«Tinha tudo acertado com o Sporting CP, mas o Costinha foi despedido e o negócio caiu» – Entrevista BnR com Matheus

    – Do campeonato «roubado» pelo SL Benfica à glória europeia no SC Braga –

    «Em 2009/2010 tiraram o campeonato ao SC Braga, foi um assalto»

    BnR: Na época seguinte chega o Jorge Jesus. Que impacto teve no SC Braga?

    M: Rapaz… Vou ser sincero: tive um problema com ele lá. Eu sempre fui um jogador explosivo, que quando estou errado escuto, entro calado, saio calado, mas quando vejo que estou certo brigo por aquilo. Eu treinava bem, jogava bem, mas era sempre, banco, banco, banco, até os meus amigos perguntavam como é que eu não jogava a titular… Claro que não temos conflitos entre jogadores mas, ao mesmo tempo, lutamos por um lugar e na altura era só César Peixoto, César Peixoto, César Peixoto… Até disse [ao Jesus] para deixar ele na lateral-esquerda e deixar-me jogar, mas não quis. Então disse ao Salvador para me emprestar ou deixar-me ir para algum lado, porque não ia dar certo o meu trabalho com o Jorge Jesus. Aí ele começou a meter-me a jogar em mais alguns jogos, Liga Europa, cheguei a fazer golos importantes, só que, quando achava que ia ser titular, Matheus… Banco. Uma vez fomos para uma palestra, eu meti os fones nos ouvidos, comecei a ouvir música e ele a falar, a falar, e eu a não ouvir nada. Ele chegou ao pé de mim a dizer «miúdo, não estás a ouvir nada!» e eu disse que não queria ouvir nada… E mandou-me sair da sala. Fui ter com o Salvador e disse-lhe que queria ir embora, mas ele disse «fica tranquilo»: falou-me que o Jorge Jesus tinha uma proposta do Benfica…

    BnR: Então durante essa época toda tiveste dificuldades com o Jesus?

    M: Pois, foi complicado. Ele é uma pessoa espetacular, um profissional fora do normal, mas é como te disse: se vejo uma coisa errada, vou lutar por ela até ao fim, eu não sei engolir. Se estou a ver que estás a fazer uma coisa errada ao meu companheiro pelas costas, então vou falar contigo e quero que resolvam a situação. Naquela altura eu sentia-me injustiçado, fazia o meu trabalho e não jogava. Aí ele foi para o Benfica…

    BnR: Surpreendeu-te que ele desse esse salto?

    M: Não me surpreendeu porque o que ele fazia no SC Braga era um trabalho espetacular, fora de série. Claro que ele precisa das peças: se ele tiver as peças no lugar certo, é um cara que com jogadores sem nome, mas que sejam a peça certa, pode dar trabalho a qualquer equipa do Mundo. Faz um trabalho muito diferente dos outros. Depois daí, assumiu o Domingos Paciência.

    BnR: Sim, agora entramos naquela temporada que foi a lutar até à última pelo título, mas essa época começou muito mal, ao serem eliminados da Liga Europa pelo Elfsborg da Suécia…

    M: Vou-te dizer como foi: no primeiro treino do Domingos Paciência, ele colocou uma bola no meio-campo, mandou-nos sentar, falou com os jogadores e perguntou-me o que é que estava lá a fazer e disse-lhe: «eu quero ser campeão». Ele respondeu: «gostei, miúdo, gostei da tua atitude». Fomos eliminados das competições europeias, mas a preparação tinha sido muito boa, o Salvador deu crédito ao Domingos porque a equipa não jogava mal e fizemos um campeonato bom, perdemos para o Benfica só por um ou dois pontos… Tiraram o campeonato ao SC Braga. Acho que naquela altura não queria outro clube que não Benfica, FC Porto e Sporting a ser campeão, era essa a realidade.

    BnR: Em que jogos sentiram isso?

    M: O próprio jogo contra o Benfica. O golo do David Luiz foi em fora-de-jogo, o penálti do Luisão, em que ele me fez um carrinho e o árbitro não deu nada. Era um jogo que, se fosse empate, continuávamos à frente deles e como o Benfica ganhou, passou-nos. Até no jogo em Braga, que o Di María cuspiu para o nosso banco e falou um monte de coisas, mas só os jogadores do SC Braga foram suspensos, entendeu? Foi uma jogada para o Benfica ser campeão, um assalto mesmo, daqueles que a polícia está a ver, mas deixa levar.

    BnR: Nessa época o SC Braga teve muitas dificuldades nos jogos com os grandes, foi goleado no Dragão, porque é que parecia que havia um bloqueio nesses jogos?

