«Não vai demorar muito para o SC Braga ser campeão» – Entrevista BnR com Paulão

-O polémico episódio de racismo: um tema intemporal e global- 

«Tudo o que eu fiz por esse clube, como fui recebido e depois eles fizeram isso comigo»

Bola na Rede: Sobre o período no Bétis, falava-te de uma questão mais negativa, mas que está um pouco atual, que foi aquele jogo com o Sevilha. Como foi viver aquilo e, em termos de reações institucionais, achaste que houve alguma coisa que tenha sido bem feita?

Paulão: Olha, não precisa de ficar com receio de fazer pergunta, pode fazer qualquer pergunta. Porque eu sei que você pode ter vontade de fazer, mas pode ficar à vontade, pode fazer o que você achar melhor. Aconteceu, realmente. O Bétis vinha nessa fase ruim e esse derby é uma coisa de loucos. No primeiro ano, o Bétis já tinha algum tempo que não ganhava do Sevilla e eu não conhecia o derby e, para mim, era um jogo normal. Fui para o jogo, as pessoas chegaram para mim, é o derby, tem que ganhar, se descer para a segunda divisão está tranquilo, mas eu prefiro ganhar o derby e eu, tá louco esses… e a gente conseguiu ganhar e, depois disso, as pessoas Paulão para cá, Paulão para lá, você é uma máquina e tal. E, para mim, foi mais um jogo normal. Aí, na próxima época, foi o mesmo jogo e as pessoas vieram, só que a situação era diferente, a gente estava mentalmente um pouco abalado pela situação, os adeptos estavam cobrando muito. Na verdade, nós, e eu particularmente, no psicológico já estava apreensivo e um pouco abalado pela situação. E, então, aconteceu aquilo para mim. Eu levei um cartão amarelo, logo em seguida levei um segundo e aconteceu que os adeptos, os próprios adeptos do Bétis, com aquele ato começaram a imitar o macaco. Hoje, eu rio da situação, mas é uma situação muito ruim, muito chata. Porque é uma situação que só quem passa é que consegue sentir, porque as pessoas de fora, ai você não é negro? Está, eu sou negro, mas… as pessoas que passam por isso é que podem descrever realmente a decepção… Eu nem sei bem falar aquilo que a gente sente, é um momento triste, é um momento que a gente não sabe o que fazer, se a gente chora, se a gente sai do campo, se a gente vai lá e começa a brigar com os adeptos e quem ofendeu no momento ou deixa para lá, é uma situação de prostrado mesmo. Eu, só por causa da minha cor, passar uma situação dessa, as pessoas começam a te atingir. Então, eu realmente não sei o que te dizer, mas é uma situação muito triste, não só para mim, mas também a gente começa a pensar na nossa família, nos nossos pais, nos nossos filhos. Olha o que o meu pai está passando, olha o que o meu filho está passando, olha o que o meu marido está passando… Será que ele merece isso depois de tudo o que ele fez pelo clube, baixou o salário – isso ninguém sabe -, tudo o que ele passou desde a infância, isso ninguém sabe… Também porque as pessoas vão pela paixão ao clube e acham que a gente está ali e quer ser expulso ou quer falhar, as pessoas acham isso. Mas, não é isso, a gente está ali para dar o melhor da gente, está ali para conquistar coisas para a nossa família que deixamos no Brasil, só que as pessoas não pensam nisso. Eu entendo isso, eu entendo também o lado deles, porque é a emoção e isso, mas para a gente… é uma coisa muito ruim, sabe? Eu não desejo isso para ninguém. O que eu senti, eu realmente não desejo isso para ninguém, porque, até hoje, eu, às vezes, me sinto… Tudo o que eu fiz por esse clube, como fui recebido e depois eles fizeram isso comigo… mas, é como se diz, tem que virar a página e ficar sempre pensando no melhor, no que vem.

Em ação contra o Real Madrid
Fonte: FIFA

Bola na Rede: Ainda sobre este tema, na altura até o próprio Presidente da FIFA comentou a situação, mas vimos esse caso e vimos muitos outros, até com jogadores de alta notoriedade como o Neymar, e a sensação que fica é que acaba por haver sempre muita impunidade. Fala-se muito, critica-se muito, mas acaba por nunca se fazer nada.

Paulão: Olha, José, isso não vai acabar, infelizmente, isso não vai acabar. Eu penso que, a partir do momento que deixar de falar sobre isso, eu acho que… está, racismo, ok, mas a gente vai fazer o quê? Tem que conviver com isso e, a partir do momento que a gente deixar de falar… ou passar a punir realmente, então, as pessoas vão começar a dizer “houve ali uma punição grande, houve uma punição ali que foi considerado” ou então deixar de falar: chamou, teve um ato de racismo, vamos deixar, vamos ignorar. Talvez aí, sim, as pessoas, “eles já não ligam mais, então vamos parar de falar”. Mas, não tem jeito, isso não vai acabar. Isso é aqui no Brasil, é em Espanha, é em Portugal, é em todo o lado, então, é assim, cabe à gente que realmente é negro tentar contornar a situação, sabendo que uns vai sentir mais que os outros. Agora, isso do Presidente da FIFA, falar “ah eu condeno”… e aí? Condena, está, você está falando, mas, e aí? Acho que é um pouco vago, isso, não é? Vou falar aqui para as pessoas ver que eu não sou de acordo com isso. Está, você não é de acordo, mas e a punição? Não tem punição. Vamos parar de falar? Não vamos. Vamos ficar calados? Aí fica difícil, sabe? Como te falei, só quem passa sabe qual é o sentimento, mas te dizer o que tem de fazer para mudar isso, eu acho difícil.

José Baptista
José Baptista
O José tem um amor eclético pelo desporto, em que o Ciclismo e o Futebol Americano são os amores maiores. É licenciado em Direito (U. Minho) e em Psicologia (U. Porto).

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