RM: Rafa Mujica e as Ruturas Mágicas

Em Arouca fala-se a língua de Cervantes e criam-se romances com protagonistas espanhóis. Na Amoreira, foram todos personagens principais e o único vilão, o vizinho francês, depois de um primeiro ataque de se lhe retirar o chapéu – literalmente – foi aniquilado no regresso às histórias com final feliz para os lados de Arouca.

Entre o tridente ofensivo de espanhóis que coabitam em Arouca, nenhum se destacou tanto como Rafa Mujica. Tem uma sinergia perfeita com Cristo Gonzalez, qual Sancho Pança e D. Quixote e, se tantas e tantas vezes foi o avançado com nome de Deus a brilhar, desta vez os holofotes focaram-se numa personagem saída de laboratório e que, apesar das iniciais RM, se formou no Barcelona. Tudo ingredientes que lhe permitem dar personalidade.

Rafa Mujica não é poesia em campo, como o é Cristo González, mas tem no seu jogo um quê de odisseia épica. Oferece constantemente soluções à equipa, batalha por todos os lances e tem qualidade técnica para definir. Contra o Estoril Praia apresentou o seu cartão de visita: as desmarcações de rutura.

Quer quando os canarinhos defendiam com uma linha defensiva subida, próxima do meio-campo, quer quando baixavam o bloco sofriam com o mesmo problema. Rafa Mujica atacava o espaço em diagonais mais curtas ou mais longas, dependendo de quão profunda estava posicionada a defensiva adversária, e criava perigo. Quando recebia a bola nas costas da defesa, tinha espaço e possibilidade para se enquadrar com a baliza adversária. Quando não a recebia, provocava o caos e desorganizava os adversários, abrindo espaço para a entrada dos colegas. Volnei Freitas, desta vez como central do meio, e Raúl Parra (mais um jogo onde não fica muito bem na fotografia) fartaram-se de sofrer e de ver Rafa Mujica fazer o que queria. Os heróis são assim, mesmo que não vistam uma capa.

O livro tinha uma capa bonita e o enredo não desiludiu. Tanto o Arouca como o Estoril Praia estavam em seca extrema em 2024 e procuravam a primeira vitória neste ano civil. Final feliz para os arouquenses de Daniel Ramos, num enredo com protagonistas e peripécias diversos.

Rafik Guitane, principal artista em campo, tratou-se de iniciar este romance que, na realidade, pode ser um tratado de bom futebol. Não escreve com uma caneta BIC, mas sim com uma pena, que lhe permite saltitar entre adversários com tamanha suavidade e rematar de um jeito ao nível dos mais belos textos. Rafik Guitane é um cisne entre humanos.

O que podia ser uma tragédia, rapidamente foi resolvido. Alejandro Marqués perdoou e atirou ao poste, Cristo e Mujica responderam de outra maneira. Foi a primeira rutura de Rafa Mujica – de dentro para fora, como mandam as regras – a provar que, mesmo as personagens mais interessantes podem ser previsíveis. Quantas e quantas vezes não vimos Rafa Mujica repetir o mesmo gesto.

A trama, que aos sete minutos podia estar definida num livro com poucas páginas deu lugar a uma reviravolta que permitiu ao roteirista descrever uma batalha pela bola, pelo espaço e pelo tempo. O Estoril Praia procurou ter mais bola e ameaçar pela direita com Rodrigo Gomes e Rafik Guitane, uma das duplas da temporada, a criar oportunidades. Não estiveram ao nível habitual (salvo o momento delicioso de Rafik Guitane) e os melhores lances tiveram a presença de João Marques que, quando se aproximou da direita, ofereceu uma melhor definição. Alejandro Marqués continua a exibir-se a um bom nível no que toca a oferecer-se em apoio, mas pedia-se outra letalidade. Não aproveitou o Estoril Praia, fê-lo o Arouca. Quem não marca, sofre diz a moral da história.

