FC Porto | Crónicas da queda de um regime

    A atualidade azul e branca vem sendo marcada muito mais por aquilo que se tem passado fora do campo do que dentro dele. As provas nacionais e internacionais de clubes voltaram a parar para os compromissos das seleções e universo portista aproveitou o interregno para iniciar o período pré-campanha eleitoral e lançar-se desenfreadamente na discussão do futuro do clube.

    Ora, as eleições só ocorrerão em Abril do próximo ano, mas uma Assembleia Geral marcada para o passado dia 7 de Novembro com o propósito de aprovação de uma injustificada e mal desenhada alteração dos estatutos do clube, serviu de rastilho para lançar a balbúrdia entre os sócios e simpatizantes.

    Comecemos, então, pelo princípio. O Conselho Superior do FC Porto, inadvertidamente, decidiu lançar uma controversa proposta de alteração de estatutos que entre outras medidas, propunha a possibilidade de marcação de eleições até Junho, a abertura de secções de voto nas casas do FC Porto e a possibilidade de voto eletrónico, atualização do valor das quotas com base na variação do IPC, e a validação de negócios com o Clube por parte de titulares dos órgãos sociais do Clube sempre que estes sejam do “manifesto interesse do Clube” e do apoio financeiro às claques.

    Propor medidas falíveis e de difícil fiscalização como o voto eletrónico ou via casas do clube, autorizar a utilização do clube como plataforma de alavancagem de negócios pessoais ou viabilizar apoio financeiro a claques que já beneficiam, e muito, de privilégios especiais levantou, naturalmente, uma onda de indignação no seio dos sócios mais lúcidos e mais afastados do círculo diretivo e das claques.

    Adeptos FC Porto
    Fonte: Carlos Silva/Bola na Rede

    Assim sendo, a afluência de sócios à Assembleia Geral foi, ao contrário do habitual, mas, ainda assim, previsivelmente, massiva. Milhares de associados, mesmo perante o clima de intimidação que se gerou, ocorreram à AG para manifestar a sua posição perante uma tentativa de perpetuação no poder e desvirtuamento dos valores do FC Porto ou de qualquer instituição que se preze.

    Aquilo que se passou na AG está nas mãos das autoridades competentes e não me cabe a mim fazer o julgamento final. Posso, no entanto, dizer que desde muito cedo e bem antes daquela noite se percebeu que os contestatários da atual direção e os apoiantes de outros aspirantes à presidência não eram bem-vindos e teriam de enfrentar a AG num clima de tensão e intimidação. Não me compete apontar responsáveis, mas bastará uma rápida passagem pelas redes sociais de elementos dos grupos organizados para se perceber melhor toda a envolvente em que decorreu a reunião magna.

    O que se passou está documentado e passou vezes sem conta nos diferentes noticiários e é um dos momentos mais negros da história do clube e o ponto mais baixo de que há memória no reinado de Jorge Nuno Pinto da Costa. Entretanto, perante o sucedido, o Conselho Superior já suspendeu, por tempo indeterminado, a proposta de alteração estatutária.

    No dia seguinte, o clube lançou um comunicado vago a lamentar e repudiar o sucedido que não foi, de todo, suficiente para apaziguar as hostes, nem tampouco para retirar o tema da agenda mediática. E assim sendo, perante um silêncio que ameaçava tornar-se ensurdecedor, eis que Pinto da Costa, na passada terça-feira, optou por dar uma entrevista na SIC.

    Numa altura em que o populismo e a demagogia vão ameaçando as democracias um pouco por toda a Europa e também em Portugal, a entrevista do presidente do FC Porto não foi mais do que uma ode à hipocrisia e às “inverdades”.

    Perante a inoperância e falta de preparação do jornalista que conduziu a entrevista e que tudo permitiu quando tantas vezes durante aquela hora teria sido fácil desmascarar o impostor, Pinto da Costa aproveitou para, apesar de visivelmente debilitado em termos físicos, usar e abusar da sua inata capacidade de oratória e de controlo da narrativa, para se lançar de cabeça à corrida às próximas eleições.

    De forma direta ou indireta, garantiu a solidez financeira de um clube em falência técnica, chamou a si a responsabilidade pelos títulos conquistados recentemente e que Sérgio Conceição conquistou apesar da direção e não por causa da mesma, ilibou os Super Dragões dos desacatos e culpou inimigos externos e, principalmente, internos e aspirantes ao seu lugar, desmultiplicou-se em desculpas esfarrapadas para justificar os altos vencimentos da SAD ou o incompreensível veto á atuação da polícia na AG e, no maio de tudo isto, ainda encontrou forças para “garantir” a renovação do treinador portista caso seja eleito e para desvalorizar as gloriosas conquistas de André Villas-Boas quando este treinava o clube. Foi um fartote.

    Criança com a bandeira do FC Porto no Estádio do Dragão
    Fonte: Bernardo Benjamim/Bola na Rede

    As últimas duas semanas parecem, portanto, saídas de um documentário sobre regimes ditatoriais e resultado do pânico que se vive no entorno do presidente perante aquilo que, até há poucos anos, parecia inimaginável. O medo de ver partir a galinha dos ovos de ouro é real e começa a abanar os alicerces de uma nata interesseira que gravita à volta do clube

    Não sei se André Villas-Boas será a pessoa certa para o lugar (estou seguro, ainda assim, de que não terá as mesmas motivações de quem lá anda), mas estou certo de que as próximas eleições serão uma oportunidade única e decisiva para garantir um virar de página num clube que vive num clima de opressão e censura e que está amarrado por oportunistas que, hoje, se servem muito mais dele do que vivem para o servir.

    E porque não sou ingénuo, sei que uma mudança diretiva, perante o estado calamitoso das contas do clube e dos seus capitais próprios, poderá significar, no curto prazo, uma maior dificuldade para o atingimento dos objetivos desportivos. Todavia, quando são a sobrevivência financeira do clube e a sua viabilidade democrática que estão em jogo, valores mais altos se levantam.

    Uma nota final apenas para dizer que, apesar das considerações feitas acima, não deixa de ser triste imaginar a possibilidade de ver o obreiro do FC Porto enquanto grande clube nacional e europeu sair de cena pela mais pequena das portas e como consequência de atos, tão seus, de gestão danosa e prejudiciais ao clube. Se sair enquanto há tempo para salvar e reabilitar o clube (se é que ainda o há), a gratidão permanecerá.

    Nota: O texto acima foi escrito no contexto de um artigo de opinião da inteira responsabilidade do redator e não vincula a organização Bola na Rede.

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    Bernardo Lobo Xavier
    Bernardo Lobo Xavierhttp://www.bolanarede.pt
    Fervoroso adepto do futebol que é, desde o berço, a sua grande paixão. Seja no ecrã de um computador a jogar Football Manager, num sintético a jogar com amigos ou, outrora, como praticante federado ou nos fins-de-semana passados no sofá a ver a Sporttv, anda sempre de braço dado com o desporto rei. Adepto e sócio do FC Porto e presença assídua no Estádio do Dragão. Lá fora sofre, desde tenra idade, pelo FC Barcelona. Guarda, ainda, um carinho muito especial pela Académica de Coimbra, clube do seu pai e da sua terra natal. De entre outros gostos destacam-se o fantástico campeonato norte-americano de basquetebol (NBA) e o circuito mundial de ténis, desporto do qual chegou, também, a ser praticante.