«Quando cheguei ao SL Benfica o clube não estava organizado como está atualmente» – Entrevista BnR com Miguelito

    -Os anos nas camadas jovens da seleção e o único jogo ao lado do irmão, Sérgio Organista-

    «Ficou a faltar mesmo ser internacional pela seleção AA»

    Bola na Rede: Estava a referir que tinha a ambição de singrar noutros campeonatos, noutros projetos, com condições financeiras mais favoráveis, mas, com certeza, também tinha como objetivo, e chegado ao Benfica, representar a seleção nacional. Chegou a ser internacional nas camadas jovens, venceu mesmo o torneio de Toulon, numa geração que contava, entre outros, com jogadores como Bosingwa, Bruno Alves, Ricardo Costa, Carlos Martins, Hélder Postiga. E ainda chegou à extinta seleção B de seniores. Jogar pela seleção AA seria, certamente, um objetivo… não o ter conseguido é algo que lamenta?

    Miguelito: Sim, era um sonho que também tinha. Sabia da dificuldade que tinha, porque, na altura, a seleção nacional tinha dois excelentes laterais esquerdos: o Rui Jorge e o Nuno Valente, que, normalmente, já iam à seleção e, portanto, só por aí, adivinhava-se uma tarefa árdua

    Bola na Rede: Era difícil…

    Miguelito: Era muito difícil. Ainda antes de chegar ao Nacional, cheguei a estar na lista dos 30 pré-convocados para o Europeu de Portugal [Euro’2004], mas depois não cheguei a ser escolhido.

    Bola na Rede: Foi graças à época do Nacional da Madeira?

    Miguelito: Não, foi antes, graças à última época no Rio Ave, e ao trabalho que tinha vindo a desenvolver… Mas era um dos sonhos quando cheguei ao Benfica. Sabe-se que quando se está numa equipa “grande” e quando se joga com regularidade numa dessas equipas que a probabilidade, ou a facilidade, de se chegar à seleção nacional AA é maior. Mas as coisas acabaram por não acontecer. Cheguei tarde às seleções jovens, já com 18 anos. Depois, daí até à chegada à seleção nacional B fui sempre uma presença assídua nas convocatórias, mas ficou a faltar mesmo ser internacional pela seleção AA.

    Bola na Rede: Agora talvez não seja tanto assim, mas, na altura, era muito difícil um jogador do Rio Ave ser convocado para as seleções nacionais jovens. Normalmente, eram convocados os jogadores de Benfica, FC Porto, Sporting, também Boavista e V. Guimarães, mas os jogadores dos outros clubes não eram olhados com tanta atenção…

    Miguelito: Sim. Ao mesmo tempo que, nessa época, era muito complicado um jogador chegar aos seniores vindo da formação, porque havia, de facto, um fosso muito grande, nas seleções jovens também havia esse fosso. Havia os três “grandes”, o Boavista, que, na altura, normalmente também lutava para ser campeão, o V. Guimarães, que também tinha sido campeão na formação, mas nem sequer o Sp. Braga ainda conseguia colocar jogadores nas seleções com facilidade. E, portanto, havia também essa dificuldade. O que nos dava ainda mais alento, àqueles que vinham de outras equipas. Lembro-me, por exemplo, que na minha primeira chamada somos convocados, desta zona, eu e o Tiago [Mendes] e que fomos a falar precisamente disso no comboio: que éramos uns privilegiados, que iríamos ter um trabalho difícil para conquistar aquele grupo e podermos estar naquele núcleo duro… mas, graças a Deus, as coisas acabaram por nos correr bem – mais até para ele que, depois, conseguiu chegar a patamares superiores, a nível de clubes e de seleção nacional. Naquele momento, conseguimos alcançar o nosso objetivo, que era integrar o núcleo duro da seleção, que já estava criado desde os sub-15.

    Bola na Rede: E vence o conceituado torneio de Toulon, em França…

    Miguelito: Tive a felicidade de ser campeão nesse torneio, uma prova muito prestigiada ao nível das seleções jovens. Poucas seleções de Portugal conseguiram ganhá-lo, penso que a última que, à época, o tinha feito foi a equipa da chamada “Geração de Ouro”, com Figo, Peixe, João Vieira Pinto… E depois acabámos por ser nós, porque tínhamos um grupo bastante coeso…Éramos um grupo de jogadores com potencial, mas que ainda não tinham os seus lugares conquistados, sólidos, nas respetivas equipas, e julgo que foi isso mesmo que fez com que conquistássemos Toulon. Só para fazer uma comparação: no ano seguinte, foi a Toulon praticamente a mesma equipa, mas já com os jogadores bem consolidados nos respetivos clubes e, de certa forma, houve um certo deslumbramento… nem sequer passámos à próxima fase.

    Fonte: FPF

    Bola na Rede: Fazendo uma pausa no percurso do Miguelito, falou, no início da entrevista, do seu irmão. O Sérgio Organista foi uma das grandes esperanças do futebol português. Teve um percurso de sucesso nas camadas jovens do FC Porto e, depois, ainda fez carreira em vários clubes portugueses e estrangeiros. Têm uma diferença de três anos de idade, o Miguelito é o mais velho. E há uma história curiosa, porque apesar de nunca terem jogado juntos a nível de clubes – embora isso tenha estado perto de acontecer –, acabaram por se cruzar na seleção nacional B. Foi o único sitio onde partilhou o relvado com o seu irmão. Chegou a ser um objetivo? Como é que foi essa experiência?

