«Devíamos investir mais porque temos muito talento em Portugal» – Entrevista BnR com Henrique Chaves

    – O percurso até ao sucesso no mundo do ‘Endurance’ –

    «Na minha estreia em Le Mans, há tantos que lá vão e tentam ganhar durante anos e anos, e não conseguem, e eu, na minha estreia, tenho a sorte de o fazer».

    No ano de 2018, Henrique Chaves ingressou na European Le Mans Series, para a categoria LMP2, ao serviço da AVF (Gibson).
    Fonte: AVF

    Bola na Rede: O teu caminho pela resistência (Endurance) tem sido vasto. Em 2018, estiveste na AVF (Gibson), na categoria dos LMP2, e agora, em 2022, estás na TF Sport (Aston Martin), na categoria dos LMGTE. Para ti, qual é a grande diferença, a nível técnico, entre um protótipo (LMP2) e um GT (LMGTE)?

    Henrique Chaves: A maior diferença é o downforce, ou seja, a carga aerodinâmica que cada carro tem. O protótipo é um carro mais leve, tem cerca de 950 quilos, com bastante aerodinâmica, também muito veloz. A velocidade em curvas, especialmente em curvas rápidas, é muito alta, bem como as forças G. Tudo isso são coisas que nos temos que habituar, mesmo a própria forma de abordagem às curvas é diferente, ou seja, nas curvas rápidas temos que entrar um bocadinho mais cedo, porque temos toda a força aerodinâmica a «empurrar-nos» para o chão, e assim, curvar mais rápido. Mas tive apenas um ano nesse mundo dos protótipos, adorei, e se pudesse voltar hoje, voltava, porque é algo também muito interessante. Há também a questão do trânsito, pois, sendo a categoria LMP2, somos os carros mais rápidos e estamos sempre a ultrapassar carros, e agora, vejo a realidade de estar no LMGTE, pois, no fundo, somos a categoria mais lenta em pista. Temos que olhar pelos espelhos e perceber quando é que nos vão ultrapassar e tentar perder o mínimo tempo possível, esse é o grande foco nestas corridas. É perceber «ele vem ali, onde é que ele me vai atacar, para eu perder o mínimo de tempo possível» e às vezes é perceber onde posso poupar gasolina e pneus, e dizer «passa-me agora, ali na reta» em que eu vou perder duas ou três décimas, em vez de se atirar na curva comigo, e perder um ou dois segundos. Portanto, essa é uma das maiores diferenças, obviamente que o LMGTE é um carro mais pesado, com menor aerodinâmica, curva mais lento. No entanto, nas curvas lentas, é um carro um bocadinho mais pesado, é mais fácil, se calhar, de fazeres curvas mais lentas e também a tração em si dos GTs é um bocadinho superior à dos protótipos, portanto à saída das curvas, temos que levantar um bocadinho o pé nas curvas para não dar um toque na traseira. Mas, são essas as diferenças.

    Este ano, para além de correr na categoria do LMGTE, corro no GT3, que é muito idêntico ao LMGTE, só que, o GT3 tem a particularidade de ter AVS [Adaptive Variable Suspension], e o AVS, não nos permite bloquear tanto as rodas, e quando salto de um carro para o outro, tenho de fazer essa adaptação no processo da travagem, e é algo desafiante, pois estou num carro ou no outro, tenho que mudar o chip rapidamente, para ser o mais rápido possível.

    Bola na Rede: Em 2022 estás a participar em várias categorias do desporto motorizado: WEC, ELMS e GTWC. Qual tem sido o maior desafio em conjugar todas estas provas num só ano?

    Henrique Chaves: É difícil, não minto, mas se eu fizer o trabalho de casa, todo o trabalho por detrás, ou seja, no simulador, analisar todos os dados que a equipa disponibiliza, e também os [dados] que tenho antigos, ajudam-me quando me sento no carro, a adaptar-me mais rapidamente. Se calhar o salto de um GT3 para o GTE é mais difícil, porque, vou de um carro que tem AVS, onde posso carregar no pedal do travão com toda a força que tenho, que não há muitos problemas, e no início da temporada, ainda houve o caso que saltei desse carro [GT3] para o GTE, carreguei nos travões no GTE, e bloqueei as rodas instantaneamente, e pensei «okay, tenho que ser mais rápido, tenho que me lembrar de mudar o chip, sair do carro e tirar a cassete e pôr a outra» porque tem as suas dificuldades, para além dessa diferença do AVS. Por exemplo, o Aston Martin que corro no GTE tem motor à frente, o que tem as suas diferenças para um carro com motor central, como é o caso do McLaren [GT3]. Tudo isso, é uma questão de adaptação. Mas, no início da temporada, é um pouco mais estranho, e hoje, quando mudo de carro, é tudo muito mais automático, pelo menos para mim, porque já sei como é que cada carro se conduz, não teve que haver grandes adaptações, agora, pelo menos, para o final da temporada.

