«No Sporting os jogadores achavam que estávamos a curto prazo» – Entrevista BnR com Zé Pedro

    – Marcar ao Benfica e ir de barco para o treino –

    BnR: Como foste recebido na chegada ao Belenenses?

    ZP: Dou sempre este exemplo quando se fala que os miúdos atualmente chegam à equipa sénior e é uma facilidade tremenda. Nós na altura não. Eu tinha acabado de subir de divisão com o Vitória de Setúbal e tinha ido com o Carvalhal para o Belenenses. Normalmente a imagem que passa quando vais com o treinador é que é quase um lugar no onze certo.

    BnR: Lembras-te do primeiro dia?

    Perfeitamente. Lembro-me de entrar no balneário e agora é curioso teres-me feito essa pergunta porque ainda ontem liguei para o Sousa, que trabalha na SportTV. Liguei-lhe por saudades e por o ter visto na televisão e ele foi uma das primeiras pessoas com quem me cruzei quando cheguei ao Belenenses. Quando cheguei, pedi o meu cesto, com a minha roupa, a toalha, etc, e quando chego ao balneário era enorme. Pensei “Onde é que eu me vou sentar?”. Já tinha 25 anos na altura, não era um chavalinho, mas decidi esperar para ver onde os jogadores se sentavam. Então chego, fico junto à porta e ponho o cesto no chão. O Sousa estava ali a dois metros de mim e perguntou-me porque estava ali. E eu expliquei-lhe que estava à espera que chegasse a malta toda para ver onde me sento.

    BnR: E ele?

    ZP: “Então olha, já que estás com essa humildade toda vais-te sentar aqui ao pé de mim”. Então sentei-me ao pé dele e do Marco Paulo. Aquilo era um banco corrido e nesse banco estava também Tuck, Wilson, Marco Aurélio, Andersson…

    BnR: O sueco do Benfica?

    Sim, estava emprestado.

    BnR: Ficaste ao lado da “velha guarda” no balneário.

    ZP: É, eu sempre tive tendência para me aproximar de jogadores mais velhos, já no Barreirense também foi assim. Fiquei ao lado do Sousa e do Marco Paulo. O Marco Paulo já era uma “carcaça”, o Sousa também já tinha um estatuto, jogador do Porto e do Benfica, e já estava no Belenenses como uma grande referência. Eu entrei ali com estatuto por ter vindo com o Carvalhal mas era o meu primeiro ano de afirmação de Primeira Liga. Essa foi uma das coisas importantes para mim, ter essa recetividade de jogadores importantes no clube. Depois na pré-época, quando vamos para Quiaios, o Carvalhal escolhe para ficar como meu parceiro de quarto o Tuck.

    BnR: Eish, histórico do Belenenses.

    ZP: É, o Tuck era o capitão e era a figura-mor do plantel.

    BnR: Ouviste “bocas” por teres vindo com o treinador?

    ZP: Lógico que ouvi. “És filho do homem” ehehe. Mas foi sempre naquele espírito de grupo e eu aceitei isso de forma natural.

    BnR: Que condições encontraste?

    ZP: Boas, felizmente. Temos saudades quando são essas direções em que tudo funciona e há uma boa ligação. Na altura o presidente era o Sequeira Nunes e o Rui Casaca era o diretor desportivo. Tínhamos todas as condições, tínhamos o campo principal, ainda tínhamos o campo nº2. Era perfeito para o Belenenses na altura, tínhamos condições mais que ótimas daquilo que eu considero essencial para um clube da Primeira Liga.

    BnR: Um dos teus jogos mais marcantes pelo Belenenses é uma vitória categórica sobre o Benfica de Trapattoni.

    ZP: Siiiim, 4-1 no Restelo.

    BnR: Marcas dois golos e esta derrota dá origem à troca de guarda-redes nos encarnados.

    ZP: Lembro-me perfeitamente, foi um jogo muito importante porque fazendo golos a um grande, a dimensão que a própria imprensa põe sobre ti é diferente. Esse jogo foi maravilhoso para mim, vai ficar na história. 4-1, onde é que o Belenenses irá outra vez derrotar o Benfica por números destes? Foi muito bom.

    BnR: Na semana seguinte, está-se “nas nuvens”? Há mais pessoas a abordarem-te na rua?

