Pensar, temporizar e executar – dos relvados para os escritórios

    Temos os génios dos relvados. Aqueles a quem quando a bola chega já leram os movimentos dos colegas e adversários. Aqueles sem necessidade do protagonismo da posse em excesso, nem a pressa de se desfazerem dela. Numa constante análise das suas possibilidades, recebem a bola, levantam a cabeça e, no momento exato, soltam-na numa execução perfeita que mais uma vez aproxima a sua equipa do golo. Também temos a genialidade sem bola, seja na desmarcação ou na antecipação. O ser genial a defender. Aqui, o físico ajuda, mas, mais uma vez, nada sobressai ao poder da mente. Ler o movimento dos colegas e adversários, ler o movimento da bola, perceber qual o espaço que deve ocupar e o momento de cortar o lance – seja atacando a bola ou simplesmente ocupando o espaço de desmarcação.

    Estes jogadores que tão bem interpretam no relvado necessitam de proteção adulta para que também o possam fazer fora destes. São jovens. No futebol são craques, mas na vida estão ainda a começar. Aqui, além da maturidade do jogador, conta muito a orientação que este recebe. Começa na família, mas é ainda mais decisiva na influência do seu agente e dos dirigentes. Infelizmente, vemos os agentes bem mais interessados no negócio do que no jogador, no curto-prazo do que na carreira deste. Aproveitar o momento para rentabilizar ao máximo a conta bancária e partir para o próximo talento.

    Mas pior ainda é o papel do clube formador. Assim referindo-me diretamente ao Sport Lisboa e Benfica, sinto que o clube tem uma obrigação quase que paternal com aqueles que despontam no Seixal. Não são jogadores quaisquer, são filhos do SL Benfica, são crias da casa. A prioridade para com os nossos miúdos deverá ser vê-los integrados na equipa principal a ganhar o seu espaço no 11 titular e na história do clube. A segunda prioridade deveria ser garantir-lhes as bases e orientação necessárias para atingirem o pico do seu potencial e uma carreira que lhes faça justiça. O ganho financeiro deverá estar no fim da lista de prioridades, por mais tentador que este seja. E infelizmente vejo-as invertidas no SL Benfica. Assim que um miúdo mostra alguma qualidade, já a direção se desdobra em tentativas de o valorizar e vender o mais rapidamente possível.

    Neymar lançou uma brilhante carreira por ter esperado mais um ano e ter escolhido o clube certo para si
    Fonte: FC Barcelona

    Nesta altura, parece impossível que um miúdo de 18/20 anos faça três meses de alto nível na Luz e não seja vendido na abertura seguinte do Mercado de Transferências. O jogador, ainda criança, é ludibriado pelas luzes do glamour e o poder dos milhões, e os adultos que o aconselham têm outras prioridades que não a carreira deste.

    O exemplo do Renato Sanches é atualmente o mais impactante. Ninguém soube, ou quis colocar um travão na euforia que este obrigatoriamente começou a viver. O clube em baixo, ele entra, ganha a titularidade de forma decisiva, é campeão, vai ao Europeu e é campeão da Europa. Recebe uma proposta milionária de um clube como o FC Bayern de Munique. O resto já é história. Uma história que facilmente se adivinhava, mas com a qual, pelos vistos, ninguém estava para se preocupar. O rei Renato durou seis meses. Passaram três anos. Tudo isto porque o jogador saiu sem ter total noção da sua qualidade e sem ser orientado para o clube certo. Saiu num momento de euforia e não num de afirmação.

    Faltou perceber o porquê do seu impacto naquele momento do Futebol encarnado e qualidade das suas exibições na Selecção das Quinas. Faltou tempo de crescimento e ponderação. Alguns dissemos que o Renato estava a cometer um grande erro. Era demasiado verde, ainda só se fazia valer pelo físico e, por isso mesmo, no campeonato alemão, não se iria conseguir destacar. Era crucial que ficasse no mínimo mais uma época em casa, no SL Benfica. Infelizmente, não houve quem o orientasse.

    Um caso totalmente oposto é o do Neymar. Um miúdo a brilhar no Santos FC, mas sem cabeça. Meia Europa atrás dele e, no verão que todos esperavam que fosse transferido, optou por ficar mais um ano. Não tenho dúvidas da intervenção de antigas estrelas brasileiras como o Pelé e o “Fenómeno”. Protegeram o menino que, apesar do talento, não estava ainda preparado para o desafio de se afirmar num colosso europeu. Neymar fez mais um ano no Santos FC e, no final dessa época, não era o mesmo. Um jogador mais maduro e consciente. Foi para o FC Barcelona, o clube ideal para um talento como ele encontrar uma cultura de jogo coletivo e de humildade. Neymar lançou uma brilhante carreira por ter esperado mais um ano e ter escolhido o clube certo para si.

    Antes de decidirem sair, estes jogadores devem perceber e analisar o seu futebol, escolher o momento certo e optar pelo clube mais adequado ao seu potencial.
    Fonte: SL Benfica

    E sim, não é só uma questão de saber quando sair de casa, mas também de saber escolher o destino. Olhemos Nico Gaitán. Olhemos e suspiremos. O João Félix apareceu na equipa principal do SL Benfica há coisa de sete meses, e só há três com algum destaque. Há alguma obrigatoriedade em que tenha de sair daqui a dois meses? O melhor para o jogador e para o clube é que este fique pelo menos mais um ou dois anos. Que cresça em sua casa, no meio dos seus e com todo o espaço para evoluir. Que assente o seu futebol e aprenda. Que conquiste sucessos e títulos no SL Benfica. Depois sim, sairá, dificilmente desvalorizado e muito mais preparado para novos desafios na sua vida profissional e pessoal. E o clube terá desfrutado do seu talento e terá tirado proveito desportivo deste.

    João Félix, Florentino e Ferro. Três jovens que estão agora a afirmar-se na equipa principal. Três jogadores a quem aconselho mais um ou dois anos de águia ao peito antes de voarem para longe do ninho.

    Antes de decidirem sair, estes jogadores devem perceber e analisar o seu futebol, escolher o momento certo e optar pelo clube mais adequado ao seu potencial. Pensar, temporizar e executar.

    Texto revisto por: Mariana Coelho

    Foto de Capa: SL Benfica

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    Daniel Oliveira
    Daniel Oliveirahttp://www.bolanarede.pt
    Primeira palavra bola. Primeiro brinquedo bola. E assim sempre será. É a ver jogos que partilha os melhores momentos de amizade. É a ver jogos que faz as melhores viagens. É a ver jogos que esquece os maiores problemas. Foi na paixão pelo jogo que sempre ultrapassou os outros desgostos de amor. Agora a caminhar para velho pode partilhar em palavras aquilo que sempre guardou para si em pensamentos e pequenos desabafos.                                                                                                                                                 O Daniel não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.