O Comboio do Manchester United só passa uma vez | Rúben Amorim

    A Nostalgia

    Foi no dia cinco de março de 2020 que o Sporting oficializou a compra de Rúben Amorim por 10 milhões de euros, oriundo do SC Braga, tornando-se, à data, no terceiro negócio mais caro da história do futebol no que a treinadores diz respeito.

    Suceder-se-iam tempos absolutamente atípicos e imprevisíveis, quer pela pandemia da Covid-19 que se instalaria por todo o mundo, quer pelo sucesso que Rúben Amorim teria, ao ser campeão, já na época seguinte (2020/2021), libertando o Sporting da trincheira em que estava inserido. 

    Desde então, subiu a pulso nos leões, nem sempre com efeitos práticos nas classificações, tendo sido segundo classificado em 2021/2022 e quarto em 2022/2023 até atingir o clímax tático em 2023/2024, quando foi campeão nacional praticando um futebol claramente superior, face aos seus rivais diretos. Clímax tático esse que, ao longo da época 2024/2025 parecia estar a entrar numa constância pouco vista nos últimos largos anos em Portugal, avizinhando-se uma época recheada de feitos e recordes a nível interno, pelo menos.

    Tudo estava bem em Alvalade, utópico até, quando a ordem natural das coisas ditou o despedimento de Erik Ten Hag do comando técnico do Manchester United.

    Erik ten Hag Manchester United
    Fonte: Diogo Cardoso/Bola na Rede

    Os adeptos leoninos, tal como não previam tamanho sucesso com a chegada de Rúben Amorim há dois pares de anos, também não previam que o despedimento do técnico neerlandês fosse ensombrar tão diretamente e tão repentinamente os seus sonhos, desde logo, um bicampeonato tranquilo, que embora a precocidade da temporada, parecia estar já ali ao virar da esquina, 71 anos depois.

    A Transferência

    Mais uma vez, a ordem natural das coisas impera e Portugal, querendo ou não, é um país vendedor, seja para jogadores, treinadores ou dirigentes e, apesar de muitos sobressaltos no trono que outrora foi de Sir Alex Ferguson (oito treinadores desde 2014), sabe-se que o comboio do Manchester United pode só passar uma vez e nem sempre no timing desejado.

    Certamente, Rúben Amorim preferiria sair, caso tivesse oportunidade, no próximo verão e alinhavar uma temporada com uma pré-época de trabalho, mas o comboio chegou agora e Rúben Amorim, embora possa atrasar a sua partida em algumas horas ou dias, terá que o apanhar, antes que ele pare na próxima estação, e começar a pré-época em viagem.

    Há um ponto de encontro entre a saída do SC Braga e a saída do Sporting. Não obstante diferentes pontos de maturação tática, emocional e uma luta por objetivos distintos, há uma sede por abraçar um novo projeto em alturas pouco confortáveis, uma vontade por se desafiar a si próprio, por abandonar a sua zona de conforto e ingressar, quase cegamente, num novo desafio.

    A Chegada

    Rúben Amorim chega a um Manchester United que vive uma verdadeira crise existencial e tem sido um “cemitério de treinadores”, já longe dos tempos em que era presença assídua nas fases adiantadas da Liga dos Campeões, em que lutava pela Premier League e em que afugentava qualquer adversário só pela nomeação do 11 inicial.

    Por isso, chegar, ver e vencer parece ser uma autêntica miragem. Até pode atingir, com alguma competência e sorte à mistura, um troféu, seja uma taça interna ou até mesmo uma Liga Europa, mas é preciso entender, acima de tudo, que será um projeto de revitalização a médio-longo prazo, que terá pilares fulcrais como a compreensão, a paciência e, principalmente, muito trabalho e cooperação entre jogadores, equipa técnica e estrutura.

    As Características

    Rúben Amorim tem como seu sistema tático base o 3-4-2-1 e parece-me importante especificar o que procura em cada posição.

    Guarda-redes – capaz de jogar com os pés e protetor da baliza

    Centrais externos – exímios na construção e com capacidade de progressão com bola (pelo menos um), velocidade e fortes no jogo aéreo

    Central do meio – forte no jogo aéreo, comandante de área e controlo da linha

    Alas – capacidade técnica e de um para um (podem ser extremos adaptados), normalmente um de pé trocado para criar superioridade por dentro

    Médio defensivo – liderança, capacidade de desarme, progressão com bola e de ligação de setores

    Médio centro – grande raio de ação, pedir jogo atrás e romper à frente, muita disponibilidade física

    Avançados interiores – capacidade de explorar entrelinhas, ter técnica e com capacidade de fazer golos, normalmente, um com mais vertigem, outro com maior capacidade de se ligar ao setor intermédio

    Ponta de lança – Possante, capacidade de ataque ao espaço, de arrastar marcações e de marcar muitos golos.

