Antevisão Tour de France: Jonas Vingegaard vs Tadej Pogacar

    Chegou a hora! A partir deste sábado, dia 1 de julho, até dia 23 de julho, decorre a 110.ª edição da Super Bowl, da Champions League, da Wrestlemania do ciclismo: o Tour de France! 21 dias com um percurso habitualmente concebido para privilegiar ciclistas versáteis, o Tour é uma corrida onde todas as equipas querem ganhar uma etapa, onde todas as classificações têm importância, nem que seja um simples prémio da combatividade. A Volta à França já foi o momento onde estrelas começaram a apagar-se, mas ainda mais vezes o momento em que nascem.

    O DUELO DO ANO

    A luta pela camisola amarela é antecipada desde o dia 24 de julho de 2022. Esta foi a data em que Jonas Vingegaard se sagrou oficialmente vencedor do Tour, derrotando um Pogacar que estava invicto na “Grand Boucle”. Todo este período de quase 365 dias tem sido de antecipação para responder a duas questões: Terá Vingegaard o que é preciso para derrotar “Pogi” por duas ocasiões? Será que Pogacar aprendeu com os erros de 2022?

    O facto de nenhum dos dois ciclistas ter feito grandes voltas desde o Tour do ano passado é o que aumenta ainda mais o desejo de ver este confronto, que no último ano só se tornou verdadeiramente a ver no Paris-Nice com vitória clara para Tadej Pogacar, que se mostrou muito superior ao rival dinamarquês. Mas era apenas uma prova de 8 dias e nenhum dos ciclistas estava com os blocos que levam para a segunda grande volta do ano.

    Mas… e os “outsiders”? Não há alguém capaz de fazer frente a este duo? A estrada pode alterar muitas circunstâncias e as primeiras duas etapas no País Basco serão já uma boa oportunidade para que alguém como Richard Carapaz surpreenda e ganhe tempo aos dois favoritos.

     O mesmo pode ser dito de David Gaudu, ciclista francês que chega com bastante controvérsia em seu redor, devido a incompatibilidades com Arnaud Démare e com a ausência do sprinter francês e do australiano Michael Storer desta corrida. Gaudu terá uma formação construída em seu redor para levar o ciclista de 26 anos ao pódio. Ainda assim, apesar de ter batido Jonas Vingegaard no Paris-Nice, Gaudu adoeceu na primavera e isso parece ter prejudicado muito o líder da Groupama FDJ que passou completamente ao lado do Critérium du Dauphiné.

    Enric Mas encontra-se numa posição similar. Líder da Movistar, vai contar com o apoio de Ruben Guerreiro e Nelson Oliveira, dois dos três portugueses em ação, e até começou a época em boa forma. Não era capaz de bater Vingegaard ou Pogacar, ou até Primoz Roglic, mas era capaz de lhes dar luta, ou seja, é também uma boa aposta para fazer pódio no Tour. Para Mas, o problema está na performance do espanhol no Critérium du Dauphiné, onde foi ainda pior do que Gaudu.

    Simon Yates seria uma boa aposta para o pódio. Trepador que ganhou a Vuelta em 2018, o ciclista britânico da Jayco AIula foi 3º no Giro de 2021, esteve muito perto de ganhar a mesma corrida em 2018 até perder mais de meia hora num só dia… É um corredor extremamente inconsistente, mas se estiver no seu melhor (um dos maiores “se” à entrada para este Tour) tem tudo para acabar no pódio.

    Ainda assim, avaliando pelas corridas “de preparação” para o Tour, três candidatos ao pódio saltam à vista: Jai Hindley, vencedor do Giro em 2022, parece estar em boa forma, pelo menos melhor do que na Vuelta de 2022, onde acabou em 10º (no mesmo ano em que ganhou a Volta à Itália). É um corredor inconsistente, mas está numa prova em que o único contrarrelógio é muito acidentado e relativamente curto.  Para além disto, Hindley foi o único capaz de se bater com Ben O’Connor na luta pelo 3º lugar do Critérium du Dauphiné, sendo batido pelo australiano da AG2R, por apenas 20 segundos.

    O’Connor conta com dois top 10 no Tour, nomeadamente com um 4º posto em 2021, ano em que foi o melhor do “resto”, batido apenas por Pogacar, Vingegaard e Carapaz. Aos 27 anos, o líder da equipa francesa tem ainda um top 10 na Vuelta em 2022. É um ciclista extremamente consistente e, caso não tenha nenhum azar faz top 10 e, muito possivelmente, top 5 nesta edição do Tour de France. A questão do pódio prende-se mais na eventual inconsistência dos outros.

