«Hoje em dia, os árbitros aplicam de forma cega as leis do jogo» – Entrevista BnR com Bruno Paixão

    «Hoje em dia, os árbitros aplicam de forma cega as leis do jogo».

    Bola na Rede: Teve alguma situação em que tivesse que aplicar uma regra daquelas que foge mais ao senso comum?

    Bruno Paixão: Sim. Há tempos, cruzei-me com o Marco Tábuas, que foi guarda-redes no Vitória FC, e ele lembrou-me que, na altura em que surgiu a regra de que o guarda-redes só podia ter a bola na mão durante seis segundos, fui dos primeiros árbitros a aplicá-la. A partir desse lance, ele sofreu o primeiro golo naquele jogo. Na altura, ele ficou chateado e ainda hoje diz que eu fui o único árbitro que aplicou aquela regra.

    Bola na Rede: Acusavam-no de aplicar, com muita rigidez, as regras. Vê-se dessa forma?

    Bruno Paixão: Acho que é uma falsa questão. Na minha chegada à Primeira Divisão, com 23 anos, isso até pode ter sido verdade. Com 23 anos, apanhei muitos jogadores acima dos 30, muito experientes, jogadores com a ‘ratice’ toda. Aí  fui rigoroso e meti o livro debaixo do braço por uma questão de evoluir enquanto árbitro e de marcar a minha posição. Numa fase inicial da minha carreira, posso ter sido um bocado rigoroso a nível disciplinar. Com o marcar da minha posição, porque os jogadores depois foram-me conhecendo, isso passou a ser uma falsa questão, mas que me acompanhou até ao fim da carreira. Nos primeiros cinco/seis primeiros anos de Primeira Divisão, mostrava muitos cartões por jogo e esse número médio foi baixando até final da carreira. Tinha uma premissa: um jogo bem-sucedido a nível disciplinar não podia ter mais de cinco amarelos. Pontualmente, havia jogos que tinham mais do que cinco, porque eram jogos mais exigentes, em que estavam mais coisas em jogo, pelo que os jogadores se entregavam mais emocionalmente ao jogo e havia lances mais disputados, e aí tinha que mostrar. O rigor que aplicava nos jogos foi baixando com o ganhar de experiência enquanto árbitro.

    Bola na Rede: Atualmente, existe uma falta de associativismo entre os árbitros, nomeadamente naquilo que é a defesa do colega?

    Bruno Paixão: Na minha geração de internacionais, éramos bastante unidos e trabalhávamos para um bem comum. Quando nos juntávamos para melhorar as nossas condições, conseguíamos sempre, porque trabalhávamos para o todo. Isso, com esta geração de árbitros, perdeu-se por completo. Perdeu-se o sentido de equipa e do bem comum. À imagem da nossa sociedade, está muito focada no interesse do próprio e era importante mudar isso.

    Bola na Rede: Há competência nas novas gerações de árbitros?

    Bruno Paixão: Há potencial. Se vai, a médio ou longo prazo, haver competência? Não sei. Tenho observado alguns árbitros que têm estado a aparecer nas camadas inferiores. Vejo alguma qualidade. Há falta de maturidade enquanto pessoa. Há outra lacuna também dos jovens árbitros, que é perceberem muito das leis do jogo, mas perceberem pouco de futebol. Para ser um bom árbitro, é preciso saber as leis do jogo e aplicá-las, mas também perceber de futebol, saber ler o jogo, saber o que é que o jogo pede. Hoje em dia, os árbitros aplicam de forma cega as leis do jogo. As lacunas da nova geração são essas mesmo: maturidade e perceber de futebol.

    Bola na Rede: Isso permite que um árbitro adapte o seu critério ao que se está a passar no jogo?

    Bruno Paixão: Exatamente. Temos árbitros experientes na Primeira Divisão que o fazem bem, mas depois temos outros que têm essa lacuna e tomam decisões que não fazem sentido para aquele jogo. O árbitro deve tomar a decisão que toda a gente espera que seja tomada de acordo com as leis do jogo. Às vezes, isso não acontece, porque o próprio árbitro não está a perceber o que se está a passar.

    Fonte: FPF

    Bola na Rede: Os árbitros também têm um papel na promoção do espetáculo?

    Bruno Paixão: Saber aplicar as leis do jogo, tomar a melhor decisão a cada momento e passar despercebido é estar a promover o futebol. Se o árbitro conseguir fazer isso com êxito, está a dar lugar às figuras mais importantes do futebol, os jogadores.

    Bola na Rede: A arbitragem portuguesa tem alguns vícios que comprometem a promoção do espetáculo?

    Bruno Paixão: Os árbitros têm que se soltar da vertente classificativa. São seres humanos e é a carreira deles que está em causa, mas isso desvia-se da essência da arbitragem. Quando um árbitro está bem ao nível de relatórios e classificações, as coisas fluem de uma forma natural. A engrenagem começa a ficar perra quando surgem as primeiras notas negativas, e isso começa a afetar os desempenhos dos árbitros. Aí, a coisa começa a correr menos bem. Os árbitros soltarem-se da pressão classificativa ia contribuir para uma arbitragem melhor.

    Bola na Rede: Das situações problemáticas que foram ocorrendo ao longo da sua carreira, houve alguma em que se tivesse sentido particularmente ameaçado?

    Bruno Paixão: Tentei viver esses períodos de forma descontraída, alheando-me do fenómeno mediático e fazendo a minha vida normal. Acho que consegui, porque, apesar dos momentos menos bons que passei, fiz sempre a minha vida normal. Não me fechei em casa, não me escondi, não fui para o estrangeiro, como foi noticiado uma vez. No sítio onde moro, as pessoas respeitaram-me sempre, não me criaram nenhum problema ou dificuldade. Inclusivamente, ia para Lisboa trabalhar de transportes públicos e nunca tive nenhum problema.

    Bola na Rede: Existe a necessidade de se padronizar a interpretação dos árbitros?

    Bruno Paixão: Há aquelas zonas cinzentas em que qualquer decisão do árbitro está correta. Essas decisões são de livre-arbítrio. Em situações concretas de branco ou preto, tem que haver um critério uniforme entre todos os árbitros. Essa é a grande luta do Conselho de Arbitragem ao longo das épocas.

    Bola na Rede: Essas decisões que estão em zona cinzenta não deviam ser uniformes ao longo de uma mesma competição?

    Bruno Paixão: É difícil, porque são mesmo cinzentas. Não há uma decisão certa. Qualquer decisão tomada pela equipa de arbitragem está correta. Sei que é difícil para os adeptos entenderem isto, mas é mesmo assim. É difícil haver um critério para esse tipo de lances.

    Bola na Rede: Isso acaba por ser o reconhecimento de que o árbitro também é fator num jogo.

    Bruno Paixão:  Sim, a equipa de arbitragem é um fator determinante no jogo.

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    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.