    As Escolhas

    Quanto às escolhas, há desde logo quatro jogadores, excetuando André Onana, que serão, inevitavelmente, peças coriáceas, pelo menos no curto-médio prazo.

    Falo de Lisandro Martínez, que embora não seja um defesa muito alto, se encaixa no perfil de central canhoto, construtor e veloz; Manuel Ugarte, que já trabalhou com Rúben Amorim no Sporting e conhece o modelo de jogo melhor que ninguém neste seio de jogadores; Bruno Fernandes, seja para ser usado no meio-campo ou no tridente ofensivo, é o jogador que mais se pode assemelhar à função executada por Pedro Gonçalves, no campo e fora dele, e Rasmus Højlund, que se enquadra perfeitamente no perfil pedido para a frente de ataque.

    Manchester United jogadores Ruben Amorim
    Fonte: Diogo Cardoso/Bola na Rede

    No setor defensivo com Leny Yoro de fora por lesão, o mais óbvio parece a colocação de Matthijs de Ligt como central pelo meio, que, com o regresso de Harry Maguire pode descair para o centro-direita, onde também há Victor Lindelöf.

    Rúben Amorim pedia um ala de pé trocado para, muito sinteticamente falando, criar superioridade de um lado, atrair e virar flanco para o outro ala aberto. Aqui, para além de ter que montar o puzzle da esquerda para a direita, está presente, talvez, uma das maiores lacunas do plantel, por não haver um equilíbrio de características. Diogo Dalot e Noussair Mazraoui têm facilidade em jogar invertidos, mas, ofensivamente, com bola, criam poucos desequilíbrios e não têm muita irreverência. Para fazer o papel de ala aberto (o de Nuno Santos ou Nuno Mendes no Sporting), o mais óbvio parece ser Alejandro Garnacho, pela disponibilidade defensiva que oferece, embora se perca a facilidade de remate, jogando na direita.

    No meio-campo, Kobbie Mainoo, não sendo o jogador ideal, por estar longe de ser um organizador, parece ser o mais capaz de replicar o raio de ação pretendido e os movimentos a todo o campo, não descartando, de todo, a possibilidade de ter Bruno Fernandes neste papel, juntando-se a Manuel Ugarte para ligar a equipa desde trás e poder lançar no espaço os homens mais adiantados.

    Bruno Fernandes
    Fonte: Premier League

    A outra lacuna evidente está nos avançados interiores, onde ter capacidade de explorar entrelinhas é obrigatória. Neste papel, parece também preponderante ter Bruno Fernandes, seja para combinar ou para se relacionar com a baliza adversária. Caso o médio português se enquadre no meio-campo, Joshua Zirkzee (dificilmente contará para ponta-de-lança) pode ocupar esse espaço, pela sua capacidade técnica acima da média e capacidade de conexão (à semelhança de Paulinho no Sporting), sem descartar a opção Mason Mount. Do lado direito, Amad Diallo pode ser o escolhido, pela sua facilidade de drible em espaços curtos, que tal como fez Francisco Trincão, pode relançar a sua carreira.

    Há jogadores com muito estatuto, como Marcus Rashford, Casemiro ou Christian Eriksen, que parecem não se enquadrar nas ideias do treinador português. O internacional inglês, desde logo, sendo um extremo de campo aberto (perfil não existente neste modelo de jogo) com pouco compromisso defensivo, fica descartado da possibilidade de atuar, quer como ala, quer como avançado interior. Já Casemiro e Christian Eriksen, com dificuldades evidentes em cobrir grandes áreas do campo, terão, certamente, dificuldades, em contexto de Premier League, em atuar num meio-campo a dois.

    Marcus Rashford no Manchester United x FC Porto
    Fonte: Diogo Cardoso/Bola na Rede

    As boas notícias são que ainda “só” decorreram nove jornadas de Premier League, está uma paragem de seleções aí à porta e faltam cerca de dois meses para o mercado de janeiro, onde, inevitavelmente, a INEOS e o Manchester United terão que investir e libertar jogadores excedentários. Desde logo, com uma época tão densa, parece necessária a inclusão de mais um médio no plantel e obrigatória a aquisição de um ala com o perfil adequado.

    Não é, de todo, de desvincular a possibilidade de, inicialmente, ser montada um sistema tático diferente, com uma linha de quatro atrás.

    Rúben Amorim marcou uma era de Sporting onde conquistou dois campeonatos, três taças da liga e uma supertaça e, quiçá, marcará uma era de Manchester United.

    A sua icónica frase «E se corre bem?» talvez nunca tenha feito tanto sentido. Veremos.

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