«Vemos treinadores sem experiência absolutamente nenhuma a terem oportunidades que eu ainda não tive» – Entrevista BnR com João Henriques

– De malas feitas para o Médio Oriente, onde não se moveu um “grãozinho” – 

“A parte mais difícil do trabalho na Arábia [Saudita] era precisamente a parte da comunicação”

BnR: Em 2012 trocou os pampilhos de Santarém pelas tâmaras sauditas. Como é que lhe chegou esta proposta?

JH: Começa exatamente na altura em que vou para o CD Fátima, a convite do Paulo Leitão, para ser seu adjunto. Eu estava no Abrantes FC, na distrital, e o Fátima estava na II Divisão B. Trabalhámos, identificámo-nos e aprendi muito com ele. Algum tempo depois, o Paulo regressa ao Sporting para coordenar os projetos internacionais e é quando há uma ligação entre o Al-Ahli de Jeddah, da Arábia Saudita, e o clube leonino, através de um protocolo que fizeram. Uma das fases desse projeto era a integração de treinadores portugueses na formação do Al-Ahli e o Paulo foi o responsável por recrutar treinadores para irem para esse projeto. Convidou-me a mim, juntamente com o José Vasques, o Luís Gonçalves – que é atualmente treinador de Moçambique -, o Rui Bento e o João Couto; foi um grupo grande que partiu para aquela aventura.

BnR: A sua família viajou consigo?

JH: Não.

BnR: Como era a vida de um português na Arábia Saudita, um país no polo cultural oposto ao nosso?

JH: Foi um primeiro impacto difícil. A nível cultural, acima de tudo. Depois, a distância era grande e com as filhas muito pequenas foi a minha esposa que ficou a tomar conta do barco. Mesmo as tecnologias, sobretudo na Arábia Saudita, eram muito atrasadas e era difícil termos uma rede em condições para meter o Skype a funcionar. Foi um confronto de mentalidades: íamos com a ideia de que íamos mudar o mundo, íamos ajudar e levar muita coisa nova, mas rapidamente percebemos que ia ser muito difícil mudar um grãozinho de areia que fosse no sítio onde estávamos. Foi uma aprendizagem muito grande, mas com um início muito difícil especialmente pelo distanciamento familiar.

BnR: O que o motivou no projeto que lhe foi apresentado pelo Al-Ahli Jeddah?

JH: Inicialmente íamos com a ideia de implementar o modelo Sporting. O impacto financeiro era muito positivo, mas, sobretudo, os treinadores com que ia – alguns experientes e com muita capacidade – iam permitir-me evoluir, aprender e partilhar as minhas ideias para além daquilo que era a base do Sporting. Estava consciente de que seria mais um passo importante na minha carreira. Já estava há demasiado tempo no campeonato distrital ou na segunda divisão e, chegando aí, sentia que havia uma barreira para o futebol profissional que não dava para ultrapassar. Então achei que, por ali, podia ganhar mais currículo, por ser um projeto internacional ligado a um clube grande.

BnR: Acumulou o cargo na formação com o de treinador adjunto da equipa principal e jogou a Liga dos Campeões. Como avalia o nível do futebol asiático em comparação com o português?

JH: Quando cheguei havia uma distância maior. Penso que, gradualmente, com a chegada de treinadores estrangeiros – quando saí entrou o Vítor Pereira, também já lá esteve o Jorge Jesus e agora estão lá mais uns quantos – houve um crescendo de qualidade. Mesmo os jogadores estrangeiros que foram para este mercado também eram cada vez melhores e deu-se um crescimento exponencial do futebol saudita. Quando chegámos, não era nada visível esse crescimento e isso mostrou-nos grandes diferenças para os campeonatos europeus. A juntar a isto, somam-se as dificuldades climáticas, de alimentação e a parte religiosa – que condiciona as sessões de treino com muitas paragens. Foi uma aprendizagem boa para a minha experiência nos Emirados.

Quando João Henriques estava no Al-Ahli, da Arábia Saudita, o clube esteve presente na Liga dos Campeões Asiática, tendo sido afastado pelo FC Seoul, da Coreia do Sul. 

BnR: E a língua?

JH: Tive de aprender árabe o mais rapidamente possível.

BnR: Os jogadores não falavam inglês?

JH: Em inglês não chegava a todos e, na tradução, não sabíamos o que lhes chegava. Considero que a comunicação é extremamente importante, mais a emoção que damos quando comunicamos e o tradutor não passava a emoção que queríamos. Tínhamos duas vias: aprendíamos árabe e era mais rápido ou através do inglês e nem todos tinham essa capacidade. Então a parte mais difícil do trabalho na Arábia era precisamente a parte da comunicação. Algo que melhorou muito nos Emirados, porque, para além de termos um tradutor que passava as emoções, os nativos daquele país têm um inglês melhor do que tinham os sauditas.

BnR: Alguma história caricata dessa altura?

JH: Passámos praticamente dois meses a treinar quatro jogadores.

BnR: Explique.

JH: Nesse ano, existiram várias provas de seleções, tanto jovens quanto da principal, e que na Ásia se desenrolam ao mesmo tempo que os campeonatos nacionais. Em outubro/novembro, ficámos sem os jogadores porque eles foram para a seleção muito tempo – não é como aqui, em que vão uma semana antes do jogo e está resolvido; lá, vão um mês antes e nós continuávamos a jogar. O José Peseiro, que estava na equipa A, não podia ficar sem jogadores e ia buscar aos sub-23 os melhores e nós não podíamos ir aos sub-19 porque também estavam na seleção. Então houve uma altura em que tínhamos apenas quatro jogadores e eu dizia, por piada, que éramos a equipa técnica mais bem paga do mundo em rácio. Íamos para o treino e já nem sabíamos o que havíamos de fazer. Depois jogávamos com os jogadores que o José Vasques não convocava – nem sequer os treinávamos –, juntávamos ali alguns jogadores e passámos algumas dificuldades; se não tínhamos um médio, adaptávamos um central. Foi o período em que tivemos os piores resultados, apesar de, chegados ao final da época, sermos vice-campeões.

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Miguel Ferreira de Araújo
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