De 3 em 1 para nº1 da APAF – Entrevista a Luciano Gonçalves

    BnR: Acha que consegue ser uma carreira tão aliciante?

    LG: Existe uma carreira mais aliciante na arbitragem do que no futebol. Pode-se fazer um percurso fantástico na arbitragem. Com a diferença de que um miúdo que vai jogar para os iniciados, raro é aquele que está a ganhar alguma coisa. Pelo contrário, os pais estão a pagar para eles andarem lá. Na arbitragem os árbitros têm a possibilidade de ser pagos pela função que estão a desempenhar, desde o início.

    BnR: O que acha da possibilidade de árbitros estrangeiros virem apitar para a primeira liga?

    LG: Estarei sempre de acordo com essa iniciativa desde que seja para troca e partilha de experiências, tal como acontece nos programas universitários, como o Erasmus. Não vejo com qualquer maldade um árbitro espanhol vir apitar a Portugal, ou um árbitro português de apitar em Espanha. É preciso que entendam que isso tem a intenção de valorizar o espetáculo, e não para valorizar o árbitro espanhol em detrimento do português. Não é um árbitro espanhol vir fazer um Sporting – Benfica e um árbitro português ir fazer um Gijón – Alavés.

    BnR: A arbitragem portuguesa sofreu um grande revés ao não ter um único árbitro português no Euro 2016, não?

    LG: Toda arbitragem e toda a estrutura do futebol tem de entender isso como tal. Foi um revés nós não termos ninguém para ir ao último europeu. Agora temos é que perceber porque é que isso aconteceu, e se calhar aconteceu porque não se fez um planeamento com o devido tempo. Deixámos terminar uma geração de árbitros de grande renome e de topo a nível internacional, como o Olegário, o Pedro Proença, o Duarte Gomes, e não fomos preparando ninguém. Porque a arbitragem tem muito isto, tem muitas fases.

    BnR: Parece que há um ‘buraco’ entre gerações.

    LG: Não tivemos agora ninguém naquele espaço de tempo entre o Pedro Proença e o Artur Soares Dias nas condições da FIFA. O que não invalida o facto de termos tido grandes árbitros neste espaço de tempo, mas que não tiveram, por vários fatores, possibilidade de chegar ao grupo 1. E provavelmente vamos voltar a ter esse problema a médio prazo. Temos de arranjar forma de não deixarmos criar estes ciclos, temos de ter esse cuidado.

    BnR: Acha que Artur Soares Dias vai estar na Rússia, em 2018?

    Quero acreditar que sim. Não só pela questão pessoal, mas para bem da arbitragem nacional e até por uma questão de orgulho para toda a restante arbitragem, era muito importante que o Artur estivesse no próximo Mundial. E ele merece-o.

    BnR: É sabido que ele está entre os pré eleitos. Quando é que teremos novidades?

    LG: Em dezembro dar-se-á mais um passo e saberemos se ele continuará a marcar presença no grupo. Temos a esperança que sim.

    BnR: Acha que esta geração de árbitros vai conseguir alcançar a qualidade da anterior. A de Olegário Benquerença, Pedro Proença, etc.

    LG: Todas as gerações têm elementos muito fortes, árbitros muito bons, temos é que lhe dar tempo. Nada deve ser feito em incubadoras. Isso não existe. O Cristiano Ronaldo não é o que é hoje porque o colocaram numa incubadora. Foi trabalho, foi dedicação e foi uma série de fatores que ele teve, para além de condições que lhe foram criadas desde cedo. E na arbitragem é precisamente o mesmo. Temos excelentes árbitros com muita vontade, por isso também temos de ir criando condições para que eles possam mostrar-se na melhor forma.

    BnR: E isso será o trampolim para a tão desejada profissionalização?

    LG: A gente diz que a seleção de Portugal foi a França e foi campeã europeia. Excelente. Mas toda aquela estrutura é profissional, todos aqueles jogadores são profissionais, todas as estruturas lá presentes são profissionais. Nós também temos de criar condições para que os nossos árbitros sejam profissionais. Para que possam todos os dias de manhã acordar a pensar em arbitragem, estudar arbitragem, prepararem-se física e mentalmente em arbitragem e não irem ter de pedir ao patrão para sair mais cedo para ir treinar. Não pode acontecer um árbitro ter de dizer ao patrão que durante a semana não poderá ir trabalhar três dias porque tem de ir à República Checa apitar um jogo. Não pode  acontecer isso porque isso vai condicionar o árbitro no sentido de  ele não ir para o jogo com a cabeça limpa. Imagina antes de um jogo importante internacional, o teu patrão, por razões óbvias e absolutamente legítimas, dizer que isto não pode acontecer que tens de escolher: a arbitragem ou o trabalho. É impossível alguém ouvir algo deste género e depois ir fazer um jogo de cabeça tranquila.

    BnR: Acha que a questão poderá passar, inclusive, pela inclusão da arbitragem no Ensino Superior?

    LG: Tem de ser legítimo um miúdo quando sai da escola poder mesmo ter essa opção no Ensino Superior. Nós temos tantos cursos com poucas saídas profissionais, há cursos superiores que nem são abertos porque não há inscrições. Porque não existir a opção própria de se fazer carreira na arbitragem? Não é fácil, mas é um assunto que tem de ser trabalhado por nós para que cada vez mais tenhamos muita gente na arbitragem e para que essas pessoas possam trabalhar mais a todos os níveis, e não só a nível técnico. Costumo dizer que um bom árbitro não é só aquele que não falha. É aquele que sabe ter um comportamento indicado quando falha e assume o seu erro. Isso é que complementa um bom árbitro e nós precisamos de dar essas condições à base para conseguirmos ter bons árbitros no futuro.

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    Tomás Gomes
    Tomás Gomes
    O Tomás é sócio do Benfica desde os dois meses. Amante do desporto rei, o seu passatempo favorito é passar os domingos a beber imperial e a comer tremoços com o rabo enterrado no sofá enquanto vê Premier League.                                                                                                                                                 O Tomás escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.