«Ser treinador do Porto e ganhar é competência, ser treinador do Braga e ficar em segundo é um milagre» – Entrevista BnR com Domingos Paciência

    -Das cinco temporadas difíceis que se seguiram às propostas em cima da mesa-

    «Eu não concebo que um analfabeto consiga ser treinador de futebol»

    BnR: Nos cinco anos seguintes, cinco clubes diferentes (Deportivo, Kayseripor, V.Setúbal, APOEL, Belenenses). Foram anos difíceis na sua carreira de treinador?

    DP: Foram, porque no fundo foi voltar a um patamar onde já tinha estado. Essas decisões foram tomadas de acordo com o momento que eu e a minha família atravessávamos. Houve momentos que eu tinha de estar aqui em Portugal. Só para contar que, no momento em que eu estava a assinar pelo Setúbal, tinha uma proposta do Atlético Paranaense em cima da mesa mais vantajosa e recusei porque tinha de estar perto dos meus filhos. Eles precisavam de mim na altura e estar a ir para o outro lado do oceano não fazia sentido. Apareceu o Deportivo no fim do Sporting porque eu queria entrar no campeonato espanhol, não sabia era que as condições em que o Deportivo se encontrava eram tão complicadas.

    BnR: Na altura estavam no último lugar.

    DP: Estavam, entrei num momento em que a equipa estava lá em baixo. As coisas estavam a complicar-se muito e o Deportivo era um clube que não merecia aquilo que estava a viver. Os adeptos começaram a tomar partidos, a dizer para extraditar os portugueses e tínhamos lá vários, para além da equipa técnica. Eu senti que corríamos riscos, ao ponto dos meus adjuntos terem problemas na saída dos carros, como se nós fossemos os culpados daquilo que estava a viver o clube.

    Seguiram-se as idas para Espanha e Turquia, onde realizou um total de 13 jogos nessas duas épocas
    Fonte: FIFA

    BnR: E o que correu mal no campeonato turco?

    DP: Eu fui substituir o Prosinecki e mais tarde vim a saber por outros jogadores que lá estavam, tinha lá o Sereno na altura, que me vieram contar que o Prosinecki já estava com vários problemas. Ele chegou ao ponto de ficar em casa e não querer sair para ir dar treino e tiveram de o ir buscar, porque ele já não queria, já não aguentava mais aquilo. Eu não sabia que este tipo de situações estavam a acontecer.

    BnR: Que tipo de situações?

    DP: Aquilo entrou numa fase que dava a sensação que o clube não era gerido pelo treinador, o treinador só tinha de fazer o que determinada pessoa queria. E o que aconteceu com o Prosinecki aconteceu comigo. Eu felizmente ainda tenho capacidade para decidir se quero ser treinador ou um fantoche. Não quero ser fantoche, nem pau-mandado. Quando sou contratado, está no contrato bem explícito para o que é que eu vou e essas funções eu exerço-as, não admito que outras pessoas o façam por mim.

    A última experiência de Domingos enquanto treinador foi ao serviço do Belenenses
    Fonte: Belenenses

    BnR: Quais são as principais diferenças do Domingos de 2010/11 para o de agora?

    DP: As únicas diferenças são a maturidade, o conhecimento, as experiências vividas, o enriquecimento que tive, porque no fundo, durante todos estes anos e em todas as equipas que treinei, tive oportunidade de trabalhar os vários sistemas e as várias dinâmicas. Hoje nada me surpreende para qualquer clube que eu possa ir, porque sei o que já fiz e o que dá resultado. Se eu for hoje ver um treino, os métodos são muito idênticos, tudo é copiado, tudo é parecido, não se pode dizer que hoje no futebol se esconda segredos. Ainda há treinadores que são capazes de dizer que têm uma forma de trabalhar diferente, essas pessoas são vendedoras de produtos. O Mourinho que é o Mourinho, já o disse publicamente “hoje quem quiser treinar, vai à Internet”. Ainda há treinadores que pensam que são uns iluminados. Eu não concebo que um analfabeto consiga ser treinador de futebol.

    BnR: Esta série de experiências menos positivas afetaram-lhe de alguma forma a maneira como encara o futebol ou acha que tudo não passa de um ciclo menos positivo e no futuro poderá a vir a ter um desempenho comparável ao que teve com o SC Braga há cerca de dez anos?

    DP: Se eu sentir que é a oportunidade de voltar, hei de voltar. Agora, tenho consciência que sou mais seletivo, na medida em que há projetos que já apareceram e não aceitei por saber que vou estar em condições de desvantagem, que vou voltar a patamares onde já estive e isso leva-me a recusar alguns projetos. Nesta altura, na eventualidade de surgir um projeto para fora do país, é mais fácil, porque é um país diferente, uma cultura diferente, uma motivação diferente, experiências diferentes.

    BnR: Preferia treinar fora de Portugal nesta altura?

    DP: Sim, se surgisse um projeto que me entusiasmasse, preferia treinar fora de Portugal. É evidente que em Portugal, tem-se sempre a vantagem de treinar no nosso campeonato, com as nossas pessoas, com a família e saber como funciona toda esta máquina que é futebol português. Mas teria de ser sempre um projeto que as pessoas acreditem, que sintam que possa ser um projeto de sucesso.

    Domingos via com agrado uma experiência fora de Portugal
    Fonte: Catarina Guimarães/ Bola na Rede

    BnR: Agora que é mais seletivo, que campeonato o atrai neste momento?

    DP: Toda a gente sabe que neste momento há determinados campeonatos que é a ambição e sonho de muitos treinadores. É entrar em Espanha, no futebol em Itália, Inglaterra, Alemanha e França. São campeonatos europeus fortes, com qualidade e visibilidade, qualquer treinador gostaria de estar nesses campeonatos. Depois, se há treinadores com um currículo mais ou menos que não conseguem entrar nestes campeonatos, pensam que se surgir um contrato fabuloso para a China ou para a Arábia Saudita vão para lá. E ainda há outro patamar, que é a Bulgária, a Roménia, a Polónia, o Chipre, são os outros países que andam à volta. Isto no fundo é o ranking que existe, o treinador gostava de entrar lá em cima, se não consegue ou vai pela parte financeira ou pelo trabalho.

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    Nélson Mota
    Nélson Motahttp://www.bolanarede.pt
    O Nélson é estudante de Ciências da Comunicação. Jogou futebol de formação e chegou até a ter uma breve passagem pelos quadros do Futebol Clube do Porto. Foi através das longas palestras do seu pai sobre como posicionar-se dentro de campo que se interessou pela parte técnica e tática do desporto rei. Numa fase da sua vida, sonhou ser treinador de futebol e, apesar de ainda ter esse bichinho presente, a verdade é que não arriscou e preferiu focar-se no seu curso. Partilhando o gosto pelo futebol com o da escrita, tem agora a oportunidade de conciliar ambas as paixões e tentar alcançar o seu sonho de trabalhar profissionalmente como Jornalista Desportivo.