«Alguns jogadores do Benfica de 2005 tinham lugar nesta equipa» – Entrevista BnR com Álvaro Magalhães (parte 2)

    BnR: Em 2010, no teu primeiro ano em Angola, vences o Girabola ao comando do Interclube, terminando em igualdade pontual com o segundo classificado. Como foi este campeonato?

    AM: Foi uma experiência fantástica. Eu quando lá cheguei disse ao Presidente que ia ser campeão.

    BnR: E ele?

    AM: “Epa, eu quero é uma época tranquila”. E eu disse-lhe “Vou acabar com o reinado do Pedroto aqui em Angola, este ano”. E formei uma equipa muito boa, a estrutura e o Presidente deram-me todas as condições.

    BnR: Como surgiu a oportunidade de treinares em Angola?

    AM: Através de uma pessoa de Portugal, que me levou para lá.

    Álvaro Magalhães foi campeão pelo Interclube em Angola
    Fonte: Álvaro Magalhães

    BnR: Que condições de treino e infraestruturas encontraste?

    AM: Muito boas. Fui para o Brasil um mês e meio. Enquanto muitos vêm para o frio, eu fui para o calor. Porque se Angola é um país de 40 e tal graus, não faz sentido eu ir fazer estágio para um país em que está frio. Fizemos a pré-época no complexo desportivo do Zico, no Rio de Janeiro. Foi fantástico, escolhi os melhores, tinha jogadores de grande qualidade técnica. Parte física eles são fortíssimos, o que era essencial naquilo era tática e psicológica. E a mentalidade deles…

    BnR: Que diferenças destacas relativamente aos jogadores que já tinhas treinado em Portugal?

    AM: Eu como tenho família africana é mais fácil porque eu conheço o estilo africano. Também tive jogadores africanos no Benfica, o Vata, por exemplo, e temos que conhecer bem o ambiente deles e a mentalidade. A minha adaptação é ao povo angolano mas no campo eles é que têm que se adaptar a nós. Trabalhei no máximo e eles próprios reconheceram e assimilaram tudo aquilo que foi bem feito no Brasil.

    BnR: Quais os frutos dessa preparação na pré-época?

    AM: Formámos um grupo de jogadores com índices competitivos fantásticos, eles estavam preparados e não me enganaram. Normalmente o africano gosta de enganar, têm sempre umas desculpas… E eu aí contei o que aconteceu com o Vata na Luz: o Vata vai a Angola, aparece 15 dias atrasado e diz que morreu o pai. No outro ano, vai outra vez a Angola e regressa 15 dias atrasado. E volta a dizer que morreu o pai. E eu disse-lhe “Mas afinal quantos pais é que tu tens?” (risos).

    BnR: Os teus jogadores perceberam?

    AM: Sim. Eu disse-lhes que a minha esposa tinha nascido em Angola e mais a história do Vata, e disse-lhes para não me virem com conversas de que estão com gripe, foram levar a filha ao hospital, um furo… Tudo mentira. Pus multas elevadíssimas e expliquei-lhes que se quiserem ir às compras, um dia de folga ou têm que ir com a filha ao médico, digam. Porque não é por faltar um dia ao treino que o jogador perde forma. Agora, tem que haver honestidade e se vocês falharem os treinos estão ali as multas.

    BnR: E resultou?

    AM: Na perfeição, os jogadores tiveram um comportamento exemplar. Não tiveram que pagar multas porque chegavam sempre a horas e alguns deles acordavam às quatro ou cinco da manhã para vir treinar. Sempre que precisavam de faltar, vinham ter comigo, pediam e eu deixava. Fomos campeões nacionais e só perdi a final da Taça nos pénaltis.

    BnR: E a tua adaptação ao futebol de Angola?

    AM: É preciso incutir muita disciplina e ter um certo cuidado a falar com o povo africano. Às vezes a linguagem que usamos aqui em Portugal no banco, atira-se uma palavra daquelas que para eles é complicado. Eles podem, falam mal entre eles, mas nós portugueses temos que ter um certo cuidado quando transmitimos alguma coisa para dentro de campo.

    BnR: É mais difícil ser treinador ou jogador?

    AM: Treinador. No futebol tem que haver inteligência, se não houver inteligência não há condições de se ganhar alguma coisa. O Eriksson dizia que podemos treinar o dia todo, correr, chutar à baliza, fazer cruzamentos, treinos táticos, defensivos, mas se a cabeça não funcionar lá vai o trabalho.

    BnR: A cabeça suporta o corpo não é? Os maratonistas dizem isso, a Rosa Mota, o Carlos Lopes, diziam isso.

    AM: Eu almoçava com o Carlos Lopes todos os dias.

    BnR: A sério?

    AM: Todos os dias. Ele tinha uma loja de desporto e havia um restaurante lá ao pé que se chamava “Mário”, era um portista fanático, muito boa gente. Comia-se bem, iam também outros jogadores e os jogadores do Porto quando vinham cá, iam lá. Eu estava lá todos os dias porque era um negócio familiar e conhecia o Mário, sentia-me em casa. O Carlos Lopes, como tinha a sua loja de desporto, almoçava também lá todos os dias e almoçava comigo. Ele é do meu distrito, de Viseu. Era o meu companheiro de almoço e nós falávamos muito sobre isso. Ele dizia “Vocês no futebol param, vão ao chão. Nós não, nós quando arrancamos temos que correr e só paramos no fim. E vocês correm na relvinha, nós no treino temos árvores no caminho, subimos, descemos…”.

    BnR: Qual foi o melhor jogador que treinaste?

    AM: Ui, pergunta difícil. Apanhei muito bons jogadores. Normalmente as pessoas dizem um avançado porque marca golos mas eu vou dizer o Auri, um central. Por tudo, como jogador, bom defesa… eu fui buscá-lo ao aeroporto, fui como um pai para ele. Como homem, dentro e fora de campo, era fantástico, um líder sem o qual os treinadores não têm sucesso.

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