    ZP: Posso contar isto sem problema…

    BnR: Vem aí história…

    ZP: [Zé Pedro sorri] É. Foi uma coisa que me deixou um bocado preocupado e intimidado. Na altura eu ainda não tinha a carta de condução e ia de barco e autocarro para o treino. Demos 4-1 ao Benfica, eu fiz dois golos e o jornal A Bola a seguir veio fazer-me uma grande entrevista no Montijo. Depois desse jogo, nessa semana sou confrontado por um adepto do Benfica. Eu levei aquilo mais ou menos na brincadeira mas sinto hoje que não foi na brincadeira.

    BnR: Insultou-te?

    ZP: Não, mas no meio daquela gente toda no barco, quando vínhamos a sair ele começou “Estes gajos também só fazem golos ao Benfica” e assim. Às vezes há situações destas que surgem mas com malta conhecida, que desfazem essa questão e com um sorriso aquilo passa. Eu senti isso daquela forma. Agora conforme fui andando, senti que ele estava a vir atrás de mim e intimidou-me com aquilo. Eu fiquei com um ar… não vai haver aqui desaguisados, não o vou confrontar nem nada, vou ignorá-lo. Foi um episódio que me fez pensar que tinha que tirar a carta o quanto antes para no futuro não voltar a ter situações destas.

    BnR: O que é que as pessoas mais te dizem quando te encontram na rua?

    ZP: Como jogador põem-me no patamar lá em cima, dizem-me que poucos jogadores portugueses com o pé esquerdo e com a minha qualidade não chegaram a um grande. Dizem também que eu podia ter chegado à seleção, que a minha carreira podia ter sido outra, que cheguei tarde à Primeira Liga, que não tive um empresário capaz de…

    BnR: O que é que representa para ti ouvires isso?

    ZP: Um bocadinho de tudo. Acho que as pessoas têm um bocado de razão naquilo que dizem. A verdade é que eu chego ao Belenenses quase a fazer 26 anos, nunca tive empresário. Quer dizer, tive empresário na altura da transferência do Barreirense para o Boavista, mas depois não houve uma continuidade. Enquanto jogador olho para plantéis de grandes, na altura, e sinto que com um bocadinho de sorte era capaz de caber lá. Tinha capacidade para ter mostrado o meu potencial. Não estou a dizer que chegava a um grande e era titular indiscutível, mas pelo menos fazer parte do plantel e discutir o lugar com alguém. Mas depois também olho o que fiz e já foi com 28 anos, com essa idade já fica um bocado curto para chegar a um grande, não tendo empresário então…

    BnR: Nunca foste abordado por um grande ou algum clube estrangeiro?

    ZP: Só tive duas propostas para sair. Uma do Cluj, em que um empresário português me deu a conhecer o interesse deles e reuni num hotel em Lisboa com dois diretores do clube.

    BnR: A proposta não era boa?

    ZP: A proposta financeiramente era boa mas eu tinha ainda dois anos de contrato com o Belenenses, era uma das maiores referências do clube e eles queriam que eu fosse como jogador livre. E eu disse-lhes “Como é que vocês querem que eu vá como jogador livre se eu tenho contrato com o Belenenses e sou uma das maiores referências?”. E expliquei-lhes que eles é que tinham que falar com a direção do clube e tentar chegar a um acordo. Eles acabaram por não falar com a direção e eu achei que não me ficava bem ser eu a ir falar, ainda por cima sendo um dos capitães. Na altura era a direção do Cabral Ferreira. Mas ainda tenho lá em casa a folha com a proposta, vencimentos, prémios de jogo, prémios de irmos à Liga Europa, tudo.

    BnR: E o outro clube que te abordou?

    ZP: Foi a Reggina. Foi a seguir à nossa primeira época com o Jesus, nessas duas épocas eu estive super bem. Na altura tinha ido também o Miguel Garcia.

    BnR: Sei bem, entrevistei-o há uns tempos e ele contou-me os pormenores.

    ZP: Exato. Era para ter sido eu e ele a irmos nessa vaga. Estávamos em estágio na Beloura e fomos fazer uma visita ao Cabral Ferreira no hospital e o presidente da Reggina foi ao hospital de propósito para se cruzar comigo. Como estávamos em estágio, o Jorge Jesus não deixava ninguém lá entrar. Então a única hipótese era ele contactar-me durante a nossa ida ao hospital e falámos um bocadinho sobre isso. A diferença salarial na proposta que ele me fez não compensava e acabei por não aceitar. Mas aí já havia um valor que a Reggina iria pagar ao Belenenses.


    BnR: Qual o primeiro impacto de Jorge Jesus quando chegou?