    Bola na Rede: Desde que assumiste a categoria dos GTs, achas que essa vertente te permite ser mais versátil no que concerne à participação noutras categorias do Desporto Motorizado?

    Henrique Chaves: Sim, eu acredito que sim. Há exemplos de alguns pilotos que correm – até tenho um na minha equipa, na TF, que faz Campeonato na LMP2, da Racing Team Turkey, até estão na liderança do campeonato; é o Jack Aitken, que até já fez uma corrida na Fórmula 1, e até esteve na GT World Challenge a correr com o Lamborghini, ou seja, saltou de um protótipo para um GT.

    Portanto, respondendo à tua pergunta, acho que estar no endurance dá mais essa versatilidade. Tanto podemos estar neste campeonato, como, por exemplo, ir para o outro lado do Atlântico e correr nos EUA, num carro idêntico, mas noutro campeonato, numa realidade completamente diferente, e essa versatilidade existe. Na Fórmula 1, é cada vez mais difícil [ser versátil], para o ano vão ser 24 corridas, daqui a cinco anos quantas vão ser (risos). Eles têm um foco completamente diferente, creio que os pilotos, estando no pico, não querem sair de lá e também têm que se dedicar àquilo a 100%, não podem estar a «brincar» noutros lados. Mas, aqui, temos essa versatilidade, às vezes um piloto falha, não pode, porque tem que estar noutro campeonato que está a correr – é muito natural isso acontecer – e sim, há versatilidade, e essa facilidade para nós corrermos no GT. O carro pode ser diferente daquele que vamos correr noutra corrida, mas, a adaptação é muito mais fácil, do que, se, por exemplo, estivéssemos noutra categoria, como Fórmulas, ou outra coisa assim do género.

    Desde 2022, Henrique Chaves compete pela TF Sport, no Campeonato Mundial de Resistência (WEC), na categoria dos LMGTEAM.
    Fonte: TF Sport

    Bola na Rede: Em relação à tua carreira na WEC, neste momento estás a assumir a posição na categoria dos GTEAM. Verias alguma mudança a acontecer neste sentido, como por exemplo, rumares para os GTEPRO ou mesmo para os Hyper?

    Henrique Chaves: Estou aberto a qualquer proposta, qualquer oportunidade que me apareça. Eu estou sempre disponível para analisar, e, possivelmente, aceitar. Eu digo sempre que não quero pensar nisso, mas obviamente que penso, mas não gosto de comentar, porque gosto de me focar corrida a corrida. Ainda este fim-de-semana [1-2/10], acabou o GT World Challenge e há houve abordagens de alguns pilotos e equipas para fazer programas para o próximo ano, mas eu disse que ainda tinha a corrida em Portimão para o ELMS, e em novembro, a última corrida do WEC, portanto, quero terminar esses Campeonatos, quero estar focado nessas corridas, e depois disso, aí sim, pensar naquilo que poderá ser o próximo ano ou daqui a dois anos.

    Mas, se hoje, me abordassem para incorporar um Hypercar ou mesmo para fazer um programa na LMP2, teria que pensar e dizer «okay, vou focar no que poderia ser o meu futuro, e guardar a preparação para a corrida de Portimão [ELMS] e do Bahrain [WEC] para mais tarde» mas sim, estaria aberto se essa proposta aparecesse. Primeiro, ficava muito satisfeito e orgulhoso do trabalho que tenho vindo a fazer nesse sentido – significaria que tinha chegado ao topo – mas, quero ter os pés assentes na terra e esperar que esse convite chegue, e sem grandes ilusões.

    Ao lado de Marco Sorensen e Ben Keating, Henrique Chaves venceu as 24h de Le Mans em 2022.
    Fonte: TF Sport

    Bola na Rede: Foste vencedor das 24 horas de Le Mans na última edição na categoria do LMGTEAM. Como é que foi essa sensação de o conseguir, mesmo na tua estreia na prova, e sendo uma prova tão icónica para o desporto motorizado?

    Henrique Chaves: Eu não tenho palavras, acho eu, para descrever o que é que se passou naquele fim-de-semana. No fim-de-semana anterior tinha tido uma corrida, em Paul Ricard, onde lideramos a corrida toda, e acabamos com problemas na frente esquerda, e «morremos na praia». A corrida foi de 6 horas e estivemos 5 horas e 59 em primeiro, e acabamos por perder a liderança na última volta. Por isso, fui com um bocadinho de mindset daquela derrota, que deixa marcas.

