«Quantas pessoas podem dizer que treinam no clube onde já jogaram desde os sete anos?» – Entrevista BnR com Nuno Manarte (Parte II)

    – A chegada ao comando técnico da equipa principal e a ‘onda negativa’ provocada pelos adeptos-

    BnR: Entretanto chegamos a 2016/2017 que é o teu primeiro ano como treinador principal do clube que toda a vida representaste. O que significou isso para ti?

    NM: Esse primeiro ano foi uma surpresa para mim, a ideia era o Félix continuar e não continuou porque o clube entrou numa recessão, numa crise financeira. Pela primeira vez vi que poderia não existir clube nesse ano. Ultimamente tem-se usado muito esta expressão que eu não entendo e não compreendo. Convidaram-me para assumir o cargo de treinador principal, que muitos me disseram que era um presente envenenado porque ia entrar no cargo com o clube no pior momento dos últimos tempos, mas de muitos anos mesmo. Mas por outro lado eu não tinha como dizer que não. Não contava que a tão curto prazo chegasse a treinador principal, na altura pensava que dois anos mais como adjunto era o ideal. Mas quando as oportunidades surgem, uma pessoa pensa sempre que não está pronta e era melhor um ano mais tarde, mas talvez um ano mais tarde iria sentir o mesmo. A verdade é que cheguei à minha cadeira de sonho muito cedo, e também por eu ser Ovarense. Eu sou da Ovarense muito antes de pensar que poderia vir a fazer do basquetebol a minha vida. Foi uma decisão que requereu muita responsabilidade e compromisso, mas que também, eu não tinha como dizer que não.

    Nuno Manarte já assume o cargo de treinador principal desde a temporada de 2017
    Fonte: Ovarense Basquetebol – Fotos

    BnR: Que dificuldades encontraste nesta nova etapa?

    NM: Foram acima de tudo a pressão. Treinar uma equipa sénior com a história da Ovarense acarreta muita responsabilidade e há pouca margem para erro. Para além disso, o facto de eu também ser um Ovarense e estar a treinar o clube da minha terra. Depois sentir, ou ter a certeza, que estava habilitado para o cargo, pois depois neste primeiro ano existem sempre muitas dúvidas… “Será que consigo fazer as coisas bem?”, “Será que a equipa consegue ganhar?”, “Será que eu consigo já, com tão pouca experiência enquanto treinador, assumir um cargo tão importante e de tanta responsabilidade?”. Depois também é a gestão dos recursos humanos. Já gerir uma equipa de adultos, já com egos diferentes, com situações muito distintas, apesar de muitas delas serem similares com aquilo que se passa na formação, todas elas são exponenciadas a nível sénior. Principalmente o que conta é ganhar, há uma visão diferente em relação ao basquetebol profissional comparando ao basquetebol de formação. Essas foram, acima de tudo, as três grandes dificuldades que tive quando assumi o cargo de treinador principal.

    BnR: Na época passada (2018/2019), com poucos argumentos a Ovarense conseguiu marcar presença na segunda ronda dos playoffs. Soube a pouco ou pensas que “atingiram” o mínimo?

    NM: A verdade é que soube a pouco, achávamos que poderíamos ter feito mais alguma coisa. Eu hoje também acho que a diferença entre a nossa equipa e as outras três equipas de cima era grande, mas que numa competição a eliminar, uma Taça da Liga ou uma Taça de Portugal, poderíamos ter chegado a uma final por exemplo, o que teria sido um click. Mas de qualquer das maneiras também apanhando o campeão Nacional Oliveirense, uma equipa com quem nunca nos demos bem e sairmos da forma como saímos, com três jogos de alguma forma desequilibrados, deixa sempre um amargo na boca. De qualquer das maneiras a equipa do ano passado foi uma equipa fantástica em termos de grupo, em termos da forma como eles trabalhavam, da forma como eles cresceram, o compromisso que tinham uns com os outros, a própria dinâmica da equipa era fantástica. Foi provavelmente a melhor equipa que eu já treinei. A verdade é que poderíamos ter chegado um pouco mais além, não sei o quanto, provavelmente não muito, mas, nessas coisas não há que fazer muitas previsões pois acontecem de uma maneira muito natural. Mas pronto, foi o que foi, acabou por ser uma época bonita, sem ganharmos nada, não ganhando nada não ficas na história, mas pronto, nem tudo é só à volta das vitórias.

