Um “jogo perfeito” desconstruído em cinco imperfeições | Benfica

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    Um empate nunca pode ser um jogo perfeito, mas para Roger Schmidt não esteve longe disso. No final do jogo o técnico do Benfica não poupou nos elogios à equipa e usou expressões como «jogámos bem», «fomos muito melhores» ou «fizemos um bom jogo» para classificar a exibição dos encarnados.

    Face à amostra recente, a verdade é que o Benfica soube ser melhor do que havia sido em Alvalade (pelo menos durante os primeiros 60 minutos) e no dilúvio sem arca no Dragão. Ainda assim, acreditar que a exibição do Benfica diante do Rangers (2-2) foi muito boa é uma miragem distante que obriga a um exercício de construção de um universo paralelo.

    O Benfica foi superior em certos momentos, inferior em outros, mas continuou a falhar no mesmo. Os códigos postais dos erros foram semelhantes, as dificuldades em momentos e situações do jogo também e a verdade é que uma vitória podia cair para qualquer lado. O Rangers era um adversário ao alcance do Benfica e na Escócia será sempre mais complicado resolver uma eliminatória que podia ficar selada – ou perto disso – na Luz.

    1.

    A defesa de situações de cruzamento: Roger Schmidt falou do problema na conferência de antevisão da partida, mas a verdade é que o Benfica sofre o primeiro golo numa situação de cruzamento.

    Já nem é preciso alargar a defensiva do Benfica para criar perigo. O Rangers não atacava a última linha com cinco jogadores e, mesmo assim, conseguiu criar vantagens no lado esquerdo do ataque e no ataque a zonas de finalização na área. O primeiro golo escocês é, porventura, a principal debilidade dos encarnados em organização defensiva e está bem longe de estar resolvida.

    Fábio Silva – é justo destacar a exibição do português, segurando a bola e permitindo ao Rangers respirar – atraiu três jogadores e desocupou a área. Os extremos não acompanham ninguém (será abordado com maior profundidade) e as coberturas são, geralmente, feitas pelos médios. Tanto João Neves como Florentino foram atraídos para resgatar Alexander Bah e impedir uma situação de 2×1. No entanto o português aguardou a passagem de Mohammed Dimonade que, vindo de trás para a frente, aproveitou a vantagem dinâmica ou cinética – por estar em movimento, a velocidade de um corpo é sempre superior a outro corpo que se encontra parado – e criou espaço para o cruzamento. Desta vez a bola não foi colocada ao segundo poste (onde Dessers também aparecia nas costas de Fredrik Aursnes), mas no coração da área. Por João Neves e Florentino terem sido atraídos para o corredor lateral, Tom Lawrence apareceu solto na área para finalizar sem oposição.

    2.

    Ángel Di María Benfica
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    O jogo partido: Os jogos em que o Benfica defronta adversários que procuram competir pela bola têm uma tendência quase certa para, a dado momento, partirem. Se ofensivamente os encarnados conseguem, geralmente, resolver – dada a enorme qualidade individual –, defensivamente o cenário não é o mesmo.

    Contra o Rangers o Benfica viveu muito tempo de David Neres. O avançado rodava sobre os adversários e criava lances de golo a partir da qualidade individual. Só não celebrou porque Jack Butland foi monstruoso entre os postes. Rafa procurava receber entrelinhas e Di María vaguear pelo ataque à procura da melhor opção para receber. Não tiveram ao nível técnico habitual (apesar de a espaços mostrarem-se) para castigar o adversário.

    É também curiosa a forma como o jogo do Benfica no último terço potenciava um jogo partido. Na primeira parte Di María deixava o corredor direito, juntava-se à esquerda e o Benfica concentrava cinco jogadores nesse lado do terreno com os Aursnes, David Neres, Rafa, Arthur Cabral e o argentino a procurar sobrepovoar este lado do terreno. Não aproveitando esta superioridade e sendo incapaz de recuperar em transição, os encarnados deixavam não só o lado contrário exposto como vastas áreas do terreno para João Neves e Florentino cobrirem.

    3.

    Florentino Luís Benfica
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    O meio-campo: Florentino foi chamado a campo com este intuito, mas nem os dois trabalhadores do Benfica são capazes de preencher uma zona tão alargada do campo. Sempre que o jogo partia as águias eram colocadas em situações delicadas e não conseguia crescer em campo. Na segunda parte, principalmente depois do golo, os encarnados conseguiram repartir melhor o espaço – ofensivamente a dinâmica Alexander Bah – Ángel Di María na direita ajudou – e souberam aproveitar melhor as situações de jogo partido, mas o Rangers conseguiu ameaçar em transição (António Silva com algumas abordagens menos conseguidas).

    A dupla de médios do Benfica também não foi a mais indicada para o momento ofensivo (organização ou transição). Se defensivamente a presença de Florentino permitiu estancar alguns lances e permitir outra liberdade aos elementos da frente (um risco assumido e com consequências já destacadas), ofensivamente aos pupilos de Roger Schmidt faltou criatividade no passe. João Neves – o melhor dos encarnados – transcendeu-se, agarrou na equipa e levou-a para a frente, mas não é um médio que se destaca pelo passe. Desarma, arranca com bola nos pés, puxa a equipa para cima e conjuga a qualidade técnica com a alma dos adeptos, mas faltou em certos momentos outro capricho no passe longo ou nas desmarcações. Por muito bom que João Neves seja, não chega para tudo.

