«O meu sonho não era jogar no Sporting ou no Benfica, só queria jogar no Estrela da Amadora» – Entrevista a Jorge Andrade

    BNR: Precisamente sobre a Juventus: estiveste lá pouco tempo e jogaste pouco. Achas que foi a decisão mais acertada naquela altura?

    JA: Naquela altura só fui para a Juventus porque tinha a pressão do Scolari: tinha de mudar de equipa, porque o Deportivo já tinha deixado de jogar a Liga dos Campeões. O Scolari disse que tinha Pepe e Bruno Alves, jogadores que estavam a vir com muita força para a minha posição e eu vi-me quase na obrigação de aceitar o convite da Juventus. Tinha contrato de mais dois anos com o Deportivo e o meu sentimento era de um perfeito comodismo. Estava habituado à cidade, os meus filhos tinham nascido lá, em dez minutos estava em todo lado… estava muito satisfeito com o meu rendimento e tudo, tinha tido uma lesão e tinha sido bem tratado. Só que aquele desejo de me querer superar e querer guardar o meu lugar na Seleção fez com que eu me mudasse para uma Juventus que vinha da Série B italiana depois do problema que teve, num projeto que queria formar de novo uma equipa campeã – e vê-se hoje em dia que a Juventus se tornou de novo numa grande equipa em Itália e na Europa. Eu vi um projeto fantástico, onde me deram condições também fantásticas, mas a nível desportivo foi mau. Eu, se tivesse continuado na Corunha, se calhar tinha jogado mais anos, porque teria sido acompanhado de uma forma diferente, enquanto que na Juventus não tinha uma história tão forte quanto em Espanha. As pessoas queriam que eu tivesse rendimento e como não o tive as coisas não correram durante muito tempo. Mas adorei lá estar, foi uma experiência fantástica! Conheci muitos craques como o Nedved, o Del Piero, o Trezeguet, o Buffon, o Chiellini, que ainda joga, o Marchisio, o Giovinco, que joga em Toronto… jogadores que estão ainda a dar cartas no futebol internacional. E também aquela coisa de mudar de cidade, aprender novas línguas… isso adorei! Tive dois anos “de molho”, como se costuma dizer, mas a beber da cultura italiana e adorei, até a forma como eles comem, porque eu sou muito guloso [risos]. Adorei estar em Itália.

    BNR: Dessa série de jogadores fantásticos com quem tiveste o prazer de partilhar o campo, houve algum que te tenha marcado mais?

    JA: Não só na Juventus como na Seleção tenho os meus amigos, como o Boa Morte, o Miguel, que são jogadores que jogaram comigo a vida toda. No Estrela da Amadora tenho amizade com outros colegas que jogaram comigo, o Gaúcho. Mas o jogador que mais me marcou em termos de carreira, curiosamente, é o Deco. Porquê? Eu sou expulso numa Liga dos Campeões, contra o FC Porto, onde eu dou um pontapé ao Deco para ele se levantar. Mas foi um pontapé de brincadeira, devido à confiança que eu tinha com ele. Só que o árbitro interpretou que eu o tinha agredido e fui expulso. Aquilo é muito a história entre o ganhar e o perder. Naquele gesto, a nossa equipa foi-se abaixo e perdemos a eliminatória, uma meia final da Liga dos Campeões. O Deco ganhou e eu perdi. O Deco a partir daí foi para o Barcelona, ganhou outra vez outra Liga dos Campeões e acho que entre o ganhar e perder, esse jogo e o Deco marcam-me muito. Nós temos uma amizade muito forte, apesar daquilo que aconteceu naquela altura. Para mim foi devastador em termos do grupo que era o Deportivo, que era uma equipa forte e que saiu penalizada, num gesto que custou a minha expulsão… foi um dos atos que fez com que a equipa ficasse mais frágil. No entanto acho que é aquela figura [Deco] que me marca no futebol, até porque passei momentos muito bons com ele na Seleção. Foi um dos jogadores que nos levou à final do Europeu, fez um Mundial em 2006 também fantástico e daí ser ele o jogador que eu gostaria de destacar neste trajeto que eu fiz.

    BNR: Entretanto, já tiveste algumas experiências como treinador, tanto no Oriental, como em escalões inferiores. É um caminho que ponderas seguir no futuro?