    Da Volta à Suíça chega um ciclista que alguns adeptos acreditam ser capaz de derrotar Pogacar e Vingegaard. O seu nome é Mattias Skjelmose, tem 22 anos, corre na Lidl-Trek e é o atual campeão da Dinamarca (não, Jonas não fez essa corrida). Skjelmose vem de uma vitória na classificação geral da Volta à Suíça depois de uma vitória em etapa, onde deixou para trás Remco Evenepoel, metendo-lhe 21 segundos em cima, Juan Ayuso, Pello Bilbao entre outros. Foi uma corrida de revelação para o jovem dinamarquês que só não ficou no top 10 de duas etapas e que apenas perdeu 1 segundo para Evenepoel no crono final.

    Romain Bardet também é um nome a ter em conta, sendo que esteve bem na Volta à Suíça onde fechou top 5. Já Mikel Landa está numa posição semelhante à de Enric Mas. Um mau Dauphiné depois de um período em que foi 2º na Volta à Andaluzia e na Volta ao País Basco, batido com facilidade por Tadej Pogacar e por Jonas Vingegaard. Adam Yates e Wilco Kelderman seriam excelentes hipóteses, mas vão estar sem grandes ambições à geral, estando ao serviço de Pogacar e de Vingegaard, respetivamente.

    DESPEDIDAS, RECORDES, ESTREIAS E INCERTEZAS

    Esta edição do Tour fica marcada por ser a última edição das carreiras de Peter Sagan, Mark Cavendish e Thibaut Pinot. Pinot vem de uma vitória na classificação da montanha no Giro, pelo que o objetivo neste Tour passar pelo mesmo ou por uma simples vitória de etapa, sem esquecer o trabalho para Gaudu.

    Cavendish procura a 35ª vitória para se tornar no ciclista com mais etapas ganhas na história do Tour. Terá Mark Renshaw, lançador fiel do britânico até 2018, como consultor de sprint na última tentativa de igualar o recorde de Eddy Merckx.

    A luta pela camisola verde fica completamente em aberto com Wout Van Aert a ter deixado praticamente certo que não vai concluir o Tour, com intenção de ver o seu 2º filho nascer. Nomes como Jasper Philipsen, Mads Pedersen, Biniam Girmay, Fabio Jakobsen, entre outros são grandes candidatos a levar esta classificação para casa. Peter Sagan venceu a camisola verde por 7 vezes, mas parece uma sombra do ciclista que em tempos foi.

    Destaque ainda para a estreia de Uno-X, equipa norueguesa do escalão pro continental que se vai estrear em grandes voltas, comum bloco encabeçado por Alexander Kristoff. Destaque também para Tobias Halland Johannessen, vencedor do Tour de l’Avenir, em 2021, que andou muito bem no Dauphiné.

    Na INEOS, a incerteza em torno da liderança da equipa, com Daniel Martínez, Carlos Rodriguez e Egan Bernal, todos longe da forma ideal. O ciclista colombiano que ganhou o Tour em 2019 é mesmo uma das maiores incógnitas, depois de ter sido atropelado em 2022, perdendo praticamente toda a época. É a primeira grande volta que faz desde esse incidente.

    Destaque ainda para Tadej Pogacar, que pode conquistar a classificação da juventude, pelo 4º ano consecutivo, batendo os recordes de Andy Schleck e de Jan Ulrich

    UM PERCURSO COM POMPA E CIRCUNSTÂNCIA

    Ao contrário de outros anos, este Tour de France não começa com um contrarrelógio, nem com uma etapa para sprinters puros, mas sim com um dia para os “puncheurs” e para os homens da geral. Dois dias, aliás, naquele terreno característico do País Basco.

    A 1ª etapa decorre num “sobe e desce” quase constante, em que os últimos 50 km contêm 4 subidas: o Côte de Morga, uma subida de 4ª categoria, imediatamente seguida de uma subida de 2ª categoria, o Côte de Vivero, onde os ciclistas chegam a apanhar rampas acima dos 9% e depois uma subida de 3ª categoria, o  Côte de Pike, onde os últimos 1,5 km são acima dos 13% de inclinação, com uma descida até 5 km do final, sendo que o último quilómetro é numa rampa com, 5,4% de inclinação.

