«No Sporting os jogadores achavam que estávamos a curto prazo» – Entrevista BnR com Zé Pedro

    José Pedro Alves Salazar. O seu estilo é inconfundível: cabelo comprido ao vento e daqueles pés a bola saía sempre mais redonda. E em excesso de velocidade. Em entrevista exclusiva ao Bola na Rede, revela as dificuldades na passagem pela equipa técnica do Sporting CP, onde sentiu resistência por parte dos jogadores e falta de liderança de Frederico Varandas e Hugo Viana na relação com o plantel. Dos tempos de jogador no Belenenses, recorda os golos ao SL Benfica de Trapattoni no famoso 4-1 e um episódio caricato no dia a seguir ao jogo, assim como o impacto de JJ, que idolatrava Zé Pedro e Silas. No regresso ao clube enquanto treinador, destaca a “tremenda confusão” em que o clube se encontrava e o sentido de missão com que encarou este regresso.

    – Um leão indomável –

    Bola na Rede [BnR]: Olá Zé Pedro. Começamos pelo passado recente: como é que soubeste do interesse do Sporting?

    Zé Pedro [ZP]: O Silas tinha acabado de rescindir com o Belenenses e nós restantes membros da equipa técnica ainda estávamos por resolver. Foi muito rápido, o Silas rescindiu, ouviu-se que o Leonel Pontes não ia ficar no Sporting e que havia interesse em Pedro Martins, Abel Ferreira, Leonardo Jardim e depois nós vínhamos em quarto. Pensei: não estou a ver o Abel a sair de onde está, o Pedro Martins também não. Ou o Leonardo Jardim vai e faz as coisas como ele quer ou não pega no Sporting como as coisas estão. Entretanto estou a pensar nisto e liga-me o Silas “Eh pá, preparem-se que eu acho que é mesmo”.

    BnR: E tu?

    ZP: Eu disse “Se é para ir, então vamos já!”. Depois foi uma questão de dois dias.

    BnR: Foi fácil chegar a acordo?

    ZP: Sim. Nós estávamos desempregados e depois uma oportunidade de treinar o Sporting… só poderia ser fácil. Até mesmo em termos de valores seria fácil nós chegarmos a acordo. Foi muito rápido, o Silas na 3ª-feira diz-nos para estarmos preparados porque podia ser a qualquer momento e na 4ª-feira antes do almoço ligou-me, porque eu conheço o Hugo Viana, e disse “Zé, o Hugo Viana ligou-me e é para irmos os dois a seguir ao almoço a casa dele.” E eu perguntei se era mesmo preciso eu ir, porque normalmente o treinador-adjunto não vai. E o Silas diz-me que o Hugo Viana falou que me conhecia bem e queria que eu fosse. E assim foi.

    BnR: Como correu a conversa?

    ZP: Falámos, acertámos logo ali. Depois na 5ª-feira fomos acertar as rescisões no Belenenses e na 6ª-feira fomos apresentados.

    BnR: O que é que Frederico Varandas conversou convosco quando chegaram?

    ZP: Acho que o presidente já tinha falado com o Silas antes pessoalmente. Ficaram muito agradados porque achavam que a equipa técnica tinha muita capacidade e uma das razões de nós termos sido uma das escolhas é porque tínhamos uma linha de três muito bem trabalhada no Belenenses e eles achavam que o plantel tinha condições e estava preparado para jogar num sistema de três defesas.

    BnR: Houve resistência do plantel àquilo que vocês queriam impor na forma de jogar?

    ZP: Sim, houve um pouco de resistência por parte de alguns. Não digo a maioria mas alguns jogadores. Um ou outro podia não se sentir confortável em jogar num sistema de três defesas e via-se isso nos treinos. Principalmente num ou noutro exercício notava-se alguma resistência. Mas no fundo eu também fui um bocadinho assim enquanto jogador, havia exercícios que não gostava e também torcia um bocadinho o nariz mas depois fazia o exercício.

    BnR: Como é que vocês treinadores lidaram com isso?

    ZP: Falámos entre equipa técnica mas não foi um problema porque depois a nossa prestação foi boa. Agora, outras coisas que nós queríamos que funcionassem, da forma como um plantel profissional deve funcionar, não estava a funcionar e depois com os resultados da eliminatória da Taça da Liga, a eliminação depois de uma boa vantagem que tínhamos na Liga Europa e depois coisas pontuais que aconteciam durante a semana e que nós queríamos agir e não era feito como nós queríamos.

    BnR: Por exemplo?

    ZP: Às vezes chamar à atenção ou mesmo castigar com uma ida aos sub-23 durante uma semana, para o grupo principal ver “Ou nós fazemos ou seguimos estas regras e princípios e o que está delineado pela equipa técnica ou então não há hipótese”. Outra coisa pontual que acontecia no treino, nós chamávamos à atenção no final do treino ao Hugo Viana e ao Varandas e perguntávamos se eles tinham visto. Eles diziam que sim e nós dizíamos que achávamos que eles deviam agir de determinada maneira, punir o infrator e não falávamos mais sobre isso. Mas as coisas continuavam a correr da mesma forma e assim não dá.