    M: O Domingos Paciência, antes de começar, disse-nos «olhem, vamos ganhar pontos contra os pequenos, porque contra os grandes não é só contra eles, mas também contra os homens de preto ou amarelo. Por isso, vamos ganhar aos pequenos porque isso é que vai fazer a diferença, porque os grandes também vão facilitar». E foi isso, fizemos o papel de ganhar aos considerados pequenos, mas em termos de jogadores e salários via-se grande diferença de patamar. Acabámos por ser vice-campeões e conseguimos ir à Liga dos Campeões, um momento único não só na minha vida, como na do clube e de jogadores que estavam lá. Toda a gente achava que íamos ser eliminados pelo Sevilha, mas fizemos uma surpresa. O Domingos Paciência soube gerir o balneário, deixá-lo unido, mesmo com quem não jogava. Tivemos problemas internos, mas soubemos gerir e fazer com que não saísse na imprensa, muitas coisas que as pessoas não sabem.

    BnR: Contra o Sevilha fizeste uma exibição particularmente incrível…

    M: Sim. Foi aquele golo do 1-0, depois lá em Sevilha o pessoal viu uma entrevista do Luís Fabiano a dizer que ia ser diferente lá… E realmente foi, ganhámos 4-3. A gente já chegou ali forte depois da eliminatória com o Celtic. Nesse jogo [contra o Celtic] estava no banco porque tinha uma dor na posterior e o Domingos disse «tranquilo, vais entrar e resolver o jogo». Já estávamos a ganhar 1-0, mas bati um canto e o Elderson fez o 2-0 e depois, um livre quase do meio-campo e o [Andrés] Madrid disse para trocar a bola e ganhar tempo, mas eu disse: «Madrid, não. Sempre que vocês acabam o treino e vão para o balneário, eu fico com o Eduardo a rematar forte daquela zona. Eu vou chutar e acertar no ângulo». Foi tiro e certo, mesmo na gaveta, como costumamos dizer no Brasil, onde a coruja dorme. Acabámos a eliminar o Sevilha, chegámos à fase de grupos e acho que até foi a primeira vez que uma equipa faz uma pontuação normal para se qualificar, mas foi eliminada. Acabei por sair depois, mas eles foram à final da Liga Europa.

    BnR: O que é engraçado, porque no Vitória FC fazes uma grande época, mas não jogas a final da Taça da Liga. Em Braga, grande época, mas não jogas a final da Liga Europa. Porque é que não consegues jogar uma final?

    M: A de 2015 joguei [risos]. E outra, tem uma final que não sei se te lembras, que era a Taça Intertoto e ganhámos. Quem fez o golo, quem foi? Fui eu. [risos]

    BnR: Como a Intertoto é uma competição tão obscura, teve significado para vocês?

    M: Teve sim. Porque nós jogávamos no SC Braga, sabíamos que não era fácil ter títulos, entendeu? Agora é fácil porque o SC Braga é grande… grande, não… Enorme. Naquele período, ficávamos felizes por estar naquele torneio, por isso queríamos ganhar. Joguei aquela final e fomos campeões. Mas não sei explicar, muitas vezes chegava o melhor jogo e não jogava… Não participei. Acho até que o SC Braga está a dever-me uma medalha de campeão porque eu fiz parte. Ás vezes brinco com os meus colegas: «opa, alguém deve ter a minha medalha» [risos]. Porque se eu não tivesse feito aqueles dois golos contra o Arsenal, não tínhamos ido à Liga Europa. Também tenho uma história engraçada nesse jogo contra o Arsenal com o Hugo Viana, até hoje não me esqueço: fiz o segundo golo, toda a gente a abraçar-me e ele disse «agora ninguém segura o miúdo». Depois daquele jogo eram tantas chamadas, tanto empresário, tudo conversa, conversa, conversa… Cheguei ao hotel, o Salvador e o Jorge Mendes ligaram-me a dizer que havia um pré-contrato com o Lille, que veio a ser campeão na França, assinei com uma cláusula que dizia que um ponta-de-lança deles, que o PSG queria, tinha de sair. Só que no último jogo ele teve uma lesão grave no perónio, o negócio com o PSG ficou congelado, tal como a minha ida para o Lille. Eles tentaram diminuir salário e foi aí que apareceu o Dnipro da Ucrânia.

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    João Reis Alves
    João Reis Alveshttp://www.bolanarede.pt
    Flaviense de gema e apaixonado pelo Desportivo de Chaves - porque tem de se apoiar o clube da terra - o João é licenciado em Comunicação e Jornalismo na Universidade Lusófona e procura entrar na imprensa desportiva nacional para fazer o que todos deviam fazer: jornalismo sério, sem rodeios nem complôs, para os adeptos do futebol desfrutarem do melhor do desporto-rei.                                                                                                                                                 O João escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.