    ZP: O primeiro impacto para ele foi olhar para nós e ver que não sabíamos onde é que íamos jogar, porque foi aquela história do caso do Estrela da Amadora e não sabíamos se éramos nós que íamos ficar na Primeira Liga ou se íamos iniciar na Segunda Liga. E ele assumiu logo o Belenenses mesmo não sabendo qual era a liga que íamos disputar, porque ainda estava por decidir em tribunal. Eu acho que o que ele sentiu foi “Sei o que tenho aqui à minha frente mas não sei onde é que vou jogar com estes jogadores.”

    BnR: E o primeiro impacto dele em vocês?

    ZP: Lembro-me perfeitamente da apresentação dele. Chegou ao pé de nós, apontou-nos o dedo e disse-nos “Seja na Primeira ou na Segunda Liga, o nosso objetivo comigo aqui é sermos cada dia cada vez melhores”. Aquilo marcou-me, porque já tive alguns treinadores durante a minha carreira e nunca ouvi isto. Depois foi o primeiro impacto de eu quero, posso e mando em tudo e depois taticamente. Naquela pré-época e naquele primeiro mês de trabalho sentimos “Este gajo é mesmo diferente, é treinador-professor”. Ainda hoje falo com o Silas sobre isso, meio metro para o Jesus vale dois valores. Esse primeiro mês percebemos que o ser melhor todos os dias era ser melhor nesse meio metro do que os outros. Foi muito positivo.

    BnR: Jorge Jesus contou que quando chegou ao Belenenses, Silas lhe disse que não recebiam há cinco meses. Era algo recorrente já naquela altura?

    ZP: Não sei se foi cinco ou três, não quero estar a desmenti-los, mas se o Silas disse cinco é porque era cinco. Ele era o nosso capitão e na altura quando confrontou adeptos com isso disse “Eu não sou o capitão da direção nem de nenhum treinador, eu sou o capitão dos jogadores.”. Ele explicou que ia defender os jogadores e que não valia a pena estarem a dizer que… ou para a imprensa, acho que foi nessa altura que algum diretor disse que os jogadores tinham os salários em dia e depois nós fomos confrontados com os adeptos.

    BnR: E o Silas?

    ZP: Foi para cima deles e disse que era o capitão dos jogadores e que esse diretor que disse que nós não tínhamos salários em atraso mentiu, porque tínhamos de facto salários em atraso. Ele explicou que ia defender os jogadores e mais ninguém. Eu compreendo perfeitamente o Silas porque muitas vezes nós somos nomeados pelo grupo de trabalho e não vamos depois defender o que uma direção ou um treinador possa dizer. Não estaríamos a ser leais. E sei que houve ali alguns jogadores que o Silas ajudou financeiramente nessa altura.

    BnR: É um sentimento agridoce recordar a final da Taça de Portugal perdida para o Sporting?

    ZP: É, claro que é. Infelizmente não estive em mais nenhuma final e tínhamos um excelente treinador, uma excelente equipa. Tivemos um percurso muito bom mas apanhámos um Sporting muito forte, mas custou porque sabíamos que para muitos poderia ser a única. E para mim foi. Depois fica agridoce porque perdemos aos 88’ e perdemos também da maneira que foi. Uma bola parada, depois um lançamento em que o Amaral está fora a receber assistência, eles lançam rápido, há um cruzamento e o Liedson aparece e faz rapidamente o golo. Fica agridoce porque morremos na praia. Estávamos a contar ir para o prolongamento, era mais meia hora que, para nós clube de meio da tabela, podia jogar a nosso favor. Para o Sporting não porque era mais meia hora e tinham a exigência de clube grande.

    BnR: Como reagiram quando o sorteio da Taça UEFA ditou duelo contra o Bayern Munique?

    ZP: Era o que não queríamos que saísse porque era o teoricamente mais forte, mas por outro lado também queríamos o mais forte porque ir jogar a Munique, tal como a final da Taça, pode ser um momento único para os jogadores. É mau porque provavelmente vamos ser eliminados mas por outro lado vamos jogar ao Bayern e isso acaba por ser marcante.

    BnR: Como é que se prepararam para a eliminatória?

    ZP: Mudámos de sistema. Com o Jesus jogávamos sempre em 4-4-2 em losango e nessa eliminatória jogámos com uma linha de três. Nessa semana tivemos que trabalhar um bocadinho mais esse sistema, 3-5-2.

    BnR: Ainda que não fossem favoritos, a derrota por 1-0 em Munique trouxe a eliminatória algo em aberto para o jogo no Restelo.

    ZP: Sim e eu acho que nós pensámos que eles vinham cá ao Restelo e nós éramos capazes de dar mais luta. Mas a verdade é que eles eram muito fortes…

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