    JA: Eu acho que todo o treinador tem que passar por várias situações para perceber qual é a sua capacidade. O meu trajeto não é muito linear. Comecei a treinar em Espanha, na Corunha, depois quando vim para Portugal vim treinar os iniciados do Belenenses e senti dificuldades. Achava que treinar mais jovens era muito mais difícil que treinar seniores e confirmou-se. Quando o Pedro Hipólito me convidou para ser adjunto dele no Atlético vi que lidar com profissionais é muito mais fácil. Depois passei para o Oriental, onde estive três ou quatro meses e depois dessa etapa passei a treinar mais novos outra vez. Este ano estou a treinar os meus filhos, no Cultural da Pontinha, o que é um papel muito ingrato. Ter os filhos na equipa e ver que tens que os pôr de fora porque não tem capacidade para entrar naquele jogo, teres de pensar como pai e como treinador… é uma gestão um pouco difícil. No entanto é gratificante porque os miúdos portam-se muito bem e quando as coisas correm bem conseguem fazer o que o treinador diz. Mas já estou quase a acabar a época e estou quase com cabelos brancos, porque realmente é muito mais difícil treinar mais novos do que treinar seniores. Gostava de voltar a treinar outra vez profissionais. Vamos ver o que é que acontece porque não depende só de nós, mas também de projetos que possam aparecer.

    Fonte: Bola na Rede

    BNR: Desde que deixaste de jogar o futebol tem sofrido algumas alterações. Pensas que para melhor?

    JA: Eu acho que uma das questões é a das novas tecnologias. O vídeo-árbitro (VAR) pode ajudar; a nível de treinadores temos mais ferramentas para analisar o jogo; é muito mais fácil compreender o jogo e mesmo que não tenhamos uma leitura muito boa no campo, há ferramentas para que possamos ler e saber o que está a acontecer e nesse aspeto o treinador está mais completo. Os treinadores portugueses são curiosos, gostam de investigar, de introduzir essas novas tecnologias e eu acho que [o futebol] está melhor para treinar. Não digo mais fácil, porque os adversários também são mais complicados, mas em termos de condições, estas são muito melhores agora do que as do treinador que treinava há 40 anos, em que era ele que fazia e decidia tudo. Muito mais fácil treinar hoje, mas claro que os resultados continuam a ditar despedimentos.

    BNR: Ainda na tecnologia tivemos a introdução do VAR. É uma ferramenta que acaba por auxiliar no jogo, mas achas que só traz coisas boas?

    JA: O público está a ser educado quanto ao VAR, o mesmo com os treinadores ou com os jogadores. A forma como os jogadores seguem a jogada mesmo estando em fora de jogo faz toda a diferença e o jogador tem de ser habituar a não parar. É como se fosse no treino. Só para quando o árbitro apitar, mesmo tendo noção que pode estar em fora de jogo. O jogador tem de continuar a jogada. Estamos todos a ser educados muito rapidamente, e é um ano de adaptação, há coisas boas e coisas más, mas a realidade é esta. As novas tecnologias vieram para ficar e esperemos que no próximo ano as coisas estejam um pouco melhor.

    BNR: Por último, queria pegar no clima pesado que se vive neste momento no futebol português. Se pudesses deixar um apelo a todos os adeptos, desportistas e dirigentes, o que dirias?

    JA: O único apelo que deixo é para todos continuarem a ir ver os jogos ao estádio, que é muito mais bonito. Temos os melhores estádios em Portugal: os do Sporting, Benfica e Porto, que enchem sempre, mas temos também de distribuir e ir ver outros jogos. Eu adoro ver jogos no Estoril, em Setúbal…. adoro ver jogos noutros estádios! Claro que não têm as mesmas condições, mas ver o futebol no campo faz toda a diferença. Dá para ver mais coisas, certos comportamentos, analisar as coisas de forma diferente. Apelo a isso: continuem a ir aos estádios. A nível de futebol português, acho que a única coisa que eu pedia era, no que toca a verbas, haver uma distribuição mais equilibrada, visto que uns comem tudo e os outros nada. Os “três grandes” nem nos direitos desportivos foram honestos com as outras equipas, porque negociaram todos de forma independente, deixando os outros com uma fatia mais pequena. Isto faz com que a concorrência seja menor, com que a capacidade das outras equipas seja menor e que tenham que recorrer a jogadores emprestados pelos clubes grandes. Ou seja, estão na mão dos “três grandes” para tudo. O apelo é que quem decide, decida que as verbas no futebol sejam distribuídas de uma forma mais equilibrada.

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    Joana Libertador
    Joana Libertadorhttp://www.bolanarede.pt
    Tem a vaidade, o orgulho, a genica, a chama imensa. Para além da paixão incontrolável pelo Benfica, tem um carinho especial pelas equipas que vestem vermelho e branco. Menos na NBA. Aí sofre por aqueles que vestem branco, ou azul, ou amarelo, ou preto (depende do dia) - os GS Warriors.                                                                                                                                                 A Joana escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.