A 75ª edição do Critérium du Dauphiné foi marcada por um domínio inabalável da Jumbo- Visma, mas sobretudo de Jonas Vingegaard. Sem Tadej Pogacar na prova, a corrida revelou-se um passeio para um Vingegaard que gosta de dominar perante uma concorrência que nunca pareceu acreditar na possibilidade de derrotar o dinamarquês.
No sprint, a superioridade da Jumbo manifestou-se através de Cristophe Laporte, com os dois maiores nomes da especialidade em prova, Sam Bennett e Dylan Groenewegen, a ficarem completamente a seco. De resto, a prova foi uma boa antecâmara para perceber aquilo que a Uno-X pode fazer no Tour e para perceber com que dinâmica e, acima de tudo, com que líder é que a INEOS devia abordar o Tour.
O REGRESSO DE ALAPHILIPPE
O Critérium du Daphiné abriu com uma etapa acidentada, com os ciclistas a alcançar uma altitude de 3000 metros. Uma jornada dura que apelava a “puncheurs” e a uma boa fuga, pelo que cinco ciclistas integraram o grupo dos fugitivos: Dorian Godon (AG2R), Rune Herregodts (Intermarché), Brent Van Moer (Lotto), Donavan Grondin (Arkéa) e Fabio Van den Bossche (Alpecin).
Por volta dos 50 km para o fim, o pelotão foi recebido por um pequeno “chuveiro” quando começou a descida após o Cote du Rocher de l’Aigle, o que levou bastantes ciclistas a perder o contacto com o grupo principal, uma vez que optavam por fazer uma abordagem mais segura a este troço da corrida.
Na frente, Grondin e Van den Bossche descolavam sendo que o homem da Arkéa envergou a camisola da montanha após a jornada. A vantagem da fuga não sofria um corte substancial e no pelotão, nomes como Sam Bennett e Dylan Groenewegen perdiam o contacto. Isto, depois das respetivas equipas se terem encarregado de fazer a perseguição aos fugitivos.
Jumbo-Visma para Christophe Laporte, Soudal-Quick Step para Julian Alaphilippe e Groupama para Arnaud Démare, todas as equipas que iam trabalhando no pelotão pareciam ter um destinatário claro para a vitória na etapa.
Na última volta, Herregodts deixou os dois companheiros de fuga para trás. Mesmo assim, quando o belga ainda tinha Godon na roda, já a vantagem era curta (menos de 20 segundos), pelo que a fuga estava mais do que condenada. Ainda assim, os quilómetros passaram e a iniciativa não era neutralizada… até ao quilómetro final.
Rune Herregodts, que esteve em destaque na Figueira Champions Classic, fez uma descida fantástica que voltou a meter a vantagem na casa dos 15 segundos, mas seria neutralizado a menos de 100 metros do fim, quando Christophe Laporte e um estelar Matteo Trentin batalharam num sprint que viu o francês da Jumbo vestir a primeira amarela do Critérium du Dauphiné.
Na 2ª etapa, a fuga teve menos tempo de destaque, com a Soudal-Quick Step a marcar a sua presença na frente do pelotão. Destaque para Donavan Grondin que reforçou a liderança na montanha. Tobias Bayer tentou surpreender na última subida do dia a 10 km do fim, mas o ataque do austríaco da Alpecin-Deceuninck não teve grande resultado. Groenewegen voltava a ceder na subida final, um sprinter a menos para discutir a etapa.
A 200 metros do dia, Richard Carapaz tentou surpreender ao lançar-se ao sprint, mas Alaphilippe usou a sua experiência em chegadas rápidas para apanhar a roda do equatoriano, escolhendo de forma cirúrgica o momento para se lançar ao sprint e triunfar de forma clara, numa etapa em que a Jumbo e Laporte eram apanhados de surpresa pela movimentação de Carapaz, perdendo a hipótese de vencer a etapa. O Campeão Olímpico ficaria mesmo em segundo.
A 3ª etapa era a etapa dos sprinters e o vento frontal ajudou. A fuga foi inócua, com apenas Mathieu Burgaudeau, da TotalEnergies a estar na frente, sendo neutralizado por volta dos 90 km para o fim. Alaphilippe e Laporte discutiam o sprint intermédio, com o homem da Jumbo a vencer o duelo gaulês.
O francês da Soudal teve um dia marcado por azares, ficando apanhado na queda a menos de 50 km do final e precisou de três mudanças de bicicleta, com a última a afastá-lo da luta pela vitória e, consequentemente, da possibilidade de vestir a camisola amarela, sendo que o líder da Soudal partia para o dia com o mesmo tempo que Laporte.
