«Ser treinador do Porto e ganhar é competência, ser treinador do Braga e ficar em segundo é um milagre» – Entrevista BnR com Domingos Paciência

    -Do final de carreira antecipado à primeira experiência como treinador-

    «Há 54 anos que a Académica não vencia no Estádio da Luz e fomos lá ganhar 3-0»

    BnR: Acaba por ter uma lesão em 1996/97 e acaba por perder algum espaço na equipa titular, na altura também com a chegada do Mário Jardel. Foram essas as razões que motivaram a saída para o Tenerife?

    DP: Portanto, quem começou a jogar a titular fui eu e depois chegou uma altura em que vou para a seleção, logo a seguir à primeira jornada do campeonato e lesionei-me, fiz uma rotura do cruzado anterior. Tive três a quatro meses sem poder jogar. Até que o Jardel começou a jogar e a fazer golos, ganhando o espaço dele por mérito e eu depois nesse ano senti que as coisas se tornariam mais difíceis. É evidente que não era querer “fugir” por estar com receio de perder a titularidade para o Jardel, porque nós até chegamos a jogar juntos na frente. Saí porque também surgiu a oportunidade de ir para um campeonato diferente, o campeonato espanhol. A verdade é que não era uma equipa que lutasse para grandes objetivos, mas era uma equipa que apostou na altura, que foi o caso do Tenerife e entusiasmou-me a ideia de poder ter outro tipo de experiência.

    BnR: Foram duas épocas em Tenerife em que fez seis golos em 50 jogos, números muito distantes dos que habituou nas Antas. Teve algum problema de adaptação?

    DP: Não, tive acima de tudo vários problemas que afetaram o meu rendimento. Quando lá cheguei em junho, fraturei a mandíbula e demorei cerca de um mês e tal para poder recuperar. Depois em setembro, infelizmente, recebo a notícia triste que o meu pai está com um problema de saúde muito grave e que acabaria por falecer em abril. Esse primeiro ano em Tenerife foi muito complicado! Com 27 anos, estar a passar por esses momentos, mexe connosco. No segundo ano, mexeu-se muito no plantel, muita instabilidade e acabei por pedir para vir embora.

    BnR: Arrepende-se dessa saída para Espanha?

    DP: Não, de maneira nenhuma. Ainda hoje adoro Tenerife e para mim é o melhor local da Europa para viver. Tenho lá amigos e gostei de ter lá passado.

    BnR: Regressa ao FC Porto e termina a carreira em 2000, com 32 anos. É justo dizer, que era o único clube onde fazia sentido acabar carreira?

    DP: Era, eu não pensei que isso pudesse acontecer. Foi uma tomada de decisão que não foi fácil porque também no último jogo tive uma lesão que se calhar implicaria outra operação e aconteceram outras coisas que de certa forma não me agradaram. Eu também sempre fui uma pessoa de fixar datas, momentos para alcançar e para terminar e os 32 anos era a idade que eu dizia que ia deixar de jogar, não pela falta do prazer, porque eu prazer continuava a ter. Foi mais pelas condições que nós a partir de uma certa idade começamos a ter e tudo é em esforço a partir de uma determinada idade.

    Acaba a carreira aos 32 anos depois de sete campeonatos, duas taças de Portugal, seis supertaças e de se ter tornado o sexto melhor marcador da história dos Dragões
    Fonte: FC Porto

    BnR: Costuma-se dizer que, quando se fecha uma porta, abre-se uma janela. E, mal acaba a sua carreira de jogador surge a oportunidade de assumir um lugar no comando técnico, precisamente no FC Porto na equipa B, primeiro como assistente e depois como treinador principal. Foram anos importantes na sua aprendizagem como treinador?