    Miguelito: Durante a maior parte da minha carreira, talvez ali até aos 28/29 anos, jogar com o meu irmão nunca foi algo em que tivesse pensado muito. E, de facto, nunca fiz tudo para que isso acontecesse. Mas mais tarde, já perto do final da carreira, pensei realmente mais nisso: em como seria? Lembro-me perfeitamente desse torneio, o Torneio Vale do Tejo. Eu fui convocado, o meu irmão, a princípio, não tinha sido, mas, entretanto, durante a semana, houve uma lesão de um jogador que jogava na posição dele. E ele foi chamado. Acredito que foi pelo valor dele, mas também acho que o facto de estarem dois irmãos a jogarem na mesma equipa possa, eventualmente, ter influenciado esta chamada do Sérgio. E foi a única vez que jogámos juntos…

    Bola na Rede: Mas correu bem, não perderam nenhum jogo…

    Miguelito: Correu. Foram três jogos e três vitórias. Tínhamos uma geração muito forte nessa altura…

    Bola na Rede: Não deve ter sido fácil para os seus pais terem dois filhos a jogar à bola dentro de casa…

    Miguelito: Não era nada fácil (risos). A minha probabilidade de partir vidros já era grande, então com dois… mas sempre arranjávamos espaço para poder jogar à bola. De facto, a bola esteve sempre presente desde que me recordo. Havia sempre espaço para jogar e se não houvesse… arranjávamo-lo. Sempre com as nossas picardias, como acontece entre dois irmãos, e muita vontade de ganhar, mesmo a brincar. Foi exatamente isso que nos fez “transportar” essa vontade para outros contextos.

    Bola na Rede: Há uma particularidade que divide o Miguelito e o Sérgio Organista. Quando pensamos em Miguelito pensamos em alguém que foi formado no Rio Ave. No caso do Sérgio, pensamos num jogador que depois acaba por cumprir várias épocas no Varzim, já como sénior… Não nasceu aí uma rivalidade entre irmãos? Normalmente, dentro do campo, vila-condenses e poveiros faziam “faísca”…

    Miguelito: (Risos) Ainda agora, se formos ver as coisas, eu vivo em Vila do Conde e ele na Póvoa de Varzim. Até nisso tem de haver rivalidade… Mas essa rivalidade existia mais antigamente. É até curioso, porque eu, antes de ir para o Rio Ave, até fui fazer testes ao Varzim, mas, na altura, não me quiseram. Aliás, é engraçado, porque o treinador que não me quis no Varzim, depois, treinou-me no Rio Ave e até me vinha buscar a casa quando estava doente…

    Bola na Rede: É mais uma prova que o futebol é muito dinâmico…

    Miguelito: Exatamente. Eu digo sempre que o futebol é o momento. Temos de saber aproveitar todos os momentos e deixarmo-nos ir nesses momentos. E continuar a trabalhar bem nos momentos menos bons. Mas em relação ao Rio Ave, de facto, foi para aqui que vim, e o meu irmão, anos mais tarde, vem jogar para o Varzim. Mas Rio Ave e Varzim foram sempre dois clubes que me disseram algo. Eu vivi sempre nas Caxinas, mesmo entre a Póvoa de Varzim e Vila do Conde, e os meus pais, em tempos, foram cobradores [de quotas] do Varzim, portanto, sempre senti essa ligação/rivalidade entre os dois clubes. Mas é como digo: nós, enquanto jogadores, temos de ser sempre o mais profissional possível, nunca dizer que não vamos jogar neste ou naquele clube, apenas porque é rival deste ou daquele. O importante é o jogador, enquanto estiver num determinado clube, lutar por aquele símbolo, e quando for para outro, fazer a mesma coisa. Só assim podemos ser respeitados e dar continuidade à nossa carreira. Nunca joguei pelo Varzim, mas se jogasse seria dessa forma que iria estar, mesmo percebendo que para alguns adeptos ouvirem estas coisas meta confusão. Mas é mesmo assim: um jogador profissional tem de ser mesmo isto… Eu vejo vários jogadores a beijar símbolos e, nos anos seguintes, a irem para outros clubes…

    Bola na Rede: Essas declarações de amor eterno, provocações aos rivais, por vezes, não correm lá muito bem…

    Miguelito: Não, nem fica bem. Quer se queira, quer não, isso pode limitar a carreira de um jogador. E mesmo que o jogador vá jogar para um clube rival, depois a pressão sobre ele será ainda maior. Os jogadores têm de ser inteligentes, ao ponto dos seus gostos clubísticos não extravasarem cá para fora. Os jogadores têm a sua preferência clubística, mas depois têm de ser profissionais. Dou sempre um exemplo: um jogador que diz que nunca joga em determinado clube, se não tiver mais nenhum clube, se o clube onde ele estiver já não o quiser, e se só o clube rival o quiser, ele não vai jogar para esse clube? Portanto, é o que eu digo, tentar ser o máximo profissional possível…

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    João Amaral Santos
    João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
    O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.