Uma queda a 1,5 km do fim, outra à entrada do último quilómetro, em conjunto com curvas de 90 graus, levaram a que o grupo sofresse alguns cortes. No sprint final, posição privilegiada da BORA, que apostou em Danny Van Poppel para lançador de Sam Bennett. Laporte tentava apanhar a roda certa e apanhou a do irlandês que procedeu a atravessar a estrada de uma ponta a outra, incorrendo num sprint irregular.
Groenewegen fez a sua frustração mais do que evidente, com um gesto ao cruzar a linha da meta. Todavia, também o neerlandês da Jayco mandara uma cotovelada a Matevz Govekar, quase deitando o esloveno ao chão. Os dois ciclistas acabaram por ser desclassificados, sendo que isso não afetou o destino da vitória na etapa, essa a sorrir ao ainda camisola amarela.
O BAILE DINAMARQUÊS
A quarta jornada do Dauphiné foi um contrarrelógio com 31,1 km que marcou também o início da luta pela geral. Jonathan Castroviejo, Lawson Craddock, Pierre Latour e o português Nélson Oliveira faziam todos bons tempos, apresentando uma tendência de acusação do desgaste entre o segundo ponto intermédio e a chegada.
Contudo, quando Rémi Cavagna entrou em cena, destruiu a concorrência, colocando 35 segundos de vantagem para o português da Movistar. O francês da Soudal-Quick Step foi também o primeiro a baixar dos 38 minutos na meta.
Cavagna seria batido por Mikkel Bjerg que esmagou o tempo do francês e conquistou a sua primeira vitória como profissional, depois de ter prometido tanto enquanto tricampeão de contrarrelógio em sub-23. O dinamarquês da UAE Team Emirates quebrou a tendência de quebra no último terço do contrarrelógio, demonstrada por outros ciclistas. Outro dinamarquês que esteve em grande foi Jonas Vingegaard que ficou no segundo lugar do contrarrelógio a 12 segundos do compatriota.
Já Adam Yates, andou pouco atrás de Vingegaard, chegando a perder apenas 8 segundos no segundo ponto intermédio, mas quebrava na parte final do esforço individual e perdia 45 segundos para o vencedor do Tour. Na Ineos, só Daniel Martínez salvava a face da equipa, com Carlos Rodríguez e Egan Bernal a perderem muito tempo. Richard Carapaz também ficava praticamente afastado da geral, num dia em que David Gaudu perdia mais de 2 minutos e Enric Mas perdia pouco menos de 3 minutos e meio. Mikel Landa completava o trio de espanhóis afastados da luta pela vitória na geral.
O novo camisola amarela era Mikkel Bjerg, com Vingegaard já à espreita. A quinta etapa marca o regresso à média montanha e às chegadas para “puncheurs”. Novamente a fuga com potencial para vingar e a conter 6 ciclistas
Ainda assim, pareciam mais do que controlados por um pelotão onde Soudal, EF Easy Post, Jumbo e Emirates iam rodando na frente para neutralizar o grupo. A 17 km do final, chegava a última subida do dia e a fuga parecia neutralizada, sobretudo quando a formação de Alaphilippe saltava para a frente do grupo para que Andrea Bagioli começasse a dinamitar a corrida. Nesse momento, o camisola amarela Mikkel Bjerg caía e perdia o contacto com o pelotão
Pouco depois, Carapaz atacava, Alaphilippe seguia e também Jonas Vingegaard. De resto, só Giulio Ciccone, Enric Mas, Ben O’Connor e Jai Hindley tinham capacidade para tentar seguir, sendo que não foram capazes de apanhar a roda do dinamarquês da Jumbo-Visma. Entretanto a fuga era neutralizada e David Gaudu não dava grandes indicações no pelotão.
Entretanto, Richard Carapaz puxava na frente, uma vez que Vingegaard estava cauteloso e sabia que não devia (ou não tinha) de passar para a frente. Quando o fez, conseguiu deixar o equatoriano para trás a 15 km do fim, sem uma grande variação do ritmo O vencedor do Tour ganhava 30 segundos ao pelotão, como quem não queria a coisa.
Bjerg tinha feito um grande trabalho para tentar alcançar o pelotão, depois da queda, mas não conseguiu. No pelotão, estava tudo muito equilibrado, com Carapaz a pagar o esforço e a perder o contacto. A quinta etapa era conquistada pelo favoritissimo Jonas Vingegaard que alcançava a camisola amarela para não mais a largar. O resto dos candidatos ao pódio (seria ambicioso chamar-lhes mais do que isso frente a Vingegaard) ficou a 31 segundos do dinamarquês
No dia seguinte, Bagioli, Zimmermann ficavam para trás de Burgaudeau e Castroviejo na fuga de uma sexta jornada bastante monótona até aos últimos 25 quilómetros. O alemão da Intermarché chegou-se ao duo da frente a cerca de 20 km do final. O francês da Totalenergies aproximava-se do colega de equipa, Pierre Latour na classificação da montanha. A 6 km do fim, a Trek-Segafredo aumentava o ritmo, mas por pouco tempo e a 4,5 km do final, a Emirates pegava na corrida.
