Quando nasci, em Maio de 1993, a casa já era vermelha. Nesse ano iria ter o primeiro cachecol do glorioso, em 1994 o primeiro equipamento, em 2000 iria ver o primeiro jogo ao vivo, no antigo Estádio da Luz, e em 2006 assinar-me-ia sócio nº154042 do Benfica. Hoje guardo tudo num baú.
9 de Novembro de 2013.
É dia de jogo. O Benfica vem de uma melhoria de forma, de rendimento, de qualidade e de equilíbrio colectivo. Tem vindo a apresentar um futebol mais caracterizado (facto que o resultado negativo que traz da Grécia, frente ao Olympiakos, não invalida) depois de alguns deslizes no início da temporada. Tudo bons indicadores, mas um dérbi é sempre um dérbi e um rival sempre um rival. Abro o “Baú Benfica” e tiro de lá o cachecol. Orgulhoso como sempre das cores que carrego, estou pronto a rumar ao inferno da luz.
À entrada, um forte dispositivo policial nas imediações do estádio não esconde o alto risco a que o jogo está associado. O cortejo das claques leoninas aproxima-se e a tensão aumenta – a rivalidade secular entre as equipas está viva como nunca deixou de estar. São tochas, são petardos, são milhares a uma só voz. Ali, onde Eusébio tem o seu forte pontapé imortalizado, a massa benfiquista escreve o preâmbulo daquilo que vai ser o jogo entre as duas facções da segunda circular. Dentro do estádio, um topo norte verde muito bem composto não intimida uma casa bem vermelha. Hino cantado, voo da “Vitória” bem-sucedido, Duarte Gomes apita, a bola começa a rolar. A história do jogo está escrita, não tenho que a reinventar. Um Tacuara inspirado, mortífero e completamente reconciliado com a família benfiquista encontrou um colectivo verde e branco decidido e cheio de vontade de vencer. Para o bem do adepto de futebol, imperou o espectáculo; para o meu bem, venceu o Benfica. Um resultado sempre justo, se quisermos evocar o utilitarismo de John Stuart Mill – a maximização do bem-estar foi respeitada, ganhou o clube capaz de proporcionar felicidade a mais pessoas.
Terminado o jogo, atravesso de novo o Tejo, rumo ao meu outro lar. Chego a casa e devolvo o cachecol ao sítio de onde o tirei. Chama-se “Baú Benfica” e não esconde a ligação fervorosa que tenho com o clube de coração. Lá dentro encontra-se tudo o que materializa uma espécie de Sport Lisboa e Alberto: cachecóis, camisolas, bandeiras. É até engraçado ver como “crescem” os equipamentos de ano para ano, respeitando o tempo em que eu próprio crescia com o Benfica sempre presente. Fecho o baú com a certeza de que vou voltar a abri-lo numa próxima ida à catedral.
O amor é isto. “Obrigado, Benfica”, disse vezes sem conta. Obrigado por momentos de alegria únicos, pelo que de mim exaltas, por cada golo, por cada salto no estádio, pela vivacidade que imprimes em mim. Obrigado por mais um regressar a casa feito de glória, de um sentimento inexplicável, de uma chama imensa. Obrigado, Benfica.
Obrigado, pai, por me teres mostrado o que é o Benfica. Obrigado por me teres mostrado o Estádio da Luz, por sofreres comigo em cada jogo do nosso glorioso. Obrigado pelo timing certo do “se não fores do Benfica, vais dormir na varanda”, o ensinamento será passado. Obrigado por este benfiquismo e desculpa-me se for já maior do que o teu.
Hoje guardo tudo num baú.