SL Benfica | Há 60 anos, a Europa foi encarnada!

    31 de maio. Costa Pereira na baliza, Mário João, que substituía Saraiva, o único suplente no banco depois de uma portentosa exibição em Viena nas meias-finais, Germano e Ângelo; Neto e Cruz; e uma linha de cinco, menos popular do que a adversária, mas tão ou mais valente nos seus méritos: José Augusto, Coluna e Santana como interiores, Cávem à esquerda e Águas como ponta-de-lança.

    Eusébio era ainda um menino acabado de chegar a Lisboa e envolto em amplos jogos de detetives entre SL Benfica e Sporting CP. Só participaria na campanha seguinte e por esta altura estava a preparar a meia-final da Taça de Portugal, na qual as reservas enfrentariam o Vitória FC no dia um de junho. Ao contrário da boa vontade belenense, em Setúbal não houve abertura para negociações de calendário.

    Primeiro minuto, Mário João salva bola em cima da linha, empurrando-a para canto. Entravam a todos o gás, os espanhóis. Dez minutos: Coluna choca com adversário e cai estatelado no chão. Inconsciente, é retirado de campo para assistência médica – numa altura em que não existiam substituições. Voltou pouco depois, ainda ‘abananado’, a tempo de assistir ao tento inaugural de Kocsis.

    Não eram bons os primeiros sinais, mas a alma lusitana sempre se agigantou nos momentos mais decisivos. À passagem da meia hora, dois golos de rajada, um de Águas e o auto-golo de Ramallets. Assim se chegava ao intervalo, com grande diferença nas oportunidades flagrantes, 7-1, que se traduzia inexplicavelmente no 1-2 assinalado pelo placard gigantesco do Wankdorf.

    Na segunda parte, um Mário Coluna já totalmente recuperado demora dez minutos para assinar golo inesquecível, disparando em moinho para o 1-3. Com 55 minutos jogados e vantagem de dois golos, coube ao SL Benfica tentar gerir com bola e manter a frescura física. Bem se tentou, mas a pressão culé foi crescendo, asfixiando cada vez mais os 11 corajosos portugueses contra a baliza muito bem guardada por Costa Pereira.

    Em entrevista posterior à RTP, o guarda-redes conta de forma divertida as peripécias daqueles momentos de aflição: “É nessa altura (no momento em que Czibor faz o 2-3) que faltam 18 minutos para acabar. No Estádio de Berna havia um relógio numa torre, eu tenho impressão que os ponteiros nunca andavam. Eu dizia para o Germano, «quanto tempo falta?», o Germano respondia-me, « ó Costa, os ponteiros estão avariados!»”, antes de esclarecer quanto ao destino encarnado, apoiado em largas doses de sofrimento e benevolência divina: “O Benfica, contra tudo e contra todos, foi campeão europeu. É certo que tivemos muita sorte. Eu, nesse aspeto, devo dizer, fui talvez o guarda-redes do mundo que mais sorte teve num desafio de futebol”.

    Acontece que é após o golaço de Czibor, à passagem do minuto 75, que se impuseram verdadeiramente os ditames que os apostadores previam. A superioridade blaugrana, assente na capacidade técnica da sua linha mais ofensiva, subjugou os esforçados defensores portugueses.

    SL Benfica sagra-se capeão europeu após vencer o FC Barcelona por 3-2
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    Fonte: SL Benfica

    Inúmeros foram os ataques perigosos esbarrados nos cortes in extremis ou nos famosos postes – a ocasião mais famosa, o lance em que um remate de Kubala embate num dos travessões, vai vagarosamente bater no do lado contrário e, por fim, dirige-se para as luvas do keeper português.

    No final, o treinador espanhol, Orizada, queixava-se: “Azar assim, bem distribuído, dava para perder dez jogos seguidos. Se houvesse um penalty para Kubala marcar, mesmo que não estivesse lá Costa Pereira, haveria de aparecer um passarinho que levava a bola no bico.”

    Sonho concretizado. Águas levantou a Taça e deixa-se fotografar em imagem para a posteridade. À chegada, Salazar e o almirante Américo Tomás recebem a comitiva num aeroporto cheio como nunca antes havia estado, não só com benfiquistas mas com adeptos de todos os clubes portugueses.

    Os dois vultos da política nacional tratam imediatamente de premiar toda a equipa, nomeando cada jogador como Comendador, que dará azo a outra das famosas tiradas de Guttmann, sempre envoltas em aura irónica: “Peço a demissão. Como posso treinar 14 comandattori?”.

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    Pedro Cantoneiro
    Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
    Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, o Benfica como pano de fundo e a opinião de que o futebol é a arte suprema.