uma equipa de Terceira Liga não lhe pode oferecer, pois não têm condições para terem um treinador adjunto, um técnico de scouting. O futebol melhoraria se houvesse mais capacidade dessas equipas em terem esse tipo de pessoal, de staff e poderia trair também o talento. Infelizmente está tudo focado nos grandes, não só em Portugal. Eu lembro-me que há muitos anos atrás, o Inter de Milão tinha mais de 100 jogadores sob contrato. Significa que os pequenos ficam com as migalhas dos grandes e o futebol está a extremar-se. Nota-se que na Champions que começamos a ver resultados do estilo 7 ou 8 a 0, algo que há anos atrás não existia. Estão-se a extremar mais os pontos. Os melhores estão a tornar-se melhores e os outros sem fundos e acesso a jogadores bons. Deveriam existir umas reformas estruturais no futebol europeu, algo realizado pela UEFA e pela FIFA, para que os clubes que não pudessem ter acesso imediato ao talento, pudessem conseguir ter futuro no talento, bons jogadores, bom staff. Infelizmente não vai acontecer nos próximos tempos. E Portugal também se verifica isto. A qualidade do plantel do SL Benfica B, permitia a essa equipa jogar na Primeira Liga e provavelmente conseguiria aguentar-se nessa divisão. Tem um treinador que já esteve na Primeira Liga, o que mostra capacidade financeira. Nem todas teriam orçamento para pagar a Nélson Veríssimo. São fatores financeiros difíceis de alterar, como direitos televisivos. Na Premier League já não é assim, se bem que ainda existe alguma diferença. Mas os piores classificados têm igualmente grande capacidade. Os direitos televisivos são divididos. Tudo isso faz com que o campeonato seja melhor, seja a liga mais atrativa e que, por exemplo, o último classificado possa ter treinadores e jogadores de qualidade, investindo 20 ou mais milhões. Isto é algo que em Portugal apenas os Três Grandes conseguem. O SC Braga trabalha extremamente bem e continua com uma diferença grande para os Três Grandes. Isto faz com que não haja tanta competitividade no futebol português, o que faz com que não seja atrativo para mercados fora de Portugal. Para nós será sempre atrativo, afinal é o nosso campeonato. Vai ser difícil mudar paradigmas fixos no futebol europeu. Eu costumo dizer que o futebol é o melhor desporto que existe, mas é onde as cabeças são mais teimosas e ninguém quer mudar. As regras fazem com que o jogo se desenvolva menos em relação a outros desportos, nos últimos cem anos. Ninguém quer mudar nada.

    Sporting equipa de juvenis
    Fonte: Instagram Miguel Garcia

    BnR: Passou pelo SC Espinho e em 2005 viveu a sua primeira experiência no estrangeiro, ao representar o Apollon Limassol e mais tarde o AEK Larnaka. Porque rumou ao estrangeiro?

