«Há uma coisa que tenho quase como garantida: ninguém é eterno no Benfica» – Entrevista BnR com André Lima

    – O crescimento do Futsal e os problemas do Futebol encarnado e da Europa –

    «Quando o presidente vai buscar o Jorge Jesus é para ganhar e não há hipótese. Está ali a fazer o all in e não correu bem»

    BnR: Da tua experiência já com o Futsal Feminino, achas que a UEFA já devia ter criado uma competição continental depois do enorme sucesso que foi o Europeu de Futsal?

    André Lima: Já há algumas experiências. Foi na China a primeira vez que trabalhei com mulheres e com o feminino. Fiquei apaixonado, por causa da maneira como se entregam. No Futsal masculino, há aquele ego e elas não. Vêm, estão sempre bem dispostas, entregavam-se ao jogo e ao treino que nunca tinha visto em nenhuma equipa em que joguei ou treinei. Depois em conversas com outros treinadores que trabalharam com mulheres e disseram o mesmo. É apaixonante treiná-las e entregam-se ao jogo de uma maneira apaixonante.

    BnR: Como tens visto o crescimento da modalidade em Portugal tanto a nível masculino como a nível feminino?

    André Lima: Tem crescido bastante principalmente pelo trabalho que a FPF tem feito. Se me perguntares se podia ser melhor? Podia ser sempre. Podia-se fazer melhor e acredito que se vai fazer melhor. Há coisas, principalmente no masculino, onde ainda há muitas queixas e já houve tempo suficiente para um país que é campeão da Europa para não ter tantos problemas, queixas ou algumas situações que podiam não acontecer. Mas se olharmos para o crescimento da modalidade, a seleção e a própria federação tem crescido muito.

    BnR: Optaste por sair do Benfica numa altura em que sentiu que se fechou um ciclo. Achas que isto é difícil de se conseguir gerir por parte de um treinador, ou seja, nem todos têm esta perceção de que chegou ao fim a sua história num determinado clube?

    André Lima: Se calhar, na altura que decidi sair, se tivesse esperado uma semana ou duas não tinha decidido aquilo. Aquilo foi um momento. Fui campeão europeu, perdi o campeonato e aconteceram algumas situações e coisas que se falaram e disseram… Sabia que era uma questão de tempo e se as coisas corressem mal saía passado algum tempo. Porém, não saía da maneira como prometi. Prometi a mim mesmo deixar de jogar no auge e deixei como campeão nacional. Só não pensei que ia como treinador. Saí em grande como jogador e, depois, quando peguei na equipa pensei o mesmo. Gostava de sair por mim, depois de dez anos no clube onde era um jogador carismático no Benfica. Ainda hoje quando vou à Luz dá-me um prazer enorme pela maneira como os benfiquistas me tratam e pelo como o clube me trata. Agora, fizeram-me uma surpresa na rotunda Cosme Damião. Nem eu contava com isso de estar no meio daqueles monstros todos.

    Os encarnados tinham uma equipa de luxo em 2010 e eram liderados por André Lima
    Fonte: João Barbosa/Bola na Rede

    BnR: Como é que surgiu essa ideia de sair quando conseguiste alcançar o maior troféu europeu de clubes e como é que informaste o presidente do Benfica sobre esta decisão?

    André Lima: Sair depois de ser campeão da Europa passou por uma conversa com o presidente. Disse que estava na hora de sair e disse-me se queria mandar seis ou sete embora. Respondi que não queria mandar jogadores campeões da Europa embora, que estava na hora de sair e se sair, agora [em 2010], ainda encontre trabalho como campeão da Europa. São gestões que fazes. Fiquei sem trabalhar em casa e cheguei a acordo com o Benfica em que saía e ficava um ano a receber. Era complicado para mim deixar sem um convite. Disse ao presidente se aparecesse alguém que cortava logo o acordo. O mais engraçado é que quando cheguei a casa e quando começou a época foi aí que senti que a ficha me caiu. Perguntei-me: agora o que vou fazer? Acordei e não sabia o que fazer depois de dez anos com aquele andamento e, ainda por cima, moro perto do estádio. Foram uns dois a três meses difíceis. Até que me adaptei. Tive duas opções de risco: quando aceitei ser treinador e quando optei por sair do Benfica. A melhor coisa que fiz por ter aceitado a primeira opção e a melhor ainda foi ter saído naquela altura, porque se abriram muitas portas. Hoje, estou bem por ter tido a coragem de sair naquela altura, porque não há muita gente com isso, principalmente profissionais de Futsal que não ficam ricos.

    BnR: Joel Rocha já tem perdido algumas finais importantes sejam nacionais ou até eliminações nas competições europeias. Se este ano falhar novamente os objetivos (campeonato e título europeu) achas que está na hora de se fechar um ciclo no Benfica para o treinador?

