«Vemos treinadores sem experiência absolutamente nenhuma a terem oportunidades que eu ainda não tive» – Entrevista BnR com João Henriques

    – Aparição em Fátima, a onda do Estádio do Mar e o passo maior do que a perna –

    “No jogo da Taça da Liga em que empatámos no Dragão foi quando disseram pela primeira vez «Este Leixões joga bem! Quem é este treinador?»”

    BnR: É religioso?

    JH: Sim.

    BnR: O apelo da saudade, juntamente com o de Fátima, era impossível de recusar?

    JH: Voltei a Portugal convencido de que estas duas experiências no estrangeiro me abrissem as portas para uma eventual entrada nos campeonatos profissionais, mas cedo percebi que ninguém viu o que tínhamos feito no Médio Oriente. Entretanto, surgiu o convite do Fátima, que tinha um investidor saudita e um administrador tunisino – este último até tinha estado ao mesmo tempo que eu na Arábia Saudita -, mas foi por indicação do meu atual adjunto, Luís Morgado, que lá fui parar. Fui a uma reunião, vi que conhecia os investidores e foi fácil chegar a acordo porque a primeira coisa que me disseram – e lá está, são os tais desafios de que eu gosto – foi “Para este projeto, não há margem de erro: é para subir”. Felizmente foi isso que aconteceu: foi um campeonato com dois empates, o resto vitórias e levámos outra vez o Fátima à segunda divisão.

    Em Fátima, venceu a 1.ª Divisão da AF Santarém e colocou o CD Fátima no Campeonato de Portugal, chegando desta forma aos campeonato profissionais.
    Fonte: CD Fátima

    BnR: Com dois sauditas e um tunisino no plantel. O futebol asiático é um mercado para o qual os clubes portugueses deviam olhar com outra atenção?

    JH: Sim, e os últimos anos têm sido um bom exemplo.

    BnR: Taremi e Rashid à cabeça.

    JH: Existem alguns bons jogadores na região que precisam de sair daquele meio para mostrarem ainda mais qualidade, porque tanto nos EUA como na Arábia Saudita vi jogadores com muito talento, mas que necessitavam da exigência dos campeonatos europeus para mostrarem ainda mais o seu valor. Esse é um mercado interessante, desde que haja disponibilidade dos jogadores para a parte desportiva, porque na financeira eles estão muito bem e não precisam de vir para a Europa. Tem de ser uma aposta de carreira, mas, se estiverem dispostos a isso, não tenho dúvidas de que podem acrescentar. O jogador saudita é muito técnico, às vezes até quer adornar em qualquer parte do campo, mas bem enquadrado nas questões táticas do jogo (…) esta era uma questão muito problemática na equipa do Al-Ahli: quando chegámos, jogava em 70 metros do campo a defender ou a atacar; era igual.

    BnR: Falemos da época 2017/18. Foi Kenedy quem o convidou a juntar-se à equipa técnica do Leixões SC?

    JH: Sim.

    BnR: Surpreendeu-o a sua saída ao fim de três jornadas?

    JH: É curioso porque estava a dar um curso de treinadores – algo que fazia na AF Santarém até entrar para o Leixões – e nessa altura o Kenedy estava a ter aulas comigo. Conhecemo-nos aí, conversámos e ele tentou convencer-me a fazer parte da equipa técnica; fui dizendo sempre que não até à última – até porque tinha um convite do 1.º de Dezembro, com quem já tinha tudo tratado. Com todo o respeito, dizia-lhe que não me via a dar um passo atrás ao voltar a ser adjunto, mas ele foi muito honesto comigo, dizendo-me que não queria que eu fosse só adjunto dele, que ambos seríamos os treinadores. Logicamente ele era a figura de cartaz, mas em treino, na preparação, nos conteúdos e na comunicação queria que fôssemos os dois a fazê-lo. Fui dizendo que não até ir ver o jogo da liguilha Leixões SC x SC Praiense, que ia determinar quem estaria na Segunda Liga na época seguinte. Quando lá cheguei, vi um estádio completamente cheio e foi isso que me convenceu. Era aquilo que queria, que precisava: aquele tipo de ambiente e de clube, porque o Leixões é um clube enorme. Aceitei o convite naquele momento. À terceira jornada, o Kenedy sai e praticamente obriga-me a ficar; ele, o Presidente e o resto da equipa técnica convenceram-me. O Presidente chegou ao pé de mim e disse-me “Tens uma semana para mostrares que tens condições para ficar à frente do Leixões”.