    João Paiva: Para explicar isso temos que voltar uns anos atrás, ainda em Portugal. Aconteceu uma situação no Sporting, na altura do Torneio de Toulon, que a nossa seleção conseguiu vencer. Esse torneio fez com que o processo de negociação com o Sporting não avançasse. Não interessa de quem é a culpa, não estou aqui a procurar dizer que a culpa foi o Sporting ou que foi o empresário A ou B ou C. Extremaram-se partes e eu achei que o Sporting não se tinha comportado tão bem comigo, depois de tantos anos em Alvalade e decidi mudar para o Marítimo, que foi uma escolha completamente péssima. Era um clube que tinha muita qualidade e tinha um grupo bom, fiz alguns amigos na Madeira, mas para quem vinha para um clube grande como o Sporting, depara-se com coisas que não têm nada a ver com o que tinha vivido e a mim custou-me ir para o Marítimo. Joguei pouco ou quase nada, fui encostado à equipa B. Esse não era o objetivo, se não tinha ficado no Sporting B. Fui emprestado ao Espinho porque foi a única hipótese que tinha de sair do Marítimo. Na carreira de um jogador por vezes têm que se arranjar estas soluções para sair de um contrato problemático. Na altura o mister Francisco Barão convidou-me para ir para o Espinho, era um projeto interessante. A verdade é que cheguei lá e passado duas semanas lesionei-me, fiz uma luxação no ombro e quando recuperei o mister Barão já lá não estava. No inverno chegámos a acordo para sair do Espinho, eram outras pessoas, mudaram o plantel quase todo no inverno e tinha que voltar ao Marítimo. Nesse processo o presidente portou-se bastante mal e cheguei a uma rescisão de contrato. Fiquei bastante magoado com as pessoas do futebol português e decidi sair. Estive em Espanha dois ou três meses a treinar com o Real Zaragoza, estive quase para assinar, mas o clube espanhol também tinha avançados fortes como o Milito e o Sávio e a concorrência era grande. A ideia foi de procurar um sítio onde pudesse jogar, já que não jogava há seis ou sete meses. Surgiu o Chipre, na altura um mercado novo para os portugueses. Fui um dos primeiros a ir para esse mercado, com o Ricardo Fernandes e o Hélio Pinto. Foi um passo excelente para mim, em termos pessoais, já que fui muito feliz. Em termos profissionais ficou sempre no ar que era uma liga inferior à portuguesa. Mesmo tendo sido campeão, tendo feito os golos que fiz, tendo ganho taças e afins, havia sempre o pensamento “ganhaste mas foi no Chipre”. Então tentei ir para uma liga mais competitiva. Quase que aconteceu ir para a Grécia e acabei por ir para a Suíça, onde fui bastante feliz e onde estive muito perto da Seleção Nacional, quando o mister Agostinho Oliveira era treinador. Fui chamado e fiquei no pick up. Se alguém se lesionasse eu teria ido à seleção. Falou um bocadinho de sorte em alguns momentos, para dar aquele clique para voltar a uma liga superior, como uma Bundesliga ou uma Serie A. Era preciso dar o passo na seleção e teria sido fantástico. Voltando ao Chipre, pessoalmente foi top, mas em termos de carreira, se tivesse ficado em Portugal poderia ter tido outras oportunidades, que acabei por não ter.

    «Estive a bons níveis, quase que cheguei à seleção nacional, por 2008 ou 2009. Tivemos uma ou duas conversas, mas não se chegou a concretizar».

    BnR: Em 2007 começou a sua etapa na Suíça. Sente que foi o seu auge em futebolista sénior?

    João Paiva: : Sim. Os meus três anos no FC Luzern foram em termos de futebol sénior e individualmente, o melhor futebol que eu joguei, estive a bons níveis, quase que cheguei à seleção nacional, por 2008 ou 2009. Tivemos uma ou duas conversas, mas não se chegou a concretizar. Continuei por aqui, cheguei a assinar pelo Grasshoppers CZ, onde também ganhei a Taça da Suíça. Tínhamos um plantel muito bom. Em termos pessoais a mudança foi fantástica, em termos desportivos começou bem, mas depois tive algumas dificuldades em jogar regularmente. O plantel era bom. Quando joguei não estive mal, inclusivamente fiz alguns golos, mas a verdade é que o clube queria outro estilo de avançado. Eu era um jogador de área e eles queriam alguém que procurasse a profundidade. São estilos. Fui procurar outros caminhos, tive oportunidade de rumar a outros campeonatos como o húngaro, mas a minha mulher ficou grávida de gémeos e a vida aqui era boa e decidi ficar por cá, na Segunda Divisão, já a chegar aos 30 anos. Foi uma opção familiar, não tão focado na carreira desportiva, mas mais familiar, além de poder preparar o meu futuro aqui na Suíça.

    BnR:  Sendo o campeonato suíço mais curto em número de equipas, com 12 clubes, acha que existe mais competitividade?