    André Lima: Isso é o Joel que tem de ver. Todos nós estamos de acordo que tem qualidade e é um dos melhores treinadores portugueses. Agora, decidir sair por ele? Acho muito difícil. Há uma coisa que tenho quase como garantida, e digo a toda a gente, “ninguém é eterno no Benfica”. Ninguém. Não estou a dizer que o Joel vai sair agora. Pode até ficar lá mais dez anos, mas vai sair. É a história. Vês o caso do Nuno Dias que está de pedra e cal no Sporting, mas um dia também vai acontecer ao Nuno, porque nos grandes clubes é assim. São ciclos que se fecham. Podes sair e até voltar e as coisas correrem bem, mas se insistires em ficar, e isto pode acontecer com o Joel onde não estamos a pôr em causa a sua qualidade do treinador porque o Benfica está bem servido, ganhar não chega ou, às vezes, ganhar não chega. Quando não se ganha tantas vezes num clube como o Benfica há sempre algo a pagar. O Joel é que tem que ver se está preparado para perder mais um campeonato. Acredito que ele está preparado, mas vamos ver é se os sócios aceitam isso. Agora, não há sócios no pavilhão e para eles se não houver sucesso não perdoam. Nem ao André Lima, nem ao Eusébio. Eusébio que era o Eusébio foi para o SC Beira-Mar e para o União FCI de Tomar. Por isso, são ciclos que se fecham e não sou eu que vou dizer se é este ano ou para o outro. Ele até pode ganhar e ir embora na mesma. Não depende do resultado. São ciclos e as pessoas cansam-se uma das outras.

    Joel Rocha está desde 2014 à frente do comando técnico dos encarnados e tem conquistado alguns títulos importantes
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    BnR: O que correu mal nesta temporada de Futebol ao Benfica? Já agora o que mudarias para que os encarnados estivessem numa melhor classificação?

    André Lima: Não gosto de falar mal dos jogadores do Benfica, do treinador do Benfica, do presidente do Benfica. Sou amigo de Luís Filipe Vieira, mas imagina que o presidente mudava ia ter a mesma atitude e vai ter o meu apoio. Se me perguntarem dou minha opinião. A opinião que dou, desde que começou a época, é que foram várias razões [para a má temporada]. Foi uma cadeia de acontecimentos que numa situação normal sem pandemia já ia ser difícil, mas assim estes erros que foram cometidos vieram mais ao de cima, porque não se ganha, porque os jogadores não tinham força e não corriam.

    O técnico encarnado voltou depois de uma passagem pelo eterno rival Sporting CP e também de uma passagem titulada no CR Flamengo
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    BnR: Jorge Jesus devia ter voltado ao comando técnico do SL Benfica?

    André Lima: Se me perguntarem se o Jesus devia ter voltado, se fosse presidente provavelmente não o chamava, naquela altura. Podia chamar noutra altura. Quando as coisas são feitas ali a forçar e depois de uma passagem do Jesus pelo Sporting CP da maneira como foi acho que foi uma cartada arriscada do presidente. Mas, ele sempre foi assim. As coisas podem correr bem, mas podem correr mal. A maneira como o Jesus comunicou no início… ele sente aquelas coisas. Dizia «vamos jogar o triplo», «vamos ser campeões». Vamos lutar para ser campeões, porque ninguém vai ser campeão antes de jogar. «Vamos jogar o triplo». Não, primeiro um “bocadinho”, depois o dobro e o triplo. Ninguém começa a jogar o triplo e ele sabe disso. Se no início da época começas a perder e as pessoas já andam a olhar de lado para ti quando tu entraste, quer dizer acho que houve ali erros que eu não cometia. Tinha entrado de outra forma. Quando o presidente vai buscar o Jorge Jesus é para ganhar e não há hipótese. Está ali a fazer o all in e não correu bem. Depois veio a COVID, alguns jogadores não renderam aquilo que se estava à espera. Foi uma cadeia de acontecimentos que melhorou agora, mas esta derrota com o Gil Vicente FC deitou um bocadinho abaixo o balneário. Acredito que agora está mais difícil de levantá-lo do que estava antes da COVID. Estas derrotas rebentam com a equipa. Sabes que estou a falar por experiência própria. Sei o que nós vivemos quando estamos a subir e a galgar… Se descemos só um “bocadinho” e fez uma boa exibição onde a bola não quis entrar, aqui não foi o caso. Às vezes, não conseguimos perceber. Nem os treinadores conseguem explicar estas coisas.

    BnR: Imaginando um cenário hipotético em que o Benfica não tinha treinador, José Mourinho, que foi recentemente despedido do Tottenham Hotspur FC, podia ser um nome interessante para treinar os encarnados?

    André Lima: Acho que o Mourinho está a precisar de descansar um bocado. E se o Mourinho chegar e não ganhar, acaba a carreira dele. As pessoas já andam a dizer que não muda o sistema e que já não era o que era. Sem pôr em causa o Mourinho que é um dos melhores de todos os tempos, a questão aqui é a aposta que fizeres tem obrigatoriamente de ganhar. Se não ganhar acaba a carreira dele. Este tipo de pressão pode alterar a maneira de vir trabalhar para o Benfica. Treinar agora o Benfica é ainda mais difícil de quando ele treinou [em 2000]. Eu apostava noutro.

    BnR: Qual seria a tua opção para treinador do SL Benfica?