    Kenedy e João Henriques
    João Henriques (terceiro a contar do lado direito) foi convidado a integrar a equipa técnica de Kenedy (ao seu lado esquerdo) como treinador adjunto no Leixões SC, na época 2017/18.
    Fonte: Leixões SC

    BnR: Encarou o desafio como algo a prazo ou percebeu de imediato que era uma oportunidade de ouro?

    JH: Percebi que, saindo o treinador principal, a imagem que passava para fora era a do adjunto sem condições que ia ficar à frente da equipa, e o Presidente quis testar se havia apoio dos adeptos na decisão ou não. Uma decisão que tinha de ser sustentada. Mas estava à vontade, porque não foi um trabalho de uma semana: nós já estávamos já dentro do clube; só não foi fácil os adversários que íamos apanhar: FC Porto B, logo no primeiro jogo.

    BnR: Vitória por 1-0.

    JH: Depois fomos a Braga, onde empatámos 2-2, e voltámos a jogar em casa e vencemos, se não me engano. Fizemos este percurso que sustentou a decisão do Presidente e não foi preciso um terceiro jogo. Aliás, logo a seguir ao jogo de Braga, disse publicamente que eu é que ia ser o treinador principal. Tínhamos muita confiança e os jogadores colaboraram, porque estavam comprometidos e identificados com o processo. Ajudaram no empenho e na vontade, porque perceberam que eu estava a prazo e eles mostraram que queriam o João Henriques logo no primeiro jogo.

    BnR: O impacto na classificação foi tremendo e estendeu-se à valorização de jogadores, como [Stephen] Eustáquio ou André Ferreira. Acredita que estes são os dois principais medidores do sucesso de um treinador?

    JH: Esses são dois fatores importantes. Outro é a mensagem que os jogadores vão passando entre eles e que, consequentemente, passa também de clube para clube; começa-se a falar daquele treinador, de que o trabalho está a resultar, e a tabela classificativa vai corroborando estas ideias. A valorização dos jogadores, como disseste, é fundamental, porque os clubes, atualmente, procuram muito isso – alguém que consiga potenciar os ativos -, mas, mais uma vez, isso também só se consegue com a tabela classificativa. Por último, um fator que não é controlado por nós e que tem a ver com o futebol-negócio que existe; há decisões estranhas que ninguém entende, em que existem mais valores em jogo do que propriamente estes da “meritocracia”. Mas, sinceramente, o que senti que levou os clubes a olharem para mim foi a visibilidade que tive nos jogos com os grandes. No jogo da Taça da Liga em que empatámos no Dragão foi quando disseram pela primeira vez “Este Leixões joga bem! Quem é este treinador?”.

    BnR: A saída para o FC Paços de Ferreira em janeiro foi um passo maior que a perna?

    JH: Foi um risco calculado. Curiosamente, tínhamos defrontado o Paços duas vezes pelo Leixões: primeiro na pré-época, em que fomos a casa deles empatar e, depois, para a Taça da Liga, no Estádio do Mar, em que vencemos. E eu sabia exatamente como era a equipa do Paços (…), sabia que estava numa situação difícil e era um dos candidatos à descida. Quando apareceu o convite, o risco foi calculado. Era preciso reforçar a equipa em janeiro para que não passasse por dissabores mais para a frente e confiança naquilo que era o nosso trabalho. O impacto da chegada e da primeira semana de trabalho resultou numa vitória na Vila das Aves; na semana seguinte também vencemos na receção ao CD Feirense. Estávamos perto do final do mês de janeiro – a poucos dias do fecho do mercado – e estas duas vitórias fizeram mal a todos porque, como os resultados apareceram de imediato, acabou por não haver o reforço da equipa; a direção pensou que já estava resolvido e não era preciso investir. Entretanto apareceram as lesões e os castigos num plantel onde a qualidade já era reduzida e a equipa não conseguiu reunir os pontos suficientes para a manutenção. Foi uma desilusão muito grande. Nunca tinha passado por uma situação idêntica e temi que as pessoas olhassem apenas para o resultado e não para o conteúdo.

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    Miguel Ferreira de Araújo
    Miguel Ferreira de Araújohttp://www.bolanarede.pt
    Um conjunto de felizes acasos, qual John Cusack, proporcionaram-lhe conciliar a Comunicação e o Jornalismo. Junte-se-lhes o Desporto e estão reunidas as condições para este licenciado em Estudos Portugueses e mestre em Ciências da Comunicação ser um profissional realizado.                                                                                                                                                 O Miguel escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.