    João Paiva: Em termos de competitividade sim. O décimo segundo classificado e o primeiro não têm a mesma diferença de qualidade que em Portugal o décimo oitavo e o primeiro. O problema na Suíça é que nos últimos 10/12 anos tem-se investido muito menos dinheiro no futebol e em termos gerais a qualidade do campeonato baixou. A competitividade é alta, mas nivelada por baixo. A Suíça tem um paradigma diferente de Portugal ou Espanha. Aqui o interesse é formar 25 jogadores de topo, que são os que vão à Seleção Nacional e em vez de fazerem uma pirâmide em que a base é boa e depois ficam só os melhores no topo, como acontece em Portugal, onde existem grandes jogadores e o expoente máximo, como o Bernardo Silva, vai à seleção, mas espreitamos o nosso campeonato temos jogadores de grande qualidade. Aqui o paradigma é diferente. Só interessa o pontinho lá em cima da pirâmide. O que interessa ao futebol suíço, ou por falta de talento ou por investimento deste modo, é ver o Manuel Akanji no Manchester City, um Remo Freuler na Atalanta, um Sommer no Inter, se tivemos esses 20 jogadores bem colocados, tudo ok, porque esse é o objetivo. A seleção nacional da Suíça versus a população que tem é de topo. Está sempre nos primeiros quinze do ranking e eles pensam muito na seleção e menos no campeonato, o que para mim tem a ver com o interesse do futebol em si. Existe alguma concorrência do hóquei no gelo, as pessoas dividem-se em dois desportos. Não digo que o Hóquei tenha mais adeptos que o futebol, mas a verdade é que existe naturalmente menos interesse que em Portugal. Em Portugal, as pessoas acordam a pensar em futebol e adormecem a pensar em futebol, toda essa paixão faz com que o interesse seja maior e que haja mais qualidade.

    «Nunca mais ninguém me contactou, o que foi estranho, porque era dos poucos avançados portugueses que fazia golos na Europa e não tive muito mais reconhecimento».

    BnR: Durante a sua carreira houve propostas para regressar a Portugal?

    João Paiva: Eu tive uma abordagem, mas não houve um contrato. Houve uma altura que o Vitória SC sondou para eu voltar. Na altura o treinador era o Rui Vitória, que me conhecia e houve essa conversa. Eu na altura decidi assinar pelo Grasshoppers. Também tinha outras ofertas da Suíça e uma ou duas da Bundesliga, mas de equipas que estavam a lutar para não descer, o que não favorecia o meu jogo. Isto não é uma questão de luxo do jogador poder escolher, mas é importante selecionar que tipo de jogo em que vão atuar. Se favorece as qualidades físicas e técnicas do jogador. Se eu sou um jogador de área, em que precisava de cruzamentos para entrar ao primeiro poste, fazia bastantes diagonais atrás da defesa, se jogasse a 50 metros da baliza era inútil para essa equipa, porque não ia conseguir fazer nada. Então com 25/26 anos passei a ter a ideia de escolher uma equipa que me satisfizesse. O Vitória SC podia ter sido o meu regresso, foi o que tive mais próximo de acontecer. Em termos financeiros também não era a melhor oferta e decidi assinar pelo Grasshoppers. Hoje em dia penso que teria sido giro treinar com o Rui Vitória, mas não aconteceu. Nunca mais ninguém me contactou, o que foi estranho, porque era dos poucos avançados portugueses que fazia golos na Europa e não tive muito mais reconhecimento. Talvez pela altura, não era um jogador alto e depois as equipas começaram a sua busca por avançados mais altos, não sei. Foi o que foi. Ou se calhar não tinha qualidade, também pode ser isso, não ter a qualidade que esses treinadores procuravam. Acho que dentro da área era um jogador perigoso e que não precisava de muitas oportunidades para fazer golo. Naturalmente não estava sempre a correr, e o futebol mudou em termos jogo, os treinadores procuram avançados que corriam muito na frente. Por causa disso provavelmente tive menos oportunidades. A formação que eu fiz no Sporting sempre foi uma formação em que os extremos cruzavam para dentro da área, criavam-se muitas oportunidades. Por isso fiz muitos golos na formação, tinha bons executantes e encaixava na ideia.

    BnR: Quais é que eram as suas principais caraterísticas enquanto jogador?