    Um dia em que o pelotão vai ficar completamente “fanicado”, sendo que o mais provável é assistir-se a uma chegada ao sprint num grupo reduzido, ou então com um ataque de Julian Alaphilippe ou Michal Kwiatkowski, sendo que o polaco analisou o percurso da 1ª etapa ao detalhe. A etapa começa e acaba em Bilbao.

    A 2ª jornada, a última no País Basco, é também extremamente acidentada, mas com subidas mais curtas na 2ª metade da etapa. O destaque vai para a subida de Jaizkibel, uma 2ª categoria com bonificações no topo, sendo que nos últimos 3,7 km, a pendente média é de 7,1%. O topo de Jaizkibel fica a 17 km do fim, sendo que o muro de Mirakruz tem 0,9 km a 4,4% de pendente, dentro dos últimos 10 km.

    É um dia com final em San Sébastián, muito semelhante ao dia anterior no que ao perfil dos candidatos diz respeito, mas com menor probabilidade de fazer diferenças na geral.

    Nesta primeira semana, há quatro chances claras para os sprinters: à 3ª, à 4ª , a 7ª e à 8ª etapas. A 5ª etapa contém a primeira categoria especial desta edição do Tour de France: o Col du Soudet. De resto, o Col de Marie Blanque, contagem bonificada de 1ª categoria é o grande destaque do dia, com o topo a 19 km da meta, com 4,8 km a 10,5% de pendente média. É um bom dia para uma fuga, o que pode ser difícil numa fase tão madrugadora da prova. 

    A 6ª etapa é completamente diabólica! Col d’Aspin, 1ª categoria com 12 km e 6,4% de pendente média; descida e logo a seguir o Tourmalet, com 17 km e a 1ª categoria de Cauterets-Cambasque, com 16 quilómetros de extensão. Só estas subidas, todas dentro dos últimos 90 km, equivalem a 45 km de acumulado.

    A última etapa, com chegada ao Puy de Dôme é toda ela bastante acidentada, ainda assim, só nos últimos 12,6 km com 7,8% de pendente média que constituem a categoria especial, onde acaba a etapa.

    A 2ª semana começa com um dia perfeito para a fuga, com muito “sobe e desce”, terminando em Issoire. Logo a seguir a um dia de descanso, é o típico dia em que o pelotão pouco ou nada vai fazer e, se não tiver acontecido até então, alguma equipa poderá aproveitar para se ver livre da pressão da camisola amarela.

    A 11ª etapa é uma nova chegada para os homens rápidos. A etapa 12 é mais dura, com uma sucessão de subidas muito duras nos últimos 70 km, a 3ª categoria de Col de la Casse Froide (5,2 km a 6% de pendente média); descida e logo a seguir o Col de la Croix Montmain, uma 2ª categoria com 5,5 km a 6,2% de pendente média; descida e o Col de la Croix Rosier, com 5,4 km a 7,7%, contagem com bonificações no alto. Localizada a 29 km da meta, parece ser um dia muito ao jeito de uma fuga ou, eventualmente, para um sprint em grupo reduzido.

    As últimas três etapas da 2ª semana são decisivas. A 13ª jornada, no dia de França, é muito curta, apenas com 137 km. É um “unipuerto” ou seja, uma etapa com apenas uma subida. Essa subida é o Grand Colombier. Vai ser um dia em que a fuga vai ser muito composta e vai ameaçar ganhar, mas é também um dia em que o acumulado reduzido atribui favoritismo aos homens da geral. Muita ação dos franceses, certamente.

    O 14º dia de competição é uma das mais duras da “Grand Boucle”! Cinco subidas categorizadas, três das quais são de 1ª categoria. A etapa começa logo com a subida do Col de Saxel, uma 3ª categoria, para depois o pelotão passar pelo Col de Cou (7,1 km com 7,4% de pendente média). Quase sem descanso, chega o Col du Feu, com 5,9 km a 7,7% de pendente média, subida onde o penúltimo quilómetro se faz a 9,5% de inclinação; depois os ciclistas passam pelo Col de Jambaz, subida não categorizada, cujo topo fica a cerca de 20 km do Col de la Ramaz, onde os ataques deverão começar.