    BnR: Quem eram os jogadores que mais faziam esse “braço de ferro” convosco?

    ZP: Eram jogadores, eu acho que a maioria, que sentiam que nós estávamos a curto prazo. E nós tínhamos isso no contrato, se conseguíssemos atingir objetivos até ao final da época isso levava à renovação de contrato. Nós começámos a ver que o primeiro lugar era quase impossível, em segundo dificilmente vamos estar porque estávamos a alguma distância e percebemos que por objetivos não íamos lá chegar. Depois, por exemplo, eu se estivesse no Belenenses queria que o Silas jogasse sempre. Se tivesse um treinador que não quisesse que o Silas jogasse eu ficava “Então ele não põe o Silas e vai meter aquele gajo?”. Mas o jogador não tem que fazer isso e não tem que baixar o seu rendimento em função de uma decisão do treinador, eu tenho que trabalhar nos meus limites e depois o treinador decide.

    BnR: Notaram isso no Sporting?

    ZP: Sim, num ou noutro jogador mas não vou referir nomes. Outro exemplo foi a nossa chamada dos miúdos dos sub-23. Nós achávamos que se faltasse um defesa esquerdo e quiséssemos um defesa esquerdo dos sub-23, era um jogador que o Leonel Pontes também teria alguma necessidade de utilizar. Não íamos “queimar” o Leonel, levar um jogador dos sub-23 e ele ficar prejudicado. Foi a equipa principal e os sub-23 estarem em sintonia. Também isso foi posto em causa, de que deviam vir os melhores miúdos dos sub-23, mas não são os jogadores que têm que definir quem é que vem ou quem é que não vem. Por exemplo, agora estão uma série deles dos sub-23 a treinar com a equipa principal e isso não se passa com o Rúben Amorim. Porquê? Porque ele ainda tem mais dois anos de contrato. Se nós tivéssemos nem que fosse mais um ano de contrato as coisas não iriam ser feitas da mesma forma.

    BnR: Referiste que quando havia algum problema no treino reportavam ao Frederico Varandas e ao Hugo Viana e pediam para eles tomarem medidas, só que não havia ação do lado deles. Sentes que do lado deles houve essa inércia por sentirem que vocês estavam a prazo e por isso não valia a pena eles criarem atrito com os jogadores?

    ZP: Sim, não tenho dúvidas nenhumas que o primeiro pensamento foi esse. E os jogadores também se apercebiam disso em relação à direção, da direção não dizer nada nem fazer nada. Eu consigo analisar a pessoa e o outro lado. Se acontecesse alguma coisa no treino, e por acaso eles até estavam quase sempre presentes, e viam com os seus próprios olhos as coisas a acontecer…

    BnR: Tendo em conta o contexto, era difícil fazer melhor do que o que vocês fizeram?

    ZP: Havendo a resistência que houve, ia sempre ser difícil. Depois o ter o contrato só até ao final da época e o jogador aperceber-se disso, mais difícil ia ser. Mas eu achava que com a qualidade individual que o Sporting tinha, com a nossa maneira de ser, estar e lidar, porque fomos jogadores de futebol sabemos muito bem lidar com o grupo de trabalho, que iríamos potenciar ainda mais a equipa. Nós acreditávamos mesmo que íamos agarrar naquele grupo de trabalho, mesmo perante as dificuldades financeiras, o ambiente que há entre sócios, simpatizantes e administração, tudo o que está a envolver o Sporting, e dentro de campo ter capacidade. Não pensávamos que iria haver esta resistência e estes detalhes todos que expliquei foram travando aos poucos tudo aquilo que podíamos ter potenciado. Não poderíamos ter feito melhor. Eu hoje estava a ver uma percentagem, vale o que vale porque eu também não ligo demasiado a isso, que se o Amorim não ganhar ao Benfica, nós temos a percentagem mais alta de vitórias. Apesar de o Rúben acabar por ter menos jogos, isto diz bem do trabalho que fizemos.

    BnR: JJ vaticinou uma carreira brilhante para ti e Silas. Qual será o próximo passo na tua carreira para se cumprir esse dito?

    ZP: Eu não queria muito baixar o nível ehehe. Já que saí do Sporting… sair do Sporting não é a mesma coisa que sair do Belenenses, sem desprimor para o Belenenses como é lógico. Porque já disse e volto a dizer, para mim o Belenenses foi quem me deu tudo em termos desportivos e fez-me crescer muito enquanto ser humano. Mas a maneira como sais do Belenenses é uma coisa e a maneira como sais de um dos grandes é outra. Eu não faço muitos projetos mas uma coisa é certa: eu leal ao Silas vou ser. Por exemplo, se o Silas e eu estamos num clube e ele sai, eu não vou assumir o lugar dele. Se o Silas sai, eu também saio.

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