    Mas na verdade é que, depois, fui para uma nova realidade, um ambiente completamente diferente, algo que nunca tinha experienciado, que é Le Mans – os fãs; toda a atmosfera daquela corrida; a pista também é espetacular, especialmente o último setor com as curvas Porsche – e tive que mudar o chip novamente, e pensar que o foco seria nesta corrida, e esquecer o que já passou [Paul Ricard]. E estava a correr tudo muito bem, adaptei-me bastante bem, com a ajuda dos meus colegas de equipa que já tinham feito Le Mans bastantes vezes, e a equipa deu-me todas as ferramentas para eu me adaptar bem. E ainda tivemos um percalço no caminho, que foi a qualificação – quando o meu colega teve as voltas eliminadas por excesso de limites de pista, aquele clássico que são os limites de pista (risos)e acabamos a qualificar em décimo nono, e pensei «vai ser muito difícil», apesar de saber que tínhamos ritmo para ganhar posições, mas estava longe de pensar que pudéssemos ganhar a corrida.

    Claro que acreditamos no nosso valor e no nosso trabalho, mas, estão lá mais 23 ou 24 equipas e pilotos que também estão a trabalhar para isto, não estamos ali sozinhos. E, a verdade é que tínhamos um bom ritmo, mas os Porsche estavam muito rápidos. Mas, em termos de estratégia, a equipa esteve muito bem, nas paragens nas boxes, foram sempre rapidíssimos, andávamos sempre um segundo à frente das outras equipas e isso fez toda a diferença. E à hora 13 ou 14, creio eu, chegamos à liderança da corrida, e pensei «isto é real», mas ainda faltavam bastantes horas, portanto, foi continuar o foco. No desenrolar da corrida, houve coisas que nos prejudicaram, mas faz sempre parte da corrida, e, a nossa estratégia era, tentar, na parte da noite e da manhã, liderar, e se houvesse um safety car, poderíamos ter alguma sorte, e foi assim que aconteceu, a nossa estratégia era focar nisso, que nos permitiu gerir a corrida de outra forma.

    E chegamos ao final, e ganhamos. Na altura nem acreditei, mas foi uma sensação espetacular. Na minha estreia em Le Mans, há tantos que lá vão e tentam ganhar durante anos e anos, e não conseguem, e eu na minha estreia, tenho a sorte de o fazer. Obviamente que por detrás da sorte, há muito trabalho, mas ter essa sorte de ganhar na estreia foi espetacular, e tenho aqui o troféu para me lembrar disso todos os dias que estou em casa. Mas, para o ano, se puder, quero lá voltar, e tentar ganhar novamente.

    Bola na Rede: Desafio-te a contares-nos uma história, qualquer uma, durante a tua carreira de piloto, que mais te tenha marcado. Certamente terás algumas!

    Henrique Chaves: Ehhh… uma história que me tenha marcado… recentemente tive uma história que me marcou que não teve assim muita piada. Foi uma das que mais me marcou, foi o acidente mais horroroso que tive, se podemos dizer assim [6 horas de Monza]. Nunca é agradável perder os travões a 260 quilómetros/hora, e eu até diria que naquela pista foi na pior curva possível. Mas pronto, foi uma experiência das más, mas, que me deixa algo tranquilo, porque tive um acidente tão aparatoso, tão radical, e a verdade é que os carros hoje em dia, a segurança dos circuitos e todas as pessoas que trabalham nesses departamentos, fazem um trabalho espetacular para nós, pilotos, estarmos em segurança e conseguirmos fazer o nosso trabalho em segurança. Podemos estar tranquilos a fazer o nosso trabalho, dentro do que é aceitável, claro, e eu acho que isso é muito importante. Se nos sentimos inseguros, é claro que não vamos arriscar o suficiente para sermos mais rápidos, e pode acontecer acidentes mesmo trágicos, e já aconteceram, para mim não aconteceu, mas, continua a ser das experiências mais marcantes que tenho.

    Mas também tenho uma boa, na altura dos Fórmulas, em que tive que aprender a perder, as corridas não corriam bem, algumas delas eram desastrosas. Salvo o erro que foi em 2016 ou 2017, já não me recordo, mas foi na Fórmula Renault, onde foram muitas corridas no top 5 – já era um ótimo resultado – e foi no dia de anos do meu pai que consegui o primeiro pódio na Fórmula Renault, e eu pensei «é agora que vai mudar a sorte» e assim foi, foi uma corrida que me marcou porque foi o primeiro pódio que consegui no panorama internacional do Automobilismo.

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    Angelina Barreiro
    Angelina Barreirohttp://www.bolanarede.pt
    Natural de Monção, a Angelina é Licenciada em Relações Internacionais e, Mestre em Economia Social pela Universidade do Minho. Vê o desporto como um dos bons lados da vida, que forma uma boa parceria com a escrita e o jornalismo. O seu interesse pelo desporto surgiu cedo, tendo como principal área de interesse o Futebol, o Ténis e a Fórmula 1.