    DP: Sim esses quatro anos foram importantes no sentido de me dar tempo suficiente para decidir o que é que eu pretendia em relação ao meu futuro, se era ligado ao futebol ou não. Esses quatro anos ajudaram-me a enriquecer, a dar tempo para consolidar uma posição de treinador e uma carreira que eu queria seguir. Fui assistente três anos do Ilídio Vale e acabei por ser treinador principal no último ano, depois saí, fiquei um ano parado e rejeitei propostas de clubes de segunda liga. Achei que se tivesse de entrar num clube era numa equipa de primeira liga e tive a felicidade disso ter acontecido. Foram pessoas que me ajudaram e que deram boas indicações minhas.

    BnR: Segue-se a primeira experiência no primeiro escalão, o U. Leiria. Como é que surgiu essa oportunidade?

    DP: Sei que houve um jornalista que teve influência. O Pedro Azevedo da Rádio Renascença, em conversa com o Bartolomeu (presidente da U.Leiria da altura) disse que havia um treinador jovem e ambicioso que estava no Porto e que, se calhar, era uma boa opção. Depois o Bartolomeu ligou ao Pinto da Costa e o Pinto da Costa deu as referências em relação ao meu trabalho na equipa B e acabei por ser treinador do U.Leiria.

    BnR: Estreia-se frente ao FC Porto, no Estádio do Dragão. Jogo mais especial do que esse era difícil.

    DP: Por ironia do destino, acabo por fazer o primeiro jogo no Estádio do Dragão como treinador. Acabei por perder 2-1, acho que a equipa teve um comportamento muito bom principalmente na segunda parte. Mas foi um jogo que me marcou, porque quem apadrinhou e batizou a minha estreia foi o FC Porto.

    O estádio do Dragão apadrinhou a estreia de Domingos na I Liga ao comando da U.Leiria
    Fonte: FC Porto

    BnR: Nessa altura já estava completamente convencido que iria ter uma longa carreira de treinador?

    DP: Sim, a partir do momento em que senti que tinha capacidades para poder ser treinador, acabei por investir ainda mais e acho que as coisas acabaram por correr bem. Acho que no Leiria correu bem, apesar de ter saído mais cedo, mais pela questão de sentirem que já estava feita a época, já se estava até a lutar por lugares europeus e o Bartolomeu acabou por optar por dar a oportunidade ao seu genro, ao Paulo Duarte. E no ano seguinte chego à Académica, onde acabo por fazer duas boas épocas.

    BnR: Na segunda época na Académica, alcança o 7º lugar, algo que o clube não alcançava desde 1985. Quais é que acha que foram os ingredientes por de trás de uma época tão positiva?

    DP: Acho que foi um grupo muito bom que eu encontrei. O Luís Aguiar, o Miguel Pedro, o Éder, o Nuno Piloto, o Pedro Roma, o Orlando, o Vítor Vinha, fizeram parte de um grupo muito engraçado e de bons jogadores. Tivemos momentos muito bons e nunca mais me esquecerei do primeiro ano. Há 54 anos que a Académica não vencia no Estádio da Luz e fomos lá ganhar 3-0. No ano a seguir fomos lá outra vez e ganhamos 1-0 com um golo do Tiero. Foram momentos bons em que vivemos coisas únicas.

    Domingos recorda os bons momentos vividos em Coimbra onde fez história ao vencer na Luz por 3-0
    Fonte: Catarina Guimarães/ Bola na Rede

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    Nélson Mota
    Nélson Motahttp://www.bolanarede.pt
    O Nélson é estudante de Ciências da Comunicação. Jogou futebol de formação e chegou até a ter uma breve passagem pelos quadros do Futebol Clube do Porto. Foi através das longas palestras do seu pai sobre como posicionar-se dentro de campo que se interessou pela parte técnica e tática do desporto rei. Numa fase da sua vida, sonhou ser treinador de futebol e, apesar de ainda ter esse bichinho presente, a verdade é que não arriscou e preferiu focar-se no seu curso. Partilhando o gosto pelo futebol com o da escrita, tem agora a oportunidade de conciliar ambas as paixões e tentar alcançar o seu sonho de trabalhar profissionalmente como Jornalista Desportivo.