«João Pinto? Quem o deixou sair do SL Benfica devia estar preso» – Entrevista BnR com Toni

– Da relva para o banco: Rui Costa, Zidane e Irão –

“João Pinto? Quem o deixou sair do Benfica devia estar preso”

BnR: Permita-me fazer a ponte para a sua carreira fora das quatro linhas: é no Benfica que inicia as funções de treinador, primeiro enquanto adjunto e, depois, como principal. Que importância teve Eriksson nesta nova fase da sua vida?

T: Quando o Eriksson chega ao Benfica, eu já tinha sido adjunto do Lajos Baroti. No primeiro ano do húngaro na Luz, eu ainda era jogador; no segundo ano passei a adjunto, com o senhor Caiado. O sueco chega na época 1982/83 e identifiquei-me logo com a sua ideia de jogo. Os métodos de treino que trouxe também foram importantes, porque cortaram com aquilo que era a forma como se trabalhava: não pela complexidade do treino, mas pelos exercícios fáceis e com bola. Trouxe motivação aos jogadores. Para além disto, encontra um leque de jogadores de grande qualidade do ponto de vista técnico, físico e tático. Houve uma comunhão perfeita. Cheguei a dizer-lhe, numa das conversas que tínhamos diariamente, que eu podia ter sido melhor jogador se tivesse sido treinado por ele.

Fonte: Facebook de Toni

BnR: O resultado 6-3 tem dupla face para o Toni: se, por um lado, é sinónimo de uma das suas maiores vitórias, por outro, significa a última partida ao comando do Bordéus. Qual destes jogos teve maior impacto na sua carreira?

T: O jogo de Alvalade abriu-nos a porta para chegar ao título. Numa época de grande complexidade, vencer, ainda mais por estes números, em casa de um rival (…) indo recuperar jogadores que já estavam quase do outro lado e se revelaram fundamentais, como é o caso João Pinto… quem o deixou sair do Benfica devia estar preso. O João nunca devia ter saído do Benfica! Aliás, por essa altura, também já sabia que a minha saída do Benfica já estava decidida, mas fui respondendo com profissionalismo todos os dias, numa época muito difícil.

Em relação ao outro jogo, foi contra o Mónaco. Como sabes, o plantel do Bordéus era constituído por 18 jogadores e, quando necessário, existia o centro de formação ao qual podíamos recorrer. Nesse dia, ia jogar o Sonny Anderson e lembro-me de ter de pôr, fruto de castigos e de lesões, dois miúdos de 18 anos a centrais e, para lhes dar cobertura, pensei “Bem, deixa-me jogar aqui com três a ver se consigo aguentar isto”. Aos 20 minutos já estávamos a perder 3-0, portanto abandonei os três defesas. Ainda fizemos o 3-2, não sei se foi o Dugarry ou o Zidane, mas o jogo acabou com os 6-3. De todo o modo, faltavam apenas oito jornadas para o fim do campeonato e foi com o meu contributo que o Bordéus vai à Taça UEFA, através da Taça Intertoto; no ano seguinte, estão a jogar com o Bayern na final e quase a descer para a segunda divisão. Foi a venda do Zidane, para a Juventus, do Dugarry, para o Milan, e do Lizarazu, para o Bilbao, que permitiu ao Bordéus reinventar-se e ficar com uma equipa muito diferente daquela que eu tinha.

São dois 6-3 com sabores distintos: um que provoca um dia de uma alegria imensa e outro que provoca um dia de tristeza, mas não diria de grande tristeza. Tristeza a sério foi quando, dias depois, recebo uma chamada do Presidente do Bordéus – que não teve a hombridade de fazê-lo pessoalmente – e disse-me que estava despedido.

BnR: O Rui Costa já o perdoou por ter jogado apenas vinte minutos nesse derby?

T: Já falámos sobre isso, continuaremos a falar-nos e temos uma relação boa. O Rui Costa foi campeão comigo como treinador, regressa à Luz porque falo com o Eriksson e disse-lhe que havia um miúdo que estava a destacar-se no Fafe e que pertencia ao Benfica. Aquela equipa teria de ser sempre Rui Costa mais dez, mas o jogo e a estratégia que montámos, eu e o Jesualdo, (…) tínhamos de equilibrar a equipa; não a podíamos partir com cinco homens de propensão ofensiva e outros cinco de propensão defensiva. Foi a razão pela qual ele só jogou 20 minutos nesse dia. Nos jogos que se seguiram, o Rui foi sempre titular. Não é fácil para um jogador daqueles aceitar ficar de fora num derby, mas houve sempre algo que me guiou enquanto treinador: ninguém é mais importante que a equipa.

Bnr: Entre Rui Costa e Zidane, quem aparentava ter maior potencial?