    João Paiva: Era um jogador eficaz, um avançado que não precisava de muitas oportunidades. Tinha um jogo de cabeça acima da média, até pela altura era muito surpreendente. No Apollon tive um treinador que um dia me disse que era o melhor avançado que tinha tido a jogar de cabeça e ele tinha treinado jogadores na Alemanha. Foi a primeira vez que um treinador me disse isso. Em termos técnicos não era mau e chutava bem dentro da área, bolas cruzadas. Tinha uma saída do drible curta e com remate, eram as minhas melhores capacidades. Lia bem a linha de fora de jogos. Também tinha coisas que não era assim tão bom, como segurar a bola de costas para a baliza, fazer diagonais de 30 e 40 metros para segurar jogo. A parte defensiva melhorei muito com o tempo, mas já não era como estes avançados modernos, como o Lewandowski que conseguem fazer golos e têm uma parte defensiva muito boa. Como treinador percebo. No futebol atual se calhar tinha dado menos chances ao João Paiva, agora o futebol não mudou e eu continuo a pensar que o mais importante nos avançados é marcar golos e se tivermos um avançado que faça golos, temos que arranjar soluções para compensar o facto desse atacante trabalhar um pouco menos defensivamente, porque o mais difícil no futebol é marcar golos e irá continuar sempre a ser assim. Todas as outras posições são mais fáceis de fazer, esta é a minha opinião pessoal. Se calhar se fosse um defesa ou médio teriam outra opinião (risos).

    João Paiva a representar Portugal
    Fonte: Instagram Leandro Palma

    BnR: Ao finalizar a sua carreira como futebolista, passou a atuar como treinador. Foi algo que planeou ao longo da sua carreira dentro de campo?

    João Paiva: Na altura em que passei para o Grasshoppers, comecei a tornar-me menos egoísta. Como avançado, até aos 27 ou 28 anos, eu queria era fazer golos. Era importante a equipa ganhar, mas era importante ganhar comigo a fazer golos. Era uma pressão que eu me metia a mim mesmo. A partir de uma certa idade, em que já estava a ajudar colegas que até jogavam na mesma posição, a dar-lhes dicas e que depois me tiravam o lugar, eu comecei que estava a mudar e comecei a achar que era a melhor maneira de eu me integrar na equipa. Comecei a jogar como número 10, menos como avançado e começou a criar-se um certo gostinho. Quando estava a acabar a carreira já numa segunda divisão, mas com grandes jogadores, como o Akanji, aí é que comecei a perceber que poderia dar qualquer coisa como treinador. Acabei a carreira e fui tirando os cursos de treinador ao mesmo tempo que jogava, mas mais por diversão. Depois fui fazer um Masters em Coaching no Instituto Johann Cruyff. E foi aí que percebi que na verdade era uma coisa que gostava, gostava de ensinar os outros, tinha paciência e aos poucos apareceu a oportunidade de treinar uma equipa como se fosse do Campeonato de Portugal, onde tivemos sucesso, subimos de divisão de imediato e esse sucesso, junto ao estar no inicio da carreira, junto com o facto de poder ajudar futebolistas no Sindicado de Jogadores de Futebol Profissional, em que tenho um projeto de ajudar atletas que ficam sem contrato e perceber que tinha um bom contacto com jogadores e podia melhorá-los, fez com que achasse que valia a pena investir nesta carreira e tenho feito a parte de treinador, como outras coisas ao mesmo tempo. Ainda não tenho feito a carreira de treinador que ambiciono, mas os passos que tenho feito têm sido bons e agradáveis para mim e para a minha família.

    «A probabilidade de ganharmos a liga era grande, mas eu não conseguia aceitar que o dono do clube dissesse o onze que ia jogar».

    BnR: O seu penúltimo projeto foi no AC Bellinzona. Por que não continuou na altura?

