O Futebol de Raízes: Humanidade, Magia e um Futuro mais Belo

    E hoje, infelizmente ainda temos muito disto. Temos ainda filas, tempos de espera completamente desajustados, treinadores cheio de Periodizações Tácticas para Benjamins e treinadores que ambicionam comer todos os troféus distritais que lhes aparecem pela frente. Cuidado! Em Portugal ainda não olhamos por completo para o processo nem para o real sentido da palavra formação. É lamentável mas ainda é uma realidade. Muito clubes souberam evoluir e eu pessoalmente consegui testemunhar isso, mas muitos outros não foram capazes e vocês sabem de quem estou a falar pois todos conhecemos pelo menos um ou dois casos. Muitos treinadores educaram-se e tornaram-se sensíveis e críticos mas outros continuam a querer apenas ganhar e a periodizar sem nexo. Existem ainda muitos Otto Glorias e Mourinhos das Escolinhas…

    Se mantiver-mos esta tendência julgo que podemos continuar a hipotecar boa parte do nosso potencial. Sobretudo no que se refere à hipoteca do talento que se vai trabalhando nas idades compreendidas entre os três e os onze anos. Neste momento temos elementos organizacionais e sobretudo conhecimento que outros países mais ricos não possuem. A questão é tratar do que falta e reforçar o que já temos. Todos os dias olho para a realidade norte-americana em termos de futebol e percebo que existem mais e melhores relvados numa só cidade do que em vários distritos portugueses em simultâneo, mas percebo também que no que se refere à formação e no que se refere aos formadores nós somos sem sombra de dúvidas muito mais competentes e educados. Temos mais conhecimento, mais capital cultural e social apesar de tudo. E estamos de facto, tal como referi anteriormente, no caminho certo.

    Contudo, o que pretendo sugerir aqui é que naveguemos em direção à criação de condições em escolas de futebol e clubes para voltar às raízes mas evitando o tradicionalismo e o simplismo. De novo, refiro-me aqui às idades mais jovens entre os três e os onze anos. Julgo que as nossas crianças necessitam de experienciar a humanidade do futebol de rua ou do ringue. Penso que em contexto de aula ou de treino necessitamos de incentivar a criatividade e finalmente devolver aquela “magia” e fantasia ao campo e ao jogo. Há que saber em clima organizacional e controlado promover a encenação da realidade e do futuro, investir sobretudo na capacidade de usar a bola e de estar confortável com ela. É importante retirar o medo da equação e conferir liberdade, é necessário saber deixar as crianças inventarem soluções para problemas e deixar que de forma natural aprendam a usar o espaço que as circunda.

    Os formadores devem guiar e intervir, com certeza, mas devem sobretudo permitir que as crianças dos 3 aos 11 anos seja livres, sejam “selvagens” com a bola, criativas e divertidas. Há que trazer humanidade para o campo, há promover a liberdade para errar e para vencer, no fundo temos todos que saber promover a liberdade de experimentar e de aprender. Por fim, acredito que estes passos podem de facto permitir a criação de atletas mais competentes e empolgantes a nível técnico, motor e a nível táctico. Sim, iremos do caos à organização táctica porque desenvolvemos conhecimento táctico, conhecimento do espaço de forma prática e instintiva, e não através de filas, tempos de espera e repetições descontextualizadas. Para os que estão em níveis mais adiantados (dos 12 anos aos 19 anos) a aprendizagem dever ser específica e orientada para o contexto de jogo e consequentemente para a aprendizagem do todo futebolístico. Mas aí há que saber conectar a fase anterior com a posterior e criar uma ponte para espremer ao máximo essa criatividade e essa liberdade que se estimulou na fase anterior (dos 3 anos aos 11 anos). O futebol de raízes é a base e deve portante inspirar o futuro. É fundamental sistematizar de forma coerente esta relação entre futebol de raízes e os níveis mais avançados.

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    Gonçalo Borges
    Gonçalo Borgeshttp://www.bolanarede.pt
    Treinador de Futebol, Sociólogo e professor assistente na University of Wisconsin-Milwaukee, Gonçalo é também adepto do SL Benfica e amante das paixões do futebol.                                                                                                                                                 O Gonçalo não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.