T: Parecendo iguais são diferentes. São iguais no talento, na criatividade. A passagem de ambos pelo futebol italiano acabou por lhes ser benéfica, enriqueceu-os do ponto de vista tático e físico, porque tecnicamente já sabiam tudo. Só que, enquanto o Zidane saiu para a Juventus, o Rui saiu para a Fiorentina, e penso que pode estar aí o motivo pelo qual não foi catapultado para outros patamares – embora tenha deixado o seu lastro de classe e de talento, páginas de ouro que escreveu, em Florença e no futebol italiano.

Vou confessar-te que, no Bordéus, sonhava trazer o Zidane e o Dugarry para o Benfica, mas tinha de hipotecar a Caixa Geral de Depósitos para que isso acontecesse.

BnR: Sevilha vale, sobretudo, por ter testemunhado de perto o talento de Šuker?

T: O Šuker até parecia que estava a mais naquela equipa. Era um jogador fabuloso. Lembro-me, também, de recorrer a um miúdo chamado Carlitos, que tinha 17 anos e acabou por fazer parelha com o croata. Quando fui para Sevilha, o clube vivia dos períodos mais difíceis da sua história. O Celta de Vigo e o Sevilha estavam na segunda divisão; já tinha sido feito o calendário para 20 equipas, que depois foi alterado para 22, porque o povo foi para a rua e revoltou-se.

Fonte: Facebook de Toni

BnR: Quando consultei o seu palmarés, notei que faltava uma das maiores conquistas do Toni: ter conseguido explicar ao Amir o que era uma pá …

T: Essa história não foi para o Youtube! É passada no gabinete do Presidente com todo o staff técnico. Estávamos a fazer um meeting e o Presidente disse “Epá… meio-campo… buraco…” e eu disse ao Amir, o meu tradutor que tinha sido casado com uma brasileira, “Sabes o que é uma pá?” e ele ficou a olhar para mim sem perceber. Lá lhe fiz sinais, e ele acabou por perceber. “Então diz ao Presidente – e não tenhas medo! – que agarre numa pá e vá lá tapar o buraco. Mas diz-lhe mesmo!”. Ele podia ser o Presidente, mas o treinador era eu. A minha equipa técnica – o meu filho, o Vítor Campelos e o Paulo Grilo [treinador de guarda-redes] – pensou que íamos todos presos.

BnR: Como foi o regresso a Tabriz após a conquista da Taça do Irão?

T: Foi das maiores manifestações de carinho e reconhecimento que senti na minha vida. O Tractor é uma bandeira de 40 milhões de pessoas. Já viste como é que o Quaresma foi recebido na Turquia, como é o ambiente de um jogo na Turquia… transporta isso para o Irão. Quando a seleção joga no Azadi Stadium, em Teerão, estão 100 mil a assistir e se o estádio tivesse capacidade para 500 mil, eram 500 mil que estavam lá. A conquista da Taça do Irão, no dia 14/02/2014, é o feito que marca a história daquele clube.

BnR: Por falar em vitórias, o dia 11 de junho de 2013 coroa a maior vitória da sua vida?

T: Foi o jogo da vida. Regressei do Irão para férias no tempo certo, porque a primeira coisa que fiz quando cheguei foram análises ao sangue e uma radiografia aos pulmões; como a radiografia foi um bocadinho mais abaixo, o radiologista apanhou um tumor maligno no rim esquerdo. Felizmente, estava circunscrito e não metastizou. Foi a maior vitória.

BnR: Já o dia 11 de agosto rima com susto.

T: Quando lemos ou ouvimos na televisão que houve um tremor de terra no Japão ou no Haiti, não fazemos ideia do que é isso. Lembro-me que estava sentado no sofá e o candeeiro era o meu sismógrafo, parecia o sino de Mafra. Agarrei no meu filho e disse “Vamos para baixo de uma ombreira” e aquela hesitação de andar de um lado para o outro (…) a qualquer instante dava-nos a sensação de que aquilo ia cair. Estávamos no 12.º andar. Foi um minuto interminável. Na escala de Richter atingiu 6,4, com o epicentro a 60 ou 70 quilómetros de onde estávamos. Depois houve réplicas, nesse dia e nos seguintes, mas nada comparadas com o primeiro. É um dia que não esqueço e até está apontado no meu diário.

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Miguel Ferreira de Araújo
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Um conjunto de felizes acasos, qual John Cusack, proporcionaram-lhe conciliar a Comunicação e o Jornalismo. Junte-se-lhes o Desporto e estão reunidas as condições para este licenciado em Estudos Portugueses e mestre em Ciências da Comunicação ser um profissional realizado.                                                                                                                                                 O Miguel escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

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