Deixem o Rei morrer

    Glóbulos Vermelhos

    Já há muito tempo não escrevia por estas bandas. Ossos do ofício que impedem à criação criativa, com efeitos severos de asfixia da escrita mais pessoal e criativa. Espero que as desculpas sejam aceites por todos os membros desta comunidade. Mas agora é tempo de impor um manifesto, com a minha simples assinatura por baixo, sem grande pesquisa científica, antes com o dever de crítica e responsabilização da minha profissão, e, como consequência da sociedade corriqueira que existe neste país.

    Eusébio morreu. Não queria mais ouvir falar deste tema porque o meu luto é silencioso, mas vi-me obrigado a fazê-lo – uma exigência intrínseca à minha pessoa – porque exijo respeito por um dos grandes astros nacionais de todos os tempos. Bem sei que nunca vi o jogar, nem em directo, nem ao vivo, e por isso muito me lamento. Mas sempre vi os vídeos, as representações de alguém sem limites, com potência ao alcance de poucas defesas e colectivos. Parece-me que o futuro do Benfica, do meu clube, está hoje aos tremeliques, com a perda da maior referência desta nação, com o esgotamento da qualidade futebolística e da empatia com o treinador, com as directrizes de interesse próprio levadas a cabo por esta direcção. Uma vitória contra o Porto impõe-se, se bem que não me parece que isso vá apagar todos os problemas do passado recente. Mas impõe-se, porque é, a única e possível maneira de homenagear um homem quase maior que este clube, do tamanho do planeta. Costumo dizer que ninguém gosta do Benfica tanto como eu e, se esse alguém existir – sim, porque não deixou de existir – essa pessoa é o King, o único a quem admito tal afirmação.

    Que as lágrimas de hoje mostrem o mesmo respeito que as lágrimas do Rei mostraram no passado Fonte: asbeiras.pt
    Que as lágrimas de hoje mostrem o mesmo respeito que as lágrimas do Rei mostraram no passado
    Fonte: asbeiras.pt

    É por isso que é lamentável ver a forma como os meios de comunicação social, com as televisões bem no topo desta hierarquia, acompanharam o dia do funeral do Pantera Negra. Não digo que não seja digno de todas as horas que as televisões dedicaram a isto tudo, não digo que não se siga atentamente as homenagens, as flores, os cachecóis, porque, de facto, o país parou. Mas não vamos exagerar ao ponto de mostrar a cara do corpo no caixão, a sua missa que em pouco acrescente ao deu descanso e, muito mais grave ainda e grande motivo da minha indignação, o enterro, literal, do caixão. Não é que a sua família tenha tido grande direito a privacidade com todo o tributo e mar de gente que quis estar presente, mas daí a todos os canais de televisão e alguns jornais – aqui se inclui aquele a que pertenço – mostrarem imagens do caixão a descer para o buraco cavado na terra. É triste que se chegue a este ponto, de falta de consciência e princípios, mesmo pensando que as pessoas estiveram sentadas na televisão a ver, que queriam, efectivamente, assistir a esse momento.

    Eusébio deu tudo e mais alguma coisa a este país. Não merece que a sua morte seja fomento de polémicas em torno de cachecóis e da quantidade de whiskey que bebia por dia. Foi Eusébio, como sabia, como pôde e quis ser. Foi Eusébio em 66, foi Eusébio em todas as conquistas. Deixem o King morrer, deixem-no ser Eusébio no seu desaparecimento. E, sobretudo, não venham agora levantar poeiras do passado. Houve mais que tempo para o fazer. Agora dêem-lhe o mínimo, o descanso devido. Obrigado.

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    Miguel Branco
    Miguel Brancohttp://www.bolanarede.pt
    Filho pródigo de Almada e Jornalista no i - não leiam nada meu que isso faz mal às varizes - e um rapaz com medo de alturas. O meu prato preferido é chocos assados com tinta, favas com chouriço, cozido à portuguesa, vou parar. Benfiquista de gema, mas crítico, não cego, da estrutura. Até porque nunca gostei do Dumbo. Bem haja.                                                                                                                                                 O Miguel não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.