    4.

    Dujon Sterling Fábio Silva Rangers
    Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

    O lado mental: Além do Rangers, o Benfica jogava contra os fantasmas recentes. É impossível deixar de lado o impacto das derrotas recentes dos encarnados. Por muito que a qualidade técnico-tática de uma equipa seja o mais palpável, a capacidade de reagir às situações, de crescer perante adversários e de conforto são tão ou mais importantes no alto nível.

    Os encarnados até entraram por cima na partida. Com intensidade com e sem bola, agressivos nos duelos e à procura de chegar à frente e acelerar. Rafa posicionava-se entrelinhas ou atacava o espaço entre centrais e procurava dar sequência às jogadas ou gerar situações de ataque ao último terço. Durou sete minutos até o Rangers estancar tudo.

    Depois do golo os silêncios no Estádio da Luz prolongaram-se, a impaciência acumulou-se e as más decisões foram aparecendo. Passes sem nexo, uma urgência desnecessária em quebrar etapas para chegar mais rápido à frente e o Rangers a reagir, a reduzir o espaço entre e intra setores e a proteger o corredor central, levando o jogo para os corredores. A agressividade do Benfica passou a ter índices menores e o critério também. O golo de Ángel Di María antes do intervalo parecia um balão de oxigénio, mas tudo voltou a ir abaixo antes do intervalo.

    Fábio Silva colocou a bola ao segundo poste num lance que se camufla entre o cruzamento e o remate e o Rangers celebrou o segundo golo da noite. O mesmo VAR que tinha descoberto o penálti de John Souttar, descortinou um desvio em João Neves que validou o golo e o Benfica voltou a descer do céu à terra em minutos. Os encarnados tinham-se agigantado novamente depois do empate só para darem razão a Ícaro e baterem com mais força no chão.

    Recuperar o Benfica neste momento passa também por fazer regressar a confiança onde reina a desconfiança. Mesmo sem jogar muito, um Benfica moralizado e galvanizado teria vencido o Rangers na Luz. Roger Schmidt tem uma semana para o fazer no sempre complicado Ibrox Stadium.

    5.

    A comunicação: Saber comunicar é uma virtude que, em tempos de crise, é ainda mais importante. Roger Schmidt chegou à Luz e quebrou uma desconfiança (sem qualquer motivação ou razão de ser) com uma simples frase. «Se amas o futebol, amas o Benfica», disse o técnico alemão, agregando adeptos e fazendo a esperança triunfar perante as dúvidas. Esta temporada perdeu essa capacidade.

    Entre respostas demasiado vagas e decisões não explicadas, tornou-se complicado perceber o que vai na cabeça de Roger Schmidt. Certamente há uma intenção por detrás da opção de colocar Morato a lateral esquerdo, para escolher João Mário, Orkun Kokçu ou Florentino para emparelhar com João Neves ou para, mesmo com três pontas de lança com perfil diferente, apostar num ataque móvel.

    A preparação dos jogos é também algo que não é explicado por Roger Schmidt, abrindo espaço a dúvidas e especulações em torno do treinador do Benfica. Neste nível parece impensável imaginar que não haja qualquer estudo do adversário, mas dizendo apenas que a prioridade – algo legítimo e, para uma equipa do Benfica, perfeitamente compreensível – é preparar a equipa independente do adversário, não ajuda.

    Se há assobios e contestação, a resposta não está num fechamento total e num confronto criado. Aliás, em alturas mais complicadas, explicar decisões, mostrar abertura e ser compreensivo é a solução para recuperar os adeptos e voltar a colocar todos a remar para o mesmo lado. Não é com blackouts nas redes sociais ou com espaço para questões contadas nos dedos das mãos em conferências de imprensa que se consegue chegar ao outro lado.

    BnR na CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

    Roger Schmidt: Não foi possível realizar qualquer questão a Roger Schmidt, treinador do Benfica.

    BnR: O Fábio Silva esteve ligado aos dois golos do Rangers. Como é que o português entrou no plano tático para esta partida e que comentário faz à sua exibição?

    Philippe Clément: «Quanto tempo tem para a questão [risos]? Porque pode levar muito tempo. O Fábio Silva está a crescer, é ainda um jogador jovem. Tem 21 anos, com vários questionamentos antes de chegar ao Rangers sobre o papel onde podia jogar. Falámos de jogar como ponta de lança, a partir da esquerda ou mesmo atrás do avançado. Ele pode fazer todos os papeis e mostrou isso hoje. É possível ver que está integrado, que se sente muito bem no clube. Joga com um sorriso na cara e dá muita energia à equipa. Tem muitas qualidades e está a ganhar cada vez mais controlo sobre as suas emoções. Temos falado muito disso. É um grande passo para ele e estamos muito felizes pelo seu jogo hoje. Era um jogo difícil com muita atenção a recair nele, mas ele jogou para a equipa e mostrou a todos que é um bom jogador».

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