IAAF muda de nome mas mantém-se sem rumo

A ELEIÇÃO DOS MELHORES DO ANO: UMA ESCOLHA LÓGICA, OUTRA POUCO LÓGICA

Na última sexta-feira, decorreu no Mónaco a gala anual da IAAF (prometemos que daqui a uns meses lhe chamaremos exclusivamente “World Athletics”) que consagrou os melhores do ano no Atletismo. A gala, que é uma espécie de Oscars do Atletismo, distingue não só os melhores atletas, como as maiores revelações, treinadores e personalidades ligadas à modalidade.

O espanhol Felix Sanchez Arrazola repetiu a vitória na fotografia do ano com uma bela fotografia de Shelly-Ann Fraser-Pryce na final dos 100 metros de Doha. O Irmão Colm O’Connell, missionário irlandês, venceu um merecido prémio de carreira como treinador no Quénia. A etíope Derartu Tulu conquistou o galardão de mulher do ano pelos seus contributos no desporto e o guineense Braima Suncar Dabo (atleta do Maia Atlético Clube) recebeu o prémio Fair Play por este fantástico gesto nos Mundiais de Doha!

Como revelações/jovens do ano nada há a dizer da justiça dos prémios atribuídos a Selemon Barega, o etíope que foi Prata nos 5.000 de Doha e teve as melhores marcas juniores do ano nos 5.000 e 10.000, e a Yaroslava Mahuchikh, a ucraniana que foi Prata na Altura de Doha com impressionantes 2.04 metros, novo recorde mundial júnior.

Já no que diz respeito aos melhores atletas do ano, poucas dúvidas haviam que as mulheres estiveram este ano um patamar acima dos homens (especialmente nos Mundiais de Doha) e, como tal, iria custar ver atletas como Sifan Hassan (a holandesa foi campeã mundial dos 1.500 e 10.000 e da Diamond League nos 1.500 e 5.000) ou a queniana Brigid Kosgei (nova recordista mundial da Maratona) sem o troféu, mas o prémio teria que ir para Dalilah Muhammad. E assim foi. Justamente, a World Athletics atribuiu o galardão à norte-americana que alcançou o impressionante feito de ter batido por duas vezes em 2019 o recorde mundial dos 400 metros barreiras, sendo que na 2.ª isso tornou-a na campeã mundial. Para colocar a cereja no topo do bolo, ainda fez uma “perninha” na final das estafetas e venceu o Ouro nos 4×400…

A grande surpresa apareceu mesmo no vencedor masculino, que nem sequer marcou presença no Mónaco para receber o prémio. Eliud Kipchoge é enorme e nós não nos cansamos de elogiar o queniano. Já por aqui fizemos vários artigos sobre o mesmo e faltam palavras para qualificá-lo. No entanto, a sua escolha como atleta do ano parece-nos pouco coerente, pouco racional e até contraprodutiva para a IAAF.

Em 2019, Kipchoge fez uma única corrida competitiva, um único evento IAAF, que foi a Maratona de Londres, que venceu em grande estilo com recorde do percurso da capital britânica (2:02.37). Foi grande, mas essa nem sequer foi a Maratona mais rápida do ano (Bekele ficou a dois segundos do recorde mundial em Berlim). Resta, portanto, admitir que a IAAF atribuiu o prémio ao atleta pela quebra da barreira das duas horas na distância da Maratona no tal desafio INEOS 1:59.

Já o dissemos: o feito de Kipchoge foi enorme, sim, mas levanta muitas interrogações. Kipchoge lutava apenas contra o tempo, num percurso não homologado pela IAAF, com várias outras condições antirregulamentares (número e formação dos pacers, alternando entre si, carro-pacer com laser a marcar o percurso…) sem rivais, com ténis que levantam mais interrogações que certezas quanto à sua legitimidade, num evento privado criado exclusivamente para si e que muitos consideram como uma manobra de publicidade à marca desportiva Nike.

É ele o único homem capaz de o fazer? Provavelmente sim, mas isso não é o desporto, não é o Atletismo. Por alguma razão temos regras, homologações e competições. Foi um feito enorme para o homem, Kipchoge poderia (deveria!) até ter ganho, no Mónaco, um prémio extra (especial) pelo feito que alcançou e por ter inspirado tantas e tantas pessoas a fazerem-se à estrada, mas ser considerado atleta do ano numa prova não-oficial que não cumpriu uma série de regras obrigatórias não nos parece minimamente coerente.

Kipchoge quebrou barreiras, mas a WA errou ao nomeá-lo atleta do ano
Fonte: World Athletics

Pelo caminho bateu o super-favorito Karsten Warholm, o norueguês que venceu todas (!) as provas em 2019, ao ar livre ou em pista coberta, sagrando-se campeão mundial dos 400 metros barreiras, vencendo a Diamond League na mesma distância, sendo campeão europeu indoor de 400 metros, tendo ainda corrido o 2.º tempo mais rápido de sempre nas barreiras. Outro atleta que poderia merecer a distinção era o ugandês Joshua Cheptegei, que no mesmo ano venceu o título mundial de Corta-Mato e o dos 10.000 metros (nos Mundiais de Doha), além de ter vencido a final dos 5.000 na Diamond League.

Percebe-se que a IAAF tenha querido distinguir a maior personalidade do desporto na atualidade e que compete num evento bastante mais popular do que os 400 barreiras (afinal a Maratona e o running estão hoje numa categoria diferente), mas esse não deveria ter sido o critério.

Obviamente que a decisão da IAAF gerou várias reações negativas nas redes sociais – e não só, quem próximo estava, na gala do Mónaco, diz que o treinador de Warholm não poupou piadas azedas relativas aos ténis Vaporfly – e deixa no ar uma enorme questão: qual é a mensagem que a IAAF passa? Que é mais importante os atletas participarem neste tipo de espetáculos artificiais do que nos campeonatos/eventos oficiais do desporto? Um tiro nos pés, apenas mais um, por parte de quem a muitos nos habituou. Tudo muda, mas nada muda.

Foto de Capa: World Athletics

Revisto por: Jorge Neves

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O Pedro é um amante de desporto em geral, passando muito do seu tempo observando desportos tão variados, como futebol, ténis, basquetebol ou desportos de combate. É no entanto no Atletismo que tem a sua paixão maior, muito devido ao facto de ser um desporto bastante simples na aparência, mas bastante complexo na busca pela perfeição, sendo que um milésimo de segundo ou um centimetro faz toda a diferença no final. É administador da página Planeta do Atletismo, que tem como principal objectivo dar a conhecer mais do Atletismo Mundial a todos os seus fãs de língua portuguesa e, principalmente, cativar mais adeptos para a modalidade.                                                                                                                                                 O Pedro escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

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