    O Col de la Ramaz tem 13,9 km com 6,9% de pendente média. Tem 1 quilómetro acima dos 13% de inclinação. Um fator que pode desencorajar um ataque nesta subida é o vale de 10 km entre o fim da descida de Ramaz e o início do Col de Joux Plane, categoria especial com 11,7 km a 8,5% de pendente média. É uma subida bonificada e uma etapa nesta fase da corrida pode ser muito bem alvo de ataques por parte de ciclistas mais mal colocados na geral. Depois de Joux Plane, os ciclistas descem até à meta.

    A última etapa antes do 2º dia de descanso não tem uma categoria especial, mas tem menos quilómetros entre subidas o que pode encorajar ataque mais audazes. O Col de la Forclaz de Montmin abre as hostilidades, com7,2 km a 7,4% de inclinação média. Em seguida, o Col du Marais, subida não categorizada, leva os ciclistas à primeira de quatro subidas em 70 km.

    O Col de la Croix Fry tem 11,1 km e apenas durante 2 km baixa dos 5% de inclinação. Quase sem descanso ou descida, os ciclistas são recebidos pelo Col des Aravis, uma subida de 3ª categoria, passando para um período de ligeira descida e em falso plano, com uma descida acentuada após a aldeia de Megéve para uma subida explosiva, de 2,7 km a 10,1% de pendente média: o Côte des Amerands, onde nunca se baixa dos 7% de inclinação.

    Sem descida, o pelotão chega à última subida é uma contagem de 1ª categoria. Le Bettex tem 7,7 km a 7% de pendente média. As etapas 14 e 15 podem muito bem decidir quem ganha, mas mais ainda, quem perde o Tour.

    A 3ª semana é substancialmente menos dura. Começa com um contrarrelógio muito duro, que começa e acaba em subida. A primeira é a Côte de la Cascade de Coeur (1,3 km a 8,5% de pendente média) e acaba com 6,6 km de subida, em Domancy. Crono de 20 km é um dos momentos mais aguardados da luta pela geral, pois não é um contrarrelógio técnico e nesta altura da corrida, a forma física tem tudo para ser o fator decisivo, com o fator acrescido de ser o primeiro dia depois do 2º descanso.

    A 17ª etapa fica marcada pela chegada numa rampa inclinada, depois da subida à categoria especial do Col de la Loze (28,3 km a 6% de inclinação média). O início da etapa ainda leva os ciclistas a duas subidas de primeira categoria, mas a parte intermédia da etapa só faz os ciclistas enfrentarem uma contagem de 2ª categoria, cujo topo fica a cerca de 15 km do início da subida final. Parece um dia perfeito para fazer um trabalho de desgaste em prol de dinamitar a subida final.

    A etapa 18 é para os sprinters e etapa 19 encaixa perfeitamente no perfil de uma fuga ou, muito eventualmente de um “puncheur”. A penúltima etapa destaca-se pelo acumulado. Para quem quiser uma grande reviravolta tem de começar logo no Col de la Croix de Monats., 2ª categoria com 5,2 km; logo a seguir o Col de Grosse Pierre faz os ciclistas enfrentarem 2 km seguidos acima dos 11% de inclinação, local perfeito para um ataque de longe. O Col de la Schlucht é uma contagem de 3ª categoria, muito ligeira onde dificilmente se faz o que quer que seja.

    O maior destaque desta última jornada competitiva da Volta à França de 2023. O Petit Ballon, contagem de 1ª categoria, com 9,3 km a 8,1 % de pendente média, que começa logo com rampas com cerca de 10% de inclinação, onde se baixa dos 7% apenas durante 1 km. A última subida é uma 1ª categoria, com 7,1 km a 8,3% de inclinação média. Durante 3 km da subida, incluindo no último chega-se a rampas com inclinação acima dos 10%. A etapa com chegada aos Campos Elísios fecha a edição de 2023 do Tour de France.

    É um percurso muito duro, com abundância de etapas para a geral, claramente a pensar numa luta semelhante à de 2022, em que Tadej Pogacar atacava de qualquer lado. A existência de um único contrarrelógio e logo um tão pouco técnico, favorece ciclistas como Hindley, Bardet ou Gaudu.

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    Filipe Pereira
    Filipe Pereira
    Licenciado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Filipe é apaixonado por política e desporto. Completamente cativado por ciclismo e wrestling, não perde a hipótese de acompanhar outras modalidades e de conhecer as histórias menos convencionais. Escreve com acordo ortográfico.