    João Paiva: Era um projeto muito bom, que subiu de divisão sem mim dentro da equipa técnica. Fiz toda a preparação da equipa e fizemos nove jogos, ganhámos oito e perdemos um. Na verdade, eu saí um bocadinho porque existem alguns clubes de futebol, em todo o lado, em que os dirigentes têm a sensação que o treinador está lá só para dar o treino e quem escolhe o onze são eles. Infelizmente isso acontece muito regulamente. Eu era e ainda sou um jovem treinador e sabia que o projeto era um projeto vencedor, tinha um grupo de trabalho fantástico, tanto staff como jogadores. A probabilidade de ganharmos a liga era grande, mas eu não conseguia aceitar que o dono do clube dissesse o onze que ia jogar. Eu também fui jogador e sei que entrar numa cabine e disser que x joga ou não joga porque outro disse e não pelo que o treinador viu nos treinos, é a pior coisa que podem fazer a um atleta. Eu não tinha cara para entrar num balneário e dizer isso a um jogador ou ser um mentiroso. O dono do clube também não me mentiu. Disse “eu comprei o clube para poder mandar, para poder decidir e eu quero um treinador que faça os treinos”. Isto não foi na primeira conversa que tivemos. Mas depois de oito ou nove semanas ele disse-me que gostava de mim como pessoa e como treinador, mas ele tinha comprado o clube e ele decidia. Eu decidi sair. Estávamos em primeiro, só tínhamos uma derrota, mas foi assim. Saí desse modo. Recentemente, assumi um novo projeto, o FC Langenthal, do Campeonato Nacional Suíço e vai dar muito trabalho inicialmente, porque a equipa vinha de 5 ou 6 derrotas consecutivas, mas estamos a iniciar e vamos ver se conseguimos fazer o maior número de pontos até ao inverno, para que na pausa de inverno consigamos alterar algumas coisas que foram mal programadas, principalmente em termos de plantel. Agora temos de trabalhar com aqueles que aqui estão e depois ver o que se consegue fazer no inverno.

    João Paiva a dar o treino de futebol
    Fonte: Instagram João Paiva

    BnR: Quais são os objetivos no final a temporada para o Langenthal?

    João Paiva: Os objetivos para o final a temporada não são nada a ver com o que está a acontecer. O clube ambiciona subir de divisão e estamos mal classificados. O projeto foi mal feito, não quer criticar quem o fez, mas no plantel inteiro não termos um avançado, um lateral esquerdo…. Quem programou o plantel teve muitas dificuldades, seja por budget, seja porque motivos foram. O objetivo neste momento é a cada fim de semana ganharmos pontos, a ideia é assumir a realidade. Vamos ter que escalar uma montanha na segunda volta, depois da pausa de inverno. O objetivo é que essa montanha não seja o Monte Evereste e que seja só uma colina, porque estamos muito longe de conseguirmos resultados. Os jogadores estão a dar o máximo. A realidade do futebol é que se não conseguirmos pontos ao fim de semana estamos a criar um fundo maior para nós e até corrigirmos a situação do plantel, no inverno, temos de fazer alguns pontos, para que a montanha não seja impossível de escalar. Eu acredito que vamos conseguir não estar muito longe da linha de água, ou pelo menos estarmos acima, para depois na segunda volta fazermos os acertos do plantel e termos uma segunda volta melhor. Falar em posição do campeonato neste momento nem traz nada. O melhor é fazermos pontos já no domingo. Temos algumas dificuldades que eu já notei, mas temos de trabalhar com o que temos, não há hipótese.

    BnR: Como gosta de colocar as suas equipas a jogar?