O Arouca continua a gostar de ter bola (a entrada de Pedro Santos ao intervalo comprova-o), mas tem recursos para ameaçar de forma mais direta. Morlaye Sylla é um joker para Daniel Sousa que vai fazendo o posicionamento do guineense variar. Lê bem o jogo e é capaz de dar seguimento às jogadas, geralmente da esquerda para dentro, aproveitando o espaço entrelinhas. Recebe nas costas dos médios – desta vez o Estoril Praia sem um perfil mais posicional e com um meio-campo do agrado dos adeptos do Sporting –, roda e acelera. Na frente à qualidade técnica nas execuções e capacidade de ser vertical na procura da baliza.

O jogo podia cair para qualquer lado, mas o autor deste jogo preferiu deixar a vitória falar espanhol. Rafa Mujica fez por isso e pôde assinar mais uma bela exibição. Quer nos lados mais agitados do Estoril, quer na mais pacata vila de Arouca se vão temer os próximos dias até ao fecho do mercado

BnR na CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

BnR: O Arouca procurou constantemente acionar os elementos da frente, quer com uma bola mais longa na profundidade procurando ruturas de vários jogadores, mas principalmente do Mujica, quer colocando um dos jogadores entrelinhas, com o Sylla capaz de receber nas costas dos médios num movimento de fora para dentro. Qual o objetivo desta estratégia e pergunto-lhe se com um jogo tão direto não receou que o Arouca ficasse sem bola demasiado rapidamente?

Daniel Sousa: Efetivamente, nós nos últimos jogos acabámos por não ter tanta bola como costumamos ter e como é nosso padrão, mas aquilo que ressalvo disto é que a equipa está preparada para fazer coisas diversas, e isso é muito importante. Primeiro, não conseguimos ter bola o tempo todo e depois quando não a temos é preciso saber o que fazer. Depois há sempre o adversário e a qualidade que ele tem. Para todos os efeitos demonstrámos uma grande capacidade de sacrifício e de trabalho, de estar compactos e isso é uma coisa que nós procuramos também sempre. Obviamente que quanto mais bola tivermos melhor, é isso que nós queremos, mas também sabemos que somos muito fortes a sair rápido para o ataque, com combinações entrelinhas e a acelerar. Quando conseguimos encontrar esses espaços, procuramos acelerar jogo, porque é um espaço privilegiado para criar desequilíbrios, daí que quando entramos aí tentamos acelerar um pouco o jogo.

BnR: Na segunda parte o Estoril Praia procurou libertar completamente os alas e assumiu um desenho semelhante ao 4-1-4-1 com o Mateus Fernandes a lateralizar à esquerda, o Raúl Parra a abrir à direita e os dois extremos por dentro. Na segunda parte o Estoril Praia esteve por cima, mas mesmo com a mudança sentiu problemas em superar a primeira linha de pressão do Arouca que tinha quatro elementos. Tentou mudar alguma coisa ao intervalo e sente que a mudança trouxe melhorias?

Vasco Seabra: Nós mantivemos aquilo que foi o plano de jogo da primeira para a segunda parte. Só que na primeira parte acho que roubámos mais bolas na primeira fase de pressão e ao roubarmos mais bolas não conseguimos instalar o Mateus tantas vezes quanto queríamos para criar essa tal superioridade à esquerda, porque como roubávamos muito alto, o Mateus já estava mais alto, mais projetado e acabávamos por chegar mais depressa à baliza. Nós na primeira parte também fomos dominadores do jogo, acho que também estivemos por cima do jogo e o Arouca acabou por estar essencialmente na primeira bola, porque jogou mais longo para a primeira e a segunda bola e depois não vamos negar que o Arouca tem muitos jogadores bons individualmente. Acho que muitas das coisas que aconteceram tiveram a ver com a característica individual, com a capacidade individual dos jogadores. Na segunda parte continuámos dominadores, mas instalámo-nos ainda mais no meio-campo ofensivo, porque em termos de números de oportunidades na segunda parte penso que temos ainda mais do que na primeira, mas na primeira parte também tivemos oportunidades. A nível de plano não mudou tanto assim, penso que foi mais relacionado ao momento onde roubámos a bola.

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Diogo Ribeiro
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O Diogo é licenciado em Ciências da Comunicação, está a terminar o mestrado em Jornalismo e tem o coração doutorado pelo futebol. Acredita que nem tudo gira à volta do futebol, mas que o mundo fica muito mais bonito quando a bola começa a girar.

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