A necessidade de urinar na pausa do futebol

    Note nesta conversa de café algures entre o dia entre o dia 16 e 20 de novembro de 2022. O motivo da imprecisão deve-se ao “efeito Casa dos Segredos – uma espécie de desconcerto emocional por não conseguir descortinar, pelo próprio pensamento, o dia da semana em que nos encontramos”. “Domingo começa o Mundial de Futebol. O apetecível Catar-Equador ocupará muitas televisões deste país, ainda que ninguém se encontre diante delas. Refiro-me à cerimónia de abertura: mascotes, panos e toldos a voar integram um arraial que todos querem perscrutar e tirar apontamentos caso um dia seja preciso envolver essa miríade numa dança sensual qualquer”  – diz Artur.

    “Shhhhhhhhhhhhhhhh. Deixa ver se encontro aqui um stream para a Gala GQ Moty Awards porque quero ver os famosos todos decotados e com os penteados na régua e no esquadro. Olha só para o conjunto que a Sofia Ribeiro apresenta. Pelo que pude acompanhar até agora, atrevo-me a dizer que esta festa agregadora de elite irá distrair as pessoas para a paragem dos campeonatos europeus” – ripostou Gaspar.

    “Vocês só pensam em futebol? Será possível que tudo gire à volta dessa modalidade? Não há pachorra. Pá, entretenham-se com outra coisa. Querem ver uma coisa engraçada? Querem? Acedam ao YouTube e vejam a filha do Kim Jong-un. Que mulher! Estou a tentar o contacto dela com recurso à embaixada chinesa em Portugal, mas puseram-me em lista de espera” – resmungou Adelino.

    “E aquele evento que parecia a WebSummit mas enquadrado nos trâmites do futebol? O Thinking Football Summit? Em termos de bajulação, o Paulo Futre já esteve em melhor forma. O José Mourinho rompeu o protocolo como prometeu. Os jornalistas viram negado o acesso ao parque de estacionamento. A Susana Torres não trouxe exemplares do livro escrito com e para o Éder. O facultar de garrafas de água cessou de sexta para sábado. Os comes e bebes eram à base de pão com fiambre e bolachinhas em miniatura” – relatou Artur, voltando-se para os restantes amigos e içando o número três para o empregado de balcão.

    Roger Schmidt Benfica
    Fonte: Paulo Ladeira/Bola na Rede

    “O Roger Schmidt palestrou, não palestrou?” – indagou o atento Adelino.

    “Sim. Por videoconferência. E – deixem que vos diga – falou muito bem. A honestidade e o não compadrio de que os treinadores estrangeiros se munem quando cá chegam é de louvar” – atalhou Artur, pousando a cerveja que tinha bebido de um só trago.

    “Ai sim!? E o que é que ele disse? Confesso que, quando soube da iniciativa, me apressei a ver o preço dos bilhetes ou de um passe que pudesse albergar a estadia completa. Mas como 360€ é quase metade de um salário mínimo nacional e eu preciso de comer nas semanas que antecedem dezembro, acabei por não ir.” – declarou Gaspar com mágoa à mistura.

    “Falou na Taça da Liga! Sim, exatamente! Não mostrem esses semblantes palermas na minha direção. A Taça da Liga já merecia defesa. E haja alguém com coragem para o fazer. Ultimamente, preocupam-se mais com a entrevista do Cristiano Ronaldo ao Piers Morgan e ao cumprimento frio com Bruno Fernandes, quando este último chegou à concentração da Seleção Nacional” – disse Artur em tom inquisitório.

    “Pois foi! Ainda não falamos disso… vocês viram as declarações bombásticas dele? O que é que vai acontecer agora? Portugal estará preparado para enfrentar a fase de grupos?”- deambulou Adelino.

    Artur interrompeu o amigo e pousou com estrondo a cerveja sobre a mesa.

    “Cala-te! Estou cansado desse assunto! Quero lá saber o que vai acontecer! O Sporting CP continua em quarto lugar, não continua? Então vão lá bugiar”

    Gaspar e Adelino olharam-no atónitos. Artur prosseguiu.

    “Concordo, em absoluto, com a tese do treinador do SL Benfica. Querem credibilizar a Taça da Liga e marcam um Mundial para os meses em que se joga a competição? Retiram as primeiras linhas aos clubes para os levarem ao Mundial? Ainda por cima, falamos de um Campeonato do Mundo tão polémico como todas as declarações que Marcelo Rebelo de Sousa decide tecer sobre assuntos, variados assuntos”.

    Sporting
    Fonte: Sebastião Rôxo / Bola na Rede

    “Mas a Taça da Liga sempre foi jogada com as segundas linhas. Essa estratégia é adotada – principalmente – pelos clubes grandes. Repara que, no Sporting CP, a presença do Esgaio em campo é bem mais provável do que a presença do Porro, por exemplo” – contestou Adelino.

    “Existe uma diferença entre opções técnicas e escolhas das respetivas equipas de futebol que apoiam o treinador e não ter opções porque determinados jogadores competem num palco que suga os direitos humanos e os expele como de um escarro se tratasse” – argumentou Artur num estado de cólera.

    A troca de ideias foi mitigada pelo pedido de mais três fresquinhas.

    Afinal, eram 15:00h de domingo. A cerimónia de abertura do Mundial de futebol principiava. A irritação transformou-se naquela alegria que caracteriza o Mundial. As seleções e os seus adeptos em sã confraternização. No exterior, fogo de artíficio e pirotecnia de outra estirpe – pelo menos, foi com a sensação que fiquei – e luzes e néons a revestir o que restava de Al Khor.

    Outra rodada atracava na mesa dos três amigos.

    “Quinta-feira é a nossa  vez. O Gana que se prepare. Somos uma das seleções favoritas a vencer a competição” – preveniu Gaspar.

    Todos brindaram ao futebol e à alegria que o envolve.

    Entre eles, após o trago, confidenciaram que aquela cerveja tinha um sabor distinto.

    De ouvido extremamente apurado, o empregado riu por trás do balcão. Mais do que ninguém, sabia que propriedades a urina possuía.

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    Romão Rodrigues
    Romão Rodrigueshttp://www.bolanarede.pt
    Em primeira mão, a informação que considera útil: cruza pensamentos, cabeceia análises sobre futebol e tenta marcar opiniões sobre o universo que o rege. Depois, o que considera acessório: Romão Rodrigues, estudante universitário e apaixonado pelas Letras.                                                                                                                                                 O Romão escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.