    João Paiva: Não tenho o luxo de estar em nenhuma equipa onde eu possa escolher os jogadores a dedo. Isso tem um pouco a ver com os orçamentos que as equipas têm. Mas gosto de uma equipa que tenha o controlo do jogo, tanto na parte defensiva, como na parte ofensiva. Gosto de ter uma equipa pressionante, em diferentes zonas do terreno, que não seja uma equipa passiva no jogo. Também gosto de jogar um futebol que seja vertical. Que seja jogado para a frente, isso não significa que se tenha jogar com bolas longas, mas que consigamos com três, quatro, cinco passes chegarmos a uma zona de finalização. Acho que uma das caraterísticas que tenho é uma boa relação com os jogadores, sou exigente, muito frontal, não peço aos jogadores nada ao fim de semana que a pessoa não trabalhe durante a semana e tenho uma certa paciência para os processos se desenvolvam. Também o tenho que ser, não estando numa primeira divisão, é natural que temos de trabalhar com jogadores que tenham alguns défices técnicos e temos que ter mais paciência para esse tipo de situações. A melhor maneira de definir um treinador será pelos próprios jogadores. Eu acho que até agora, pelo menos à minha frente, ou ao meu redor, não tenho ouvido muitas queixas. Tem sido uma experiência positiva, quer com os jogadores, quer com as direções. Até mesmo no Bellinzona, já que o investidor era assim, não queria mudar, mas foi honesto e disse que “não quero mudar e vou fazer isto”.

    João Paiva a dar indicações aos jogadores
    Fonte: Instagram João Paiva

    BnR: Quem é o seu treinador referência?

    João Paiva: Há vários treinadores de topo. Não posso deixar de fora o José Mourinho. O que ele tem feito nos últimos 20 anos. Também por ser português, por tudo o que atingiu e ser um pouco um treinador camaleão, como eu chamo entre amigos, pode jogar em modo ofensivo, defensivo, em transição, ou seja jogar com diferentes estilos de jogo e diferentes tipos de jogadores. Em termos de adaptabilidade é o melhor treinador do mundo, porque consegue adaptar-se a qualquer tipo de futebol e a qualquer estilo de jogo. Olhando somente para um estilo, Guardiola tem um estilo de jogo que também encaixa em equipas de topo. Eu digo, meio a brincar, que é meio Hollywood, porque não dá para repetir, nem tentar, já que tem jogadores com uma qualidade tão alta, que pode experimentar tudo. Klopp tem aquela parte da verticalidade e estilo de jogo pressionante, que eu gosto. Sei que é muito complicado de o fazer com jogadores que não sejam da qualidade dos atletas que tem. Estes três treinadores que mencionei trazem qualquer coisa de diferente ao futebol e eu baseio-me um bocadinho, até porque tirei o Masters em Coaching no Instituto Johann Cruyff, e eu baseio-me no antigo astro neerlandês, mas mais a parte mental. O estilo de jogo não tanto. Foi criado num Dream Team. Mas gosto da filosofia em que o jogador também é responsável pelas dinâmicas do jogo, em criar jogadores inteligentes, em saber que a dinâmica de grupo é muito importante e que o treinador é somente uma peça dentro de um grande puzzle e que toda a gente tem uma função. Isso é um pouco a filosofia Johann Cruyff e eu baseio-me um pouco nisto.

    BnR: Qual o futuro de João Paiva?

    João Paiva: O meu futuro para já passa por aqui, passa por domingo, pelo treino de hoje. Continuar a divertir-me no futebol. O futebol foi um presente que nasceu comigo. Eu só joguei futebol, trabalho em futebol, isso é um luxo que eu sei que eu tenho. Foi um luxo ter nascido com certo talento para jogar futebol, ter pais que me puderam levar aos treinos, puder treinar numa academia como o Sporting, conhecer tanta gente no futebol. Quero continuar no futebol, a fazer bons passos, trabalhar no Sindicato da Suíça com tantos atletas que precisam da nossa ajuda, desenvolver-me como treinador, aprender, absorver novas experiências, aproveitar a que estou a viver. Acho que é este o meu futuro. Quero ficar ligado ao futebol até quando puder. Gostava de um dia voltar a Portugal, para trabalhar no futebol, mas em algo bom e  que eu gostasse também. Porém, não tem que ser hoje ou amanhã. Já tive uma ou duas conversas com alguém para poder voltar ao futebol português, mas não aconteceu porque quando uma pessoa tem 40 anos, isto é uma decisão familiar e os passos têm que ser mais seguros e firmes, do que quando se tinha 20 anos e se foi para o Chipre sozinho. Isso foi muito mais fácil. Hoje tem tudo que ser mais estudado. Este vai ser o João.

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