1. FC União de Berlim | O “conto de fadas” do clube que o mundo não mudou

    Quando aterrei em Berlim, em março de 2017, o primeiro pensamento que tive, relacionado com futebol, foi aquele que provavelmente a maior parte dos aficionados teria: “há Hertha BSC, há Liga Alemã!”. E o estádio até era perto de minha casa.

    A Carolin, uma das poucas alemãs que trabalhava comigo, tratou do assunto e arranjou-me os bilhetes. Para a zona VIP. “Uau, grande pinta…”, pensei eu, na minha ingenuidade.

    Bebi as minhas cervejas, jantei bem, mas pouco me lembro da experiência. O que me ficou na cabeça foram as palavras do futuro marido da Carolin.

    O Paul nasceu na parte leste da cidade, no seio de uma família da classe operária, e, como o bom filho que é, carrega as cores do 1. FC União de Berlim ao peito.

    Estupidamente, agora que penso nisso, fiquei confusa quando lhe perguntei o porquê de apoiar uma equipa da segunda divisão, quando tinha o Hertha mesmo ali à porta.

    “É difícil explicar, mas está-me no sangue. É muito mais do que futebol para nós que apoiamos o União.”

    O Paul nunca foi homem de muitas palavras, mas, sinceramente, eu é que ainda não estava preparada para escutar. E, como de costume, foi precisa uma certa distância para lá chegar.

    Berlim é a melhor cidade da Europa. Porquê? Porque todos têm liberdade para ser exatamente o que quiserem. Todos podem e devem, simplesmente, ser fiéis a si próprios. Sem medos, sem julgamentos. A história e as pessoas assim a fizeram e não é sequer preciso passar lá muito tempo para se sentir essa energia. Está no ar, à disposição de todos nós.

    Em plena Guerra Fria, no ano de 1966, onde a maior parte dos clubes mais importantes da capital alemã continuariam a ser controlados pelas forças policiais ou militares, os Die Eisernen (“Os de Ferro”) estabelecer-se-iam oficialmente como o clube da classe operária e, ainda mais importante, como a voz não oficial de oposição contra o regime. E o seu estádio como uma das muito raras zonas onde os rebeldes se podiam exprimir em relativa segurança. Nem todos os fãs eram inimigos do Estado, mas todos os inimigos do Estado eram adeptos do União.

    Ao contrário daquilo que se poderia esperar, o final da guerra não ditou a extinção do clube. Inevitavelmente, tendo em conta as humildes raízes e o quão fiéis se mantêm a elas, o União passaria por inúmeras crises financeiras, que, inclusivamente, lhes impossibilitaria uma promoção ao segundo escalão alemão, há praticamente 20 anos atrás.

    Mas, entretanto, a verdadeira magia aconteceria no Alte Försterei (“Floresta Antiga”), estádio localizado no distrito de Köpenick, com capacidade para 22.000 apoiantes.

    No meio da tempestade vem a bonança, e a crise de 2008, uma das que quase obrigaram o União a fechar portas, acabaria por ser apenas mais uma prova do tamanho da força humana quando movida pela mesma causa.

    Por um lado, e como na Alemanha o ato é pago, foi criada uma campanha de doação de sangue aos hospitais berlinenses. Os fervorosos fãs deram, literalmente, o sangue ao manifesto.

    Por outro, o mágico Alte Försterei precisou urgentemente de ser renovado e 2.500 adeptos, sabendo que o perigo de perder a licença era real, começaram a aparecer em Köpenick todos os dias, bem cedo, e foram eles próprios misturar cimento para as novas bancadas. Ao todo, contabilizaram-se 140.000 horas de trabalho voluntário e, numa nota que me parece bem ser aqui deixada, aproveito para contar que quiseram manter os lugares de pé e, portanto, apenas 20% das bancadas têm assentos.

    Esta é a história de um clube de Berlim sem vídeos e anúncios ao intervalo, sem música para celebrar os golos, porque ali só as pessoas e o futebol interessam. Para eles, é uma forma de manter a honra e dignidade, e quanto menos fizerem, mais espaço dão aos fãs para partilhar as suas próprias emoções e celebrar a vida.

    Esta é a história de um clube dos adeptos, para os adeptos, onde qualquer pessoa pode encontrar-se com o presidente, o treinador ou os jogadores, para apresentar ideias, comunicar, partilhar. Ser ouvido. Todos são iguais.

    Este é um “conto de fadas” raro, mas muito real, num mundo cada vez mais comercializado. No final do dia, se formos a ver bem, é possível que todos andem por cá à procura de pelo menos um lugar onde são respeitados – enquanto seres humanos, não enquanto consumidores.

    Esta é uma história sobre emoções cruas e genuínas. É uma história sobre liberdade. As pessoas, desde que sejam livres para fazer o que querem, vão sempre sentir-se vivas. E o 1. FC União de Berlim é, então, um oásis pequenino no imenso deserto em que este mundo se está a tornar.

    Diria eu que esta é uma história de muita paixão, sangue, suor, e poucas, muito poucas lágrimas, numa cidade que se mantém fiel a si própria e num país onde, efetivamente, o futebol é dos adeptos (“Fussball ohne fans ist nichts”).

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