    André Lima: Há aí tantos. Tenho já alguns definidos, mas estão todos a trabalhar e não posso dizer.

    BnR: Qual é a tua opinião sobre a nova competição que está a surgir no Futebol Europeu, a Superliga?

    André Lima: Horrível. A mim faz-me confusão de como é que ainda há gente com tanta lata, com tanta arrogância de achar que podem fazer tudo. A ideia de criar uma liga e de aumentar os lucros não tem mal nenhum. Agora, fazer uma liga só para alguns e os outros que se l*xem é arrogância, é ingratidão. Todos estes grandes clubes só o são por causa dos pequenos. Os maiores clubes estão cada vez mais poderosos e os outros estão cada vez mais fracos. Tudo por causa deles, porque compram tudo. Pegando no caso do Benfica, tinha João Félix e foi para o Atlético de Madrid, tinha o Rúben Dias e foi para o Manchester City FC. Estes tubarões, além de enfraquecerem os outros, ainda querem fazer mais e amassar os mais fracos para viverem numa bolha. Vivem todos numa e dividem o dinheiro e os mais pequenos que se aguentem. Isto não cabe na cabeça de ninguém. É ingratidão e cuspir no prato onde comeu. Por muitos defeitos que tenha a UEFA e a FIFA, prefiro lutar com um monstro com só uma cabeça do que um com doze. Porque na última opção não tens armas para lutar contra todos, pois, vêm de todo o lado.

    BnR: Qual é a tua opinião sobre os clubes que se denominaram de “fundadores” desta Superliga?

    André Lima: Doze “cabeçudos” que vão ficar cada vez com mais dinheiro e os outros que comam as “migalhinhas”, quando os outros trabalham tanto como o FC Porto? Estamos a falar de Arsenal FC, Tottenham Hotspur FC, Atlético de Madrid e Manchester City que nunca foram campeões da Europa, inclusive mais de metade não são campões nacionais há muito tempo. Querem ganhar sem mérito e depois vão para lá onde não sobem nem descem. Os doze estão sempre ali e depois vão convidando. Para eles, perder e ganhar é a mesma coisa. Se perderes e desceres de divisão, não é complicado? Façam como o formato da Liga das Nações, onde isso está certo. Estão a privatizar o Futebol, pois, há um banco norte-americano que mete quatro mil milhões e compra o Futebol. Dá 300 milhões a cada um que paga dívidas. Isto acontece porque o FC Barcelona está falido, o Real Madrid CF está a construir um estádio de 500 milhões onde não tem dinheiro para pagar, o Atlético de Madrid está falido e estão todos à rasca. A COVID veio acelerar a situação e ao invés de cortar vão arranjar maneira de ir buscar mais para gastar mais.

    PASSES CURTOS

    BnR: Ser jogador ou ser treinador?

    André Lima: Jogador e depois treinador.

    BnR: Joel Rocha ou Nuno Dias?

    André Lima: Nem um, nem outro.

    BnR: Treinar a formação ou os séniores?

    André Lima: Formação.

    BnR: Quem vai ser campeão nacional de Futsal?

    André Lima: Espero que seja o Benfica.

    BnR: Quem é/foi o teu ídolo?

    André Lima: Daniel Ibañes.

    BnR: Qual foi o golo mais importante que marcaste na carreira?

    André Lima: Há dois golos. Um foi o 4-3 na final do play-off de 2004/05 no Estádio da Luz em que marquei cinco golos nesse jogo. Tivemos sempre a perder. Estávamos a perder 4-3. O 4-4 é um golo que faço uma chapéu ao Benedito e o 5-4 é de uma falta lateral em que me passaram a bola para o outro lado. De primeira chutei e a bola entrou no ângulo. Depois foi 6-4 e 7-4, mas o 5-4 levantou o pavilhão todo, porque estivemos até aos 4-3 sempre a perder.

    BnR: Qual foi o golo que mais te marcou enquanto treinador?

    André Lima: Acredito que o golo do Davi mexeu-me com tudo.

    BnR: O que te faltou como jogador?

    André Lima: Uma Liga dos Campeões.

    BnR: Faltou alguma coisa enquanto jogador da seleção?

    André Lima: Sabes que joguei noutros tempos. Não joguei nenhuma final na seleção. Temos uma medalha de bronze na Guatemala que é comparável a um europeu. Era difícil chegares a um Mundial e ainda por cima em 2000 que se calhar nem merecíamos lá estar, porque eliminámos uma Itália que era candidata ao título. Sabes que estás a jogar e aquilo não é para ti. Claro que gostava de ganhar algo, mas há coisas que não são possíveis. Se jogasse e treinasse agora, provavelmente dizia-te que falta-me ser campeão do Mundo e da Europa de seleções.

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    João Pedro Barbosa
    João Pedro Barbosahttp://www.bolanarede.pt
    É aluno de Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social, tem 20 anos e é de Queluz. É um apaixonado pelo desporto. Praticou futebol, futsal e atletismo, mas sem grande sucesso. Prefere apreciar o desporto do lado de fora. O seu sonho é conciliar as duas coisas de que gosta, a escrita e o desporto.