A 1,9 km do fim, Georg Zimmermann atacava na última subida. Castroviejo bem tentava perseguir sem grandes mudanças de ritmo, à contrarrelogista. O espanhol da INEOS estava cada vez mais próximo do limite e Burgaudeau bem teve que tentar perseguir. O alemão da Intermarché andou para trás e para a frente, mas aproveitou a capacidade excecional de sofrimento para conquistar a antepenúltima etapa do Dauphiné. Burgaudeau ainda se chegou ao germânico, arrancou nos últimos 300 metros, mas Zimmermann não perdeu a roda e, acima de tudo, não perdeu a vitória.
Atrás, Jonas Vingegaard atacava e dava uma demonstração de força, com Ben O’Connor a ser o único capaz de seguir a roda do dinamarquês. Hindley também esteve bem, mas simplesmente não é forte que chegue para seguir o dinamarquês quando este último aumenta o ritmo.
A penúltima etapa do Dauphiné marcava a etapa rainha da corrida e teve uma fuga bem numerosa, mas sem grande ameaça para a Jumbo, nomeadamente sem que formações rivais diretas colocassem homens na dianteira. Para além deste aspeto, a INEOS colaborava com a Jumbo na frente do pelotão. Na frente, Victor Campenaerts rolava sozinho. Mas a grande margem do belga para os dois grupos perseguidores não agoirava grande futuro para a iniciativa.
Foi facilmente alcançado. No pelotão, a Jumbo metia o ritmo que que lhe era conveniente e a 6 km do final, Landa, Gaudu e Emanuel Buchmann passavam todos por dificuldades. Attilla Valter aumentava o ritmo e até se distraía, deixando para trás o grupo dos favoritos. Parecia ser mesmo o único ciclista capaz de fazer frente a Vingegaard, à semelhança do que o dinamarquês era para Primoz Roglic no Dauphiné do ano passado.
E a 5,3 km do final, Vingegaard atacou, quando já só Adam Yates ia na roda dos Jumbo. O dinamarquês foi embora para nova vitória na etapa, sentenciando a classificação geral da corrida.
No grupo de trás, Jai Hindley atacava, só com O’Connor e Martínez a reagir. Mas o australiano da AG2R nunca fechava o espaço para o australiano da BORA. Entretanto o dinamarquês da Jumbo, o suspeito do costume, Jonas Vingegaard ganhava a penúltima etapa meteu mais de 50 segundos a Yates, quase um minuto para Hindley.
A etapa final do Dauphiné teve na presença de Alaphilippe e de Ciccone na fuga o seu principal destaque, sobretudo porque o italiano podia chegar à vitória na classificação da montanha, precisando mesmo da vitória na etapa para vencer a classificação que tinha sido protagonizada por franceses e por Victor Campenaerts até este dia.
No pelotão, só dava Jumbo-Visma na frente até aos últimos 23 km em que a Emirates assumiu as rédeas do grupo do camisola amarela. A 20 km do fim, o italiano da Trek ia embora sem resposta de Alaphilippe, acabando com as esperanças de Tiesj Benoot e de Jonathan Castroviejo chegarem à frente do grupo.
A 19,6 quilómetros do fim, Adam Yates atacou e levou apenas Jonas Vingegaard na roda. O’Connor e um surpreendente Antonio Pedrero chegavam, ao seu ritmo, aos dois primeiros da geral, aos quais o resto do top 10, tirando Daniel Martínez, se juntou pouco depois.
Na última subida, Benoot deu um esticão, mas a Emirates não tardou a aparecer na cabeça do grupo, com Rafal Majka a aproveitar o paredão final do Critérium du Dauphiné para afastar já vários ciclistas do grupo. Ben O’Connor fica para trás, mas Vingegaard antecipou o ataque de Yates e a ritmo arrumou com os dois Emirates.
Giulio Ciccone ganhava a última etapa do Dauphiné, tirava a camisola da montanha a Victor Campenaerts e Jonas Vingegaard vencia a classificação geral, tal como se adivinhava desde que o dinamarquês anunciou a presença nesta competição. A Jumbo leva duas camisolas e quatro vitórias de etapas para casa. O vencedor do Tour está pronto para repetir o feito de 2022.
A juventude foi para Carlos Rodriguez, sendo que o espanhol aproveitou um mau dia de Max Poole para salvar o Dauphiné de uma INEOS, que parece à espera de um líder, de uma versão de Bernal que ainda pode demorar a regressar. Por falar em Bernal, destaque para a exibição do colombiano que mostrou ser capaz de andar com os melhores, pelo menos de dar sinais do corredor que era antes do acidente do início de 2022.