    BnR: Também nessa época, um conjunto de adeptos organizados, começaram a marcar mais presenças nos jogos e a apoiar a equipa como no tempo do Raimundo Rodrigues.  Sentes isso como algo positivo? Traz mais energia ao jogo e aos jogadores?

    NM: Vejo isso sempre de uma forma muito positiva. Eu cresci com o Pavilhão do Raimundo Rodrigues cheio, onde todos diziam que jogar em Ovar era o pior sitio que se podia jogar em Portugal, pela energia e pelo positivismo que traziam os adeptos, e pela forma como muitas vezes se começavam a ganhar os jogos desde a bancada. No sentido de sentirmos essa energia, esse ânimo e esse apoio pois no fundo esta é um pouco a história do clube, a forma como as pessoas se envolvem à volta do Clube e de como o apoiam. Portanto este ano foi igual. Começou-se já a sentir uma dinâmica diferente, acho que após o final da época passada, com aquela demonstração de apoio de toda a gente, quando perdes 3-0 numa meia-final e parece que ganhas. Acho que nós todos criámos um pouco esta dinâmica, esta expectativa também alta que criou um movimento de pessoas que passaram a ir com mais regularidade ao basquetebol. Eu vejo de uma forma súper-positiva, até ao momento em que deixa de ser positiva, até ao momento em que passa a ser negativa, em que cria uma onda negativa, em que se cria uma dinâmica negativa. Em que em vez de apoiar, aumenta a tensão e chamar à atenção que, os desportos são todos iguais, e os jogadores são todos iguais. A nossa equipa durante muitos momentos este ano, sentia-se mais confortável a jogar fora do que em casa. Esta onda negativa também que se gerou aumenta a pressão e quando não se ganha, há também um apoio contrário, há muita controvérsia, muito negativismo. E jogadores como os nossos, que perdem mas que dão tudo e dão sempre o seu melhor e que fazem tudo o que têm para fazer, mas que por estarem num mau dia ou num mau momento, ou por a outra equipa ser superior, e se perdem o jogo, quando há este tipo de criticismo e se gera esta onda de pressão negativa, os jogadores e todas as pessoas que estão à volta da equipa também a sentem. Portanto, não vai fazer da equipa melhor, vai fazer da equipa pior, pois não era disso que a equipa precisava durante muitos momentos. A equipa precisava de apoio, de levantar a moral porque estava num momento em que tudo corria mal. Nós também estávamos com falsas expectativas, nós também estávamos desiludidos com aquilo que nos estava a acontecer. Durante muito tempo, esta onda negativa que se gerou à volta da equipa, também funcionou a nosso favor e lutámos para também combater esta onda negativa que vinha de dentro, não vinha de fora.  Mas o apoio é importantíssimo, a forma como os adeptos apoiam o clube, não só dos que apareceram recentemente, como os que lá estão nas vitórias e nas derrotas, mas também quando é positiva, quando é para apoiar, não quando é para fazer exatamente o contrário.

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    Vicente Tigre Avelar
    Vicente Tigre Avelarhttp://www.bolanarede.pt
    Pratica desporto desde os cinco anos, idade em que começou a jogar Basquetebol. Jogou ao serviço da Associação Desportiva Ovarense durante 12 anos (nos quais três foi campeão distrital de Aveiro). É licenciado em Gestão (ensino em Inglês) pelo ISEG e estudante no Mestrado de Finance pela mesma instituição. Instituição pela qual ainda pratica Basquetebol, tendo conseguido chegar ao Top-8 Nacional em duas épocas consecutivas. É uma pessoa com uma paixão pela modalidade e com uma forte opinião sobre a mesma, sempre aberto a diferentes visões e novas experiências.                                                                                                                                                 O Vicente não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.