Não há duas etapas em destaque sem três etapas em destaque. Novamente no Top10 da jornada, João Almeida passou com nota positiva no teste de Jebel Hafeet. Perdeu o segundo lugar e viu a hipótese de lutar por algo mais do que o terceiro posto a complicar-se, mas Tadej Pogačar e Adam Yates cavaram um fosso que basicamente ditou o alinhamento dos dois lugares cimeiros da classificação final. Foram os mais fortes, todavia, no que toca aos restantes, João Almeida foi o mais esclarecido e continuou a demonstrá-lo em altitude, terminando na sexta posição e sem perder um único segundo para mais ninguém.
Não foi um dia onde esteve em evidência, pelo menos como o fez em Jebel Jais (quinta etapa). Talvez as pendentes mais íngremes justifiquem esse facto. Resguardou-se enquanto pôde e colocou-se ao trabalho quando teve de perseguir o duo da frente, na tentativa de manter a segunda posição. Não teve muito cooperação dos colegas de grupo, puxando o comboio quase até à linha de meta.
Bota Lume 🔥 pic.twitter.com/jaIJbNBkXn
— Deceuninck-QuickStep (@deceuninck_qst) February 23, 2021
Após dois dias destinados ao sprint, era a vez de Jebel Jais aparecer no horizonte. O perfil desta dificuldade contrastava com a da anterior etapa de montanha no sentido em que, apesar de ser mais longa, detinha pendentes mais acessíveis. Como era de prever, essa particularidade acarretava a possibilidade de se fazerem diferenças menos significativas, o que acabou por se suceder.
João Almeida foi quinto na etapa, segurando o seu terceiro lugar e ficando em grande plano depois de ter disferido um ataque na tentativa de vencer a etapa e aproximar-se de Adam Yates. Este momento talvez tenha sido chave para qualificar a boa exibição do português em toda a prova, assim como definir o próprio, como um desportista ambicioso.
Apesar de não ter surtido diferenças, sobretudo pela pouca inclinação dos metros finais e também do perigo que João Almeida representava na geral, a revelia do caldense deu-se nas condições ideais para o seu perfil de escalador. É certo que nunca teria a liberdade para fugir como Jonas Vingegaard, o vencedor da etapa, teve, mas fez o seu papel e sempre com a mentalidade vencedora, de querer mais e de lutar por isso nos seus eixos. Ciclismo é justamente sobre isso: esforço, capacidade, coletivo e talento. O terceiro lugar não mais fugiu apesar do susto na última etapa, onde chegou a cair duas posições no decorrer da tirada, mas conseguiu recuperar.
Bota Lume, @JooAlmeida98!
After seven hard and hectic days at the #UAETour, the young Portuguese finishes third overall, his best result so far in a World Tour race!
Photo: @BeelWout pic.twitter.com/9T9ryxAr2R— Deceuninck-QuickStep (@deceuninck_qst) February 27, 2021
Filho de uma geração de diamantes em bruto a fervilhar dentro do pelotão internacional, a travessia pelo caloroso deserto dos Emirados Árabes Unidos trouxe mais do mesmo. Tem chama, tem astúcia e tem capacidade de sofrimento. Pendentes íngremes não se adequam perfeitamente, preferindo inclinações mais acessíveis para pôr em prática as clássicas mudanças de ritmo que é capaz de revelar.
O ponto a trabalhar passa mesmo por aí, o quebra-cabeças das percentagens de inclinação brutais e as altimetrias consideráveis, como o exemplo da escalada ao Stelvio. No contrarrelógio é capaz, em grupos restritos é capaz de sprintar e de ir às bonificações. É consistente, resiliente e encontra-se numa equipa que lhe dá todas as condições para liderar na maioria dos cenários.
A imagem de marca continua a ser este carácter lutador, com aquelas expressões faciais a que já estamos habituados. É no meio do sofrimento e da perseverança que nasce, nasceu ou ainda está para nascer um grande campeão. Isto é apenas o início de carreira de mais um atleta português que caiu nas graças do povo em 2020, e começou 2021 a somar mais um “título”, o de Sheik dos Emirados Árabes Unidos, dada a riqueza das suas exibições e do seu primeiro pódio no World Tour.
Foto de